Foi a 18 de Julho que o Ministro do Ambiente e da Acção Climática, Duarte Cordeiro, anunciou a saída de Portugal do Tratado da Carta da Energia (TCE), afirmando: Portugal “já tomou a decisão” e iniciou o processo de denúncia.
No início de Agosto, a publicação online ECO/Capital Verde publicou um artigo intitulado: Tratado da Carta de Energia. Europa de saída do acordo nascido em Lisboa.
Além de enquadrar o TCE e referir o seu desalinhamento com os objectivos de transição para uma Europa mais “verde”, o artigo apresenta vários argumentos defendidos pela TROCA e pela ZERO; como contraditório, adiciona a visão de Agostinho Pereira de Miranda, sócio e fundador da Miranda & Associados e membro da equipa jurídica que aconselha o Secretariado da Carta da Energia, que opera em Bruxelas.
Agostinho Pereira de Miranda considera a retirada, pela Comissão Europeia, da anterior proposta de modernização do TCE como o “aspeto mais negativo” do processo.
Ora, do ponto de vista da TROCA e da ZERO – bem como de muitas outras associações europeias que integram a rede NOECT – este foi um aspecto extremamente positivo, na medida em que a versão modernizada do TCE continuava a não estar suficientemente alinhada com a urgente transição energética, o que levou vários países, entre os quais a Espanha, França e Alemanha a abandonarem o TCE.
O artigo refere também Filipe de Vasconcelos Fernandes, especialista em economia da energia, o qual considera que a resolução de litígios “terá sido uma das principais razões subjacentes à decisão do Governo português, de iniciar a respetiva saída” pois permite “o recurso a arbitragem sem qualquer discriminação do vetor energético em causa”.
Na opinião de Agostinho Pereira de Miranda, Portugal terá beneficiado e continua a beneficiar das disposições “muito favoráveis” para os investidores portugueses que fizeram investimentos em países que são partes do TCE. Acrescenta ainda que os benefícios também se estendem aos programas de eficiência energética, proteção do ambiente e outros que são “regularmente apoiados pelo Secretariado do TCE aos governos nacionais das partes”, informa o advogado.
Teria sido realmente interessante saber concretamente a que benefícios para Portugal Pereira de Miranda se refere. Na generalidade em que se mantêm, estas afirmações parecem basear-se apenas na suposição generalizada e não fundamentada de que “quando os investidores beneficiam, o país também beneficia”.
Por outro lado, o próprio jurista acrescenta que “Portugal pode ter sido prejudicado quando um investidor de um país que não é membro do TCE constitui uma sociedade veículo num país que o é, com vista a beneficiar das garantias que o TCE oferece aos investimentos provindos deste último”, alerta. É o que terá acontecido com a venda de participações do Estado da EDP e da REN a empresas chinesas.
Também a este respeito seria interessantíssimo saber mais pormenores deste caso que, no entanto, é mantido no segredo dos deuses. O que sabemos, é que houve uma ameaça a Portugal pela EDP acerca das “rendas excessivas”.
O artigo refere que “O Estado português não tem, até ao momento, histórico de disputas, havendo apenas um caso em curso envolvendo uma empresa portuguesa, a Cavalum SGPS, que, em 2015, avançou com uma arbitragem contra Espanha, reclamando 59 milhões de euros e contestando a intervenção do país sobre as receitas das empresas de energias renováveis.
Recorde-se que a Espanha foi sujeita a mais de 50 casos ISDS (Investor-State-Dispute-Settlement) por ter retirado os incomportáveis subsídios às energias renováveis entre 2012 e 2014, na sequência da crise financeira e do colapso do sistema bancário (o que obrigou o governo a pedir ajuda, tal como fizeram Portugal, Grécia e Irlanda).
Conforme consta no artigo, Portugal optou por outra via, chegando a acordo com as produtoras energéticas, sendo certo que os consumidores pagaram e pagam a conta desse acordo.
No que respeita à inaudita cláusula de caducidade, artigo 47.º do tratado, segundo a qual, se um Estado sair do TCE, as disposições deste tratado continuarão a aplicar-se aos investimentos já em curso “durante um período de 20 anos a partir dessa data”, Agostinho Pereira de Miranda aponta que a cláusula, “algo draconiana”, “viola os princípios e regras do direito internacional dos tratados”, nomeadamente das convenções de Viena.
Na mesma linha, não admira que Pereira de Miranda considere que a retirada europeia do TCE possa “contribuir para alguma instabilidade nos círculos dos investidores, especialmente financeiros, vindos de países que dele fazem parte.”
Faz parte da lógica de advogados de equipes jurídicas acenarem com os apetites dos investidores para defenderem a arbitragem internacional, da qual eles próprios fortemente beneficiam, mesmo quando isso contraria as conclusões dos estudos sobre a matéria.