No passado dia 5 de Abril, activistas da TROCA e da ZERO foram ouvidos na Comissão de Ambiente e Energia, como peticionários da Petição “Travar o Tratado que bloqueia o Acordo de Paris”, que contou com 2.050 subscrições.
A petição afirmava “O Tratado da Carta da Energia (TCE) constitui uma perigosa ameaça para o clima, por outorgar às empresas petrolíferas, de gás e de carvão o direito de processarem estados num sistema de justiça privada, quando estes tomam medidas em prol do clima, que possam afectar os seus lucros esperados”.
E apelava
- à realização de um debate no Plenário da Assembleia da República sobre as barreiras do TCE para a concretização dos objectivos de Portugal em termos de neutralidade carbónica;
- a que o Governo se una publicamente ao Governo de França no pedido que este fez à Comissão Europeia para que trabalhe no sentido de uma saída coordenada dos Estados-Membros da UE do Tratado da Carta da Energia e que deixe de ser cúmplice das empresas de carvão, petróleo e gás que bloqueiam a transição para um sistema de energia limpa.
O resultado da audição foi satisfatório para a TROCA e a ZERO na medida em que os deputados presentes, de todos os partidos com excepção do do CHEGA, concordaram que a saída coordenada da UE do TCE é inevitável. Isto leva-nos pois a acreditar que Portugal irá anunciar a sua saída em breve, reforçando o grupo dos países que adoptam e defendem a única opção responsável perante o planeta e as gerações futuras.
De seguida, referimos os principais pontos abordados durante a audição.
Nos últimos meses, sete países – Espanha; Países Baixos; Polónia; França; Eslovénia; Alemanha e Luxemburgo – anunciaram a saída do TCE. Estes países, juntamente com a Itália, que já saiu em 2016, representam mais de 70% da população da UE.
Em Portugal, no passado mês de Novembro, o ministro do Ambiente e da Ação Climática, Duarte Cordeiro, afirmou: “Também nós estamos a avaliar a saída do Tratado da Energia”.
Desde então nada mais se ouviu quanto à posição de Portugal.
A “modernização” do TCE, promovida com o maior vigor pela Comissão Europeia, não conseguiu a maioria necessária para ser adoptada pelo Conselho da UE e, assim, a Comissão viu-se, no último minuto, obrigada a retirar este ponto da agenda da Conferência da Carta da Energia, de Novembro passado.
Também no final de Novembro passado, o Parlamento Europeu aprovou com uma maioria clara de 303 votos uma resolução em que insta a Comissão a iniciar uma retirada conjunta da UE do TCE. É de destacar a ampla abrangência ideológica deste voto: o único grupo europeu que votou contra esta resolução foi o da extrema-direita.
Foi ainda referido que:
- A AR aprovou, em 3 de Fevereiro de 2021, uma recomendação ao Governo no sentido de garantir uma reformulação profunda do TCE, nomeadamente no que concerne ao ISDS; o que não veio a acontecer no processo negocial do TCE;
- vários estudos que provaram que o mecanismo ISDS do TCE não está entre os factores decisivos para atrair o investimento estrangeiro;
- a própria Federação Europeia para as Energias Renováveis emitiu uma nota de imprensa intitulada: “É tempo de acabar com o Tratado de Carta da Energia e de avançar com a transição energética europeia, contrariando o argumento de que o TCE modernizado seria necessário para promover o investimento em energias renováveis. Estudos académicos comprovam que os tratados de investimento não são um instrumento eficaz para atrair investimento em geral, incluindo em energias renováveis.
- o IPCC (Painel Intergovernamental da ONU sobre Alterações Climáticas) advertiu que acordos internacionais de investimento como o TCE podem “ser utilizados por empresas de combustíveis fósseis para bloquear a legislação nacional destinada a eliminar gradualmente a utilização dos seus activos” e o relatório do IPCC de 2022 refere explicitamente que o tratado é um “sério obstáculo à mitigação” dos efeitos do aquecimento global.
- o TCE é comprovadamente o tratado que mais casos ISDS já despoletou (+ de 130), condenando os países e povos a pagarem milhares de milhões de euros de indemnização por supostos lucros futuros em casos contra medidas governamentais em prol do clima, tais como a eliminação progressiva da produção de energia a carvão (Países Baixos), a proibição de perfuração de petróleo ao largo da costa (Itália) e a proibição de projectos de fracking (Eslovénia);
- os maiores impactos do TCE decorrem da inibição regulatória que o tratado provoca.
- o TCE protege um volume de emissões que é cinco vezes superior ao volume que a UE pode emitir no mesmo período se quiser atingir o alvo de 1,5º estabelecido no Acordo de Paris. O TCE é pois completamente incompatível com os compromissos climáticos assumidos pela União Europeia (relatório do IPCC, Dr. Yamina Saheb, entre 2018 e 2050).
- o TCE impossibilita qualquer política, por mais razoável e adequada que seja, com o propósito de combater a pobreza energética ou as rendas excessivas.
- o mecanismo ISDS cria um conflito de interesses desvantajoso para os estados – quanto mais os árbitros favorecerem os investidores e desfavorecerem os estados, maior o seu rendimento futuro.
- A cláusula de caducidade amarra os estados-membros durante mais 20 anos após a sua retirada do tratado.
- Uma retirada coordenada da UE e dos estados-membros da UE pode criar condições para neutralizar a cláusula entre os estados que saem bem como fazê-lo bilateralmente com outros países extra UE signatários do TCE, de uma forma a ser consistente com o direito internacional e da UE.
- A versão actual do TCE é fundamentalmente incompatível com a legislação da UE e a única maneira de UE e os Estados-Membros corrigirem isso é uma saída coordenada.
Assim, não restam dúvidas sobre a importância fundamental e urgente de o Governo português anunciar a saída de Portugal do TCE e, no Conselho da União Europeia, alinhar-se com os Estados-Membros que já o declararam, contribuindo activa e firmemente para uma saída coordenada da UE do TCE e para o fim desse obsoleto tratado.
Só assim será possível implementar as medidas de protecção climática e ambiental impreterivelmente necessárias.