A TROCA – Plataforma por um Comércio Internacional Justo vem expressar o seu profundo repúdio ao pedido feito à Presidente da Comissão Europeia por vários governos europeus, incluindo o chefe do Governo Português, que visa pressionar a conclusão do Acordo Comercial entre a União Europeia (UE) e o Mercado Comum do Sul (MERCOSUL) até ao final deste ano. A conclusão deste acordo enfrenta sérios obstáculos que não podem ser ignorados:
- Impactos Ambientais e Sociais
O Acordo Comercial UE-MERCOSUL, na sua forma actual, não garante a protecção adequada ao meio ambiente e viola as leis climáticas da UE. A pressão para acelerar a sua ratificação sem resolver as preocupações ambientais e a compatibilidade legal do acordo, é irresponsável e pode agravar as assimetrias e a crise climática. Países como a França, Irlanda, Luxemburgo e Áustria continuam a posicionar-se contra o acordo devido aos potenciais impactos negativos no meio ambiente, assim como à necessidade de proteger os esforços do sector agrícola em transitar para uma agricultura mais sustentável. Estes países argumentam que o acordo pode comprometer as iniciativas locais de agricultura ecológica, que visam reduzir o uso de pesticidas, promover a biodiversidade e mitigar as alterações climáticas. A falta de compromissos claros e vinculativos com a sustentabilidade e a economia verde é impeditiva de uma conclusão apressada deste acordo.
A recente proposta da Comissão Europeia de adiamento da entrada em vigor do regulamento de combate à desflorestação (EUDR) face aos apelos do Brasil, Alemanha e outros países europeus, inclusive com a defesa de uma revisão deste regulamento pelo nosso Ministro da Agricultura, confirmam a falta de preparação de ambos os blocos económicos para a implementação de um acordo comercial tão ambicioso. Não faz sentido este acordo ser aprovado sem que ambos os blocos tenham sido capazes de coordenar e funcionalizar a entrada em vigor do EUDR.
- Riscos, Resiliência e Desigualdade Social
A implementação do Acordo Comercial UE-MERCOSUL, pode exacerbar as desigualdades sociais e introduzir riscos significativos que põem em causa a resiliência económica. Tendo em conta os sectores mais beneficiados por este acordo, sem as salvaguardas adequadas, corre-se o risco de se contribuir para a estagnação dos salários, o aumento das desigualdades entre estados, uma possível aceleração da desindustrialização, e uma maior dependência da procura externa em ambas as regiões. Apesar dos alertas sobre estes riscos, não se conhecem salvaguardas ou mecanismos que protejam contra as desigualdades de acesso ao mercado e outras vulnerabilidades enfrentadas pelos produtores locais.
No sector agrícola, a conclusão do acordo entre a UE e o MERCOSUL pode trazer riscos significativos e factores imprevisíveis que ameaçam a sustentabilidade dos pequenos agricultores. A abertura do mercado europeu a produtos agrícolas sul-americanos, muitas vezes produzidos em larga escala, com menores custos e menores padrões ambientais e laborais, consubstancia concorrência desleal, pressionando os agricultores locais a reduzir preços e, consequentemente, a uma corrida para os padrões mais baixos. Além disso, a volatilidade dos preços das matérias-primas agrícolas e as mudanças climáticas são factores imprevisíveis que podem agravar ainda mais a vulnerabilidade do sector. Sem medidas de protecção adequadas, os agricultores portugueses podem enfrentar dificuldades insuperáveis, resultando em perda de empregos e abandono das actividades agrícolas tradicionais, essenciais para a preservação da cultura, do meio ambiente rural e das florestas. Por outro lado, no Mercosul, haverá tendência para os grandes actores do agro-negócio se sobreporem ainda mais aos pequenos agricultores e às comunidades indígenas, expulsando-os das suas terras.
A pressão para concluir o acordo sem abordar estas questões é uma traição aos princípios de justiça social e económica, comprometendo o crescimento sustentável e o desenvolvimento equitativo.
- Falta de Transparência e Participação Social
As negociações têm decorrido à porta fechada, sem transparência e sem participação social. A sociedade civil, incluindo organizações de comércio justo, não tem sido adequadamente consultada ou envolvida no processo. A conclusão de acordos dessa magnitude sem um debate público amplo e inclusivo é antidemocrática e inaceitável. Nomeadamente, quando não se conhece qualquer estudo público do impacto deste tratado em Portugal, o que é incompreensível.
A TROCA repudia o Acordo Comercial UE-MERCOSUL na sua versão actual, bem como qualquer pressão para a sua conclusão e exige que os governos europeus, incluindo o português, dêem prioridade à sustentabilidade ambiental, à justiça social e à transparência nas negociações. Apenas assim poderemos garantir um futuro justo e sustentável para todos.