Várias OSC solidarizaram-se com os protestos dos agricultores em Bruxelas, incluindo a La Via Campesina, e emitiram o seguinte comunicado, que a TROCA subscreve:
Bruxelas, 1 de fevereiro de 2024
Milhares de agricultores têm protestado em toda a Europa nos últimos dias, e muitos reúnem-se hoje em Bruxelas para denunciar a concorrência desleal provocada pela implementação de Acordos de Comércio Livre (ACL), como o UE-Mercosul, e as precárias condições de trabalho e os baixos rendimentos daí resultantes.
A Friends of the Earth Europe, o Eurogrupo para os Animais e a Coligação Europeia para o Comércio Justo (ETJC) partilham a frustração dos agricultores europeus por terem de competir com produtos importados, isentos das normas ambientais, laborais e de bem-estar animal da UE. Enquanto o Presidente Macron, que alegadamente pediu à Comissão Europeia para parar as negociações UE-Mercosul, se encontra hoje com Ursula Von der Leyen numa cimeira de líderes da União Europeia, os grupos reforçam o apelo para acabar com o acordo UE-Mercosul e impedir outros ACL em curso.
Leah Sullivan, Coordenadora do ETJC afirmou: “As crises climáticas, de direitos dos trabalhadores e de desigualdade que enfrentamos não podem ser resolvidas por acordos comerciais mais desactualizados e injustos, negociados à porta fechada. Precisamos de uma reviravolta na política comercial e de colocar o planeta e as pessoas no centro. O único apelo razoável é que mais países se juntem à França na sua exigência de pôr fim a este acordo desastroso”.
As OSC ambientais, de bem-estar animal e de comércio justo também denunciam os actuais discursos populistas que procuram culpar as legislações verdes e progressistas pelo descontentamento dos agricultores. Os agricultores necessitam de preços justos e estáveis para alimentos produzidos de forma mais respeitadora do ambiente e do bem-estar animal. Para conseguir uma transição bem-sucedida para sistemas alimentares sustentáveis e alcançar a soberania alimentar, a UE deve defender os objectivos agrícolas do Pacto Ecológico Europeu e reformar a sua Política Agrícola Comum.
Julie Zalcman, activista da Friends of the Earth Europe, afirmou: «Numa altura em que milhares de agricultores protestam na Europa contra acordos de comércio livre injustos, uma luta apoiada por ambientalistas e por uma grande parte da sociedade civil, como pode a Comissão ainda colocar os interesses económicos gigantescos das multinacionais ‘acima do nosso bem-estar comum? As negociações do acordo UE-Mercosul, um acordo tóxico e ultrapassado, devem parar agora e para sempre”.
Se for implementado, o acordo UE-Mercosul criará ainda mais concorrência desleal entre os agricultores europeus e sul-americanos, intensificará as monoculturas, a pecuária intensiva e os modelos extractivos na América do Sul, e agravará a desflorestação, a utilização de pesticidas e as violações dos direitos humanos. Essas questões são inerentes ao acordo e não podem ser corrigidas com um instrumento conjunto não executável, conforme proposto pela Comissão da UE.
Stephanie Ghislain, Gestora de Assuntos Políticos, Eurogrupo para os Animais, comentou: “Mesmo com o instrumento conjunto proposto, o acordo iria aumentar os riscos de crueldade contra os animais, a desflorestação e os abusos de direitos humanos devido à procura da UE por produtos como soja, carne bovina e aves.”
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Notas para o editor
– O acordo UE-Mercosul irá impulsionar o comércio de commodities que não são abrangidas pelo Regulamento da UE sobre Desflorestação e aumentará a destruição de ecossistemas valiosos que, por enquanto, também são deixados fora do Regulamento. Os biomas da América do Sul, além da Amazónia, correm agora um risco imenso, assim como os animais que os habitam. Em 2023, a desflorestação no Cerrado brasileiro aumentou quase 45% e este acordo comercial só iria piorar a situação.
– Além disso, o acordo UE-Mercosul atrasaria a luta para proteger a saúde pública e o ambiente. Abriria as portas à exportação de pesticidas para países do Mercosul que são proibidos na UE devido à sua toxicidade e ameaça à saúde pública, sendo depois devolvidos à UE através de importações de alimentos.