ANP/WWF, a DECO, a Plataforma TROCA e a ZERO empenhadas na implementação imediata do EUDR, (regulamento da UE contra a desflorestação), emitiram em 3 de Julho um comunicado intitulado: “Consumo de Portugal pode levar à destruição de 2 700 hectares de floresta todos os anos” baseado num estudo da Trase.
O Jornal “Público” noticiou, no mesmo dia, o artigo e o comunicado, citando as organizações, entre elas a TROCA.
“Apoiar a implementação imediata do EUDR é crucial para proteger ecossistemas vulneráveis, promover práticas comerciais sustentáveis e fortalecer a cadeia de abastecimento global”, dizem as associações.”
Aqui reproduzimos o comunicado na íntegra:
Um novo estudo aponta para a continuação da desflorestação e da degradação florestal impulsionada pelas importações dos países da União Europeia (UE). Portugal não é exceção: o consumo do país coloca em risco mais de 2 700 hectares de floresta por ano.[1] Reconhecendo a importância de uma ação concertada e consequente, a ANP|WWF, a DECO, a TROCA e a ZERO juntam-se no apoio à implementação do novo regulamento anti-desflorestação.
Mais de 90% da desflorestação global é causada pela expansão agrícola[2] para produzir um número reduzido de produtos que se tornaram mercadorias globais, entre elas bovinos, cacau, café, óleo de palma[3], borracha, soja, milho e madeira. A Comissão Europeia estimou que as importações para o consumo na UE contribuem para cerca de 10% da desflorestação mundial, que está estimada em mais de 2 mil milhões de hectares por ano. A este ritmo, poderá contribuir para a destruição de cerca de 248 mil hectares (ha) de florestas por ano, até 2030.[4]
Entre 2015 e 2020 perdeu-se, em cada ano, uma área florestal maior que Portugal.[5] Um novo estudo, desenvolvido pelo Trase, confirma um elevado impacte negativo do consumo dos países da UE nas florestas: estima-se que o risco de desflorestação associado às importações e exportações de mercadorias agropecuárias seja cerca de 190 500 ha por ano (média do período 2019-2021), o que corresponde a 19% da desflorestação tropical incorporada nas importações dos principais produtos agropecuários. Em Portugal, o risco de desflorestação associada ao consumo é superior a 2 700 ha anuais.
A maior parte da desflorestação associada às importações de Portugal tem origem no Brasil (35%)
As importações de Portugal poderão contribuir para 950 ha de desflorestação, por ano, no Brasil, com a maior fatia a corresponder à importação de soja destinada sobretudo à alimentação animal.
Também a importação feita pelo nosso país de couros e peles de bovinos para a transformação e produção de calçado e assentos poderá estar ligada à expansão da pecuária na Amazónia.[6]
Se incluirmos biomas, como as Pampas e o Cerrado, o impacte das exportações para Portugal na degradação de ecossistemas no Brasil ultrapassa os 1 500 ha.1 A destruição desses ecossistemas está, também, ligada à usurpação de terras a povos indígenas e comunidades locais, podendo envolver formas de exploração laboral.
O café que consumimos é o produto mais ligado à desflorestação entre as importações de Portugal
A principal mercadoria de risco apontada pelo estudo do Trase para Portugal é o café, a representar 23,8% de toda a desflorestação associada às importações do país em 2019-2021, sobretudo na Costa do Marfim, na República Democrática do Congo e no Vietname. A maior parte desta perda florestal ocorreu na Costa do Marfim (~400 ha), que continua a ser assolada pela desflorestação provocada pela expansão da produção de mercadorias globais, incluindo o café, mas também o óleo de palma e o cacau.[7]
Cada português(a) poderá estar a contribuir, anualmente, para mais de 60 ha de desflorestação pelo consumo de café, estando Portugal entre os cinco países com maior exposição per capita. No entanto, esta desflorestação é invisível para o consumidor, não existindo informação disponível para que possa tomar uma decisão informada.
A partir de 2025 os importadores terão de evidenciar que os produtos importados não estão ligados à desflorestação
O Regulamento Europeu para Produtos Livres de Desflorestação (EUDR) entrou em vigor em 2023 com o objetivo de impedir a entrada e saída do mercado da UE a produtos ligados à desflorestação. Desta forma, pretende dar um contributo decisivo para chegar à meta de zero desflorestação até 2030.
Em 2025, as grandes empresas, que colocam produtos de risco no mercado da UE, já estarão sujeitas a obrigações de diligência devida, trazendo mais transparência às cadeias de abastecimento. Entretanto, alguns países e membros do parlamento europeu têm colocado reservas à aplicação do regulamento.
Adiar a aplicação do EUDR representa riscos significativos, incluindo a contínua degradação ambiental, perda de biodiversidade e aumento das emissões de gases de efeito estufa. Além disso, este adiamento pode gerar incertezas no mercado e enfraquecer os esforços internacionais para combater a desflorestação, diminuindo a liderança da UE na governança ambiental global. Apoiar a implementação imediata do EUDR é crucial para proteger ecossistemas vulneráveis, promover práticas comerciais sustentáveis e fortalecer a cadeia de abastecimento global. Portanto, é imperativo que os países da UE apoiem o EUDR sem atrasos para salvaguardar a integridade ambiental e mitigar as alterações climáticas.
Dezenas de sistemas de rastreabilidade estão a ser desenvolvidos e melhorados em todo o mundo, e muito do conhecimento agregado está disponível para facilitar a adequada implementação.[8] A cooperação entre as autoridades competentes dos Estados Membros será fundamental, assim como um envolvimento ativo da sociedade civil.
Tabela 1: Exposição de Portugal à Desflorestação: 3 principais Países de Origem*
País de Origem | Desflorestação (ha) | Fração da Exposição Total (%) |
Brasil | 971 | 35.5% |
Côte d’Ivoire | 649 | 23.7% |
Espanha | 201 | 7.3% |
Tabela 2: Exposição de Portugal à Desflorestação: 3 principais Mercadorias*
Commodity | Desflorestação (ha) | Fração da Exposição Total (%) |
Café | 650 | 23.8% |
Produtos pecuários | 549 | 20.1% |
Soja | 425 | 15.5% |
*Média anual entre 2019-2021
[1] Titley, M. (2024). EU27 countries in the spotlight for deforestation exposure. Trase. https://doi.org/10.48650/5XRC-VG04
Nota metodológica: https://doi.org/10.48650/NGRQ-NW62
[2] FAO (2021), Remote Sensing Survey
[3] Palmeira-dendém
[4] Comissão Europeia (2023). Towards deforestation-free commodities and products in the EU (impact assessment). https://www.europarl.europa.eu/RegData/etudes/BRIE/2022/698925/EPRS_BRI(2022)698925_EN.pdf
[5] United Nations University – Centre for Policy Research (2022). The Glasgow Leaders’ Declaration on Forests: Déja Vu or Solid Restart?
https://collections.unu.edu/eserv/UNU:8669/COP26ForestGovernance.pdf
[6] Rainforest Foundation Norway (2024). Bovine Leather Supply Chain Mapping: From Brazilian Ranch and Tennery to European Operators under the EUDR. https://dv719tqmsuwvb.cloudfront.net/documents/Hide-on-the-Highway-2.pdf
[7] Reiner, R., Vandromme, M., Meyfroidt, P., Ribeiro, V., Kalischek, N. & Ermgassen, E. (2023). Transparency, traceability and deforestation in the Ivorian cocoa supply chain. Environ. Res. Lett.18 – https://iopscience.iop.org/article/10.1088/1748-9326/acad8e/pdf