No dia 21 de Abril, no Equador, realizar-se-á um referendo no qual, entre outros assuntos, os equatorianos irão votar sobre a eliminação de um artigo da sua Constituição que proíbe ao Estado assinar acordos que incluam o mecanismo ISDS (do inglês «Investor State Dispute Settlement»). Este sistema arbitral de resolução de litígios entre investidores e o Estado permite às multinacionais accionarem processos contra os estados, se considerarem que os seus lucros foram prejudicados por medidas legislativas, mesmo que sejam de defesa da natureza ou dos cidadãos. A inclusão deste artigo anti-ISDS na Constituição foi uma das grandes vitórias do movimento anti-ISDS, mas está agora em risco, já que o novo governo pró-ISDS o incluiu no dito referendo.
A TROCA subscreveu uma Declaração organizada pela sociedade civil latino-americana, subscrita por OSC internacionais e europeias, cujo texto reproduzimos abaixo.
O Equador deve defender o seu direito de dizer NÃO aos tribunais internacionais de investimento e aos privilégios concedidos aos investidores estrangeiros
No dia 21 de Abril, o governo equatoriano de Daniel Noboa realizará um referendo que incluirá, entre outros temas, um dos eixos centrais da agenda dos governos neoliberais na América Latina: a protecção dos investidores e dos investimentos estrangeiros, em particular em sectores e actividades que são altamente responsáveis pelas alterações climáticas, pela perda de biodiversidade e pela poluição, e que necessitam de ser gradualmente regulamentadas ou eliminadas. Camuflada no meio de uma série de questões relacionadas com a política de segurança, o referendo coloca a questão se o país deveria permitir que os investidores estrangeiros resolvam litígios com o Estado através de arbitragem internacional. Isso iria voltar a permitir que o Equador adoptasse o tóxico mecanismo de resolução de litígios entre investidores e Estados (ISDS).
Permitir novamente o ISDS é uma ameaça directa ao Artigo 422 da Constituição Equatoriana de 2008. Desde que o ex-presidente Rafael Correa pôs fim a todos os acordos de investimento que continham ISDS em 2017, a direita económica tem atacado sistematicamente este artigo, argumentando que restringe a capacidade do país de obter investimentos estrangeiros. No entanto, em 2017, uma Comissão de Auditoria Abrangente dos Tratados de Investimento e do Sistema de Arbitragem (CAITISA) mostrou que o Equador não precisa de tratados de investimento que incluam ISDS para atrair investimentos. Na verdade, grande parte do investimento estrangeiro provém de países com os quais o Equador não assinou qualquer tratado de investimento, como o Brasil, o México e o Panamá (1).
Os tratados do país que incluem ISDS não estão a trazer investimentos para o Equador; no entanto, tiveram enormes impactos negativos na capacidade do Estado de regular as empresas estrangeiras. Um relatório recente mostra que os investidores estrangeiros accionaram até agora 29 casos ISDS contra o Equador, metade deles ligados a actividades nos sectores extractivos (hidrocarbonetos e mineração) (2). Em dois terços dos casos concluídos (14 de 21), o Equador perdeu. Como resultado destes casos, o Equador foi condenado a pagar aos investidores estrangeiros 2,9 mil milhões de dólares. Acrescenta-se a isso os custos legais (despesas associadas à defesa do caso) e os custos de arbitragem (pagamentos feitos ao centro de arbitragem e ao pessoal), que somam milhões de dólares. Alguns dos casos perdidos demonstraram a irracionalidade deste sistema, como os processos da Chevron, que avançaram apesar de o sistema de justiça nacional equatoriano ter fornecido amplas provas demonstrando os danos ambientais e de saúde causados pela empresa petrolífera na Amazónia equatoriana.
O mecanismo de arbitragem ISDS tem gerado inúmeras críticas vindas da esfera académica, profissional, governamental e da sociedade civil em todo o mundo. A falta de transparência nos procedimentos de arbitragem, a ausência de imparcialidade e independência dos árbitros, a interferência no direito dos Estados soberanos a regulamentar no interesse público e os custos extremamente elevados são apenas algumas das muitas deficiências do sistema. Além disso, tem um “efeito inibidor”, quando os Estados se abstêm de introduzir as políticas e legislação necessárias por receio de serem processados ao abrigo dos tratados ISDS. Na verdade, trata-se de um sistema assimétrico, em que apenas o investidor pode iniciar um processo contra o Estado anfitrião, e não o contrário. O Estado anfitrião só pode defender-se. Em suma, é um mecanismo criado por e para investidores, dando-lhes acesso a um canal judicial privado, paralelo e privilegiado, que contorna a justiça nacional.
O Equador não é o único país que rejeitou o mecanismo ISDS. O Brasil, que não possui tratados de protecção de investimentos, é o principal receptor de investimentos estrangeiros na região. A Índia abandonou todos os seus tratados de investimento e actualmente assina tratados que não incluem o mecanismo tradicional de ISDS. Ainda assim, a Índia é o quinto maior receptor de investimentos do mundo. Nos últimos 10 anos, muitos governos afastaram-se deste mecanismo. Países como a África do Sul, a Indonésia, a Austrália, a Nova Zelândia e a Bolívia saíram ou renegociaram os seus tratados de investimento e já não negoceiam tratados que incluam o mecanismo ISDS. De facto, muitos países europeus e a própria UE anunciaram recentemente a sua intenção de se retirarem de um tratado com ISDS, denominado Tratado da Carta da Energia (TCE), ou já o abandonaram. O mecanismo ISDS incluído no TCE protege os investidores no sector energético e está a ser utilizado pelas empresas de combustíveis fósseis para atrasar a transição energética. Mesmo os Estados Unidos, sob o presidente Donald Trump, forçaram a renegociação do Acordo de Comércio Livre da América do Norte (NAFTA) e a nova versão do acordo já não inclui o ISDS entre os Estados Unidos e o Canadá.
Se o Artigo 422 da Constituição for alterado, o governo poderá voltar a assinar novos tratados que incluam o mecanismo ISDS. O governo já tentou incluir o ISDS em novos tratados, como com a Costa Rica, mas foi impedido por uma decisão do Tribunal Constitucional, já que isso seria inconstitucional (3). Outros tratados que aguardam o resultado do referendo quanto ao Artigo 422 são um Acordo de Livre Comércio (ALC) com o Canadá (4) e outro com os Estados Unidos. No caso canadiano, os responsáveis governamentais deixaram claro que o ISDS é principalmente um meio para proteger projectos extractivos controversos de grande escala, que enfrentam oposição local (5).
Nós, as organizações abaixo assinadas, encorajamos fortemente o povo do Equador a votar NÃO no dia 21 de Abril! O ISDS tem sido extremamente prejudicial para as políticas públicas que defendem os cidadãos, seja em questões de protecção ambiental, de direitos humanos ou mesmo de justiça fiscal. E embora estes tratados e o mecanismo ISDS neles contidos não levem à obtenção de novos investimentos estrangeiros, eles concedem muitos privilégios aos investidores estrangeiros, independentemente da qualidade do seu investimento. Investidores de todo o mundo têm utilizado o sistema e activado estes privilégios, processando Estados soberanos por políticas públicas, quando estas reduzem os seus lucros.
Vamos proteger o Equador destes privilégios para as multinacionais!
Notas:
(1) https://www.tni.org/files/auditoria_integral_ciudadana_2015.pdf
(2) https://isds-americalatina.org/perfiles-de-paises/ecuador/
(3) https://www.primicias.ec/noticias/economia/acuerdo-ecuador-costa-rica-renegociar-corte/
(4) O Canadá espera que o ALC inclua: “regras relativas à promoção e protecção de investimentos e investidores sujeitos a uma lista negativa de reservas, aplicadas pelo mecanismo de resolução de litígios do Acordo e por um mecanismo transparente de resolução de litígios investidor-estado”. Os objectivos de negociação do Canadá esclarecem que isso dependerá do resultado do referendo de 21 de abril: “Apesar dos objectivos de negociação anteriores, à luz da consideração em curso no Equador da compatibilidade jurídica entre os acordos de investimento e o seu quadro jurídico interno, é possível que disposições sobre investimentos e serviços possam ser anuladas, total ou parcialmente, de um acordo, se for necessário durante o processo de negociação.”
Signatários
Ação Ecológica
ActionAid França
América Latina e Caribe Melhor Sem TLC
Amigas da Terra Brasil
Amigos da Terra América Latina e Caribe (ATALC)
Amis de la Terre França – Amigos da Terra França
APY Solidaridad en Acción
Asamblea Argentina melhor sem TLC
Associação Cultural Brasileña Maloka
Asociación Cultural Iberoamericana Dresden
ATTAC Argentina
Attac Deutschland
Attac França
Rede Australiana de Comércio Justo e Investimento
Berliner Wassertisch
Ambos ENDS (Paises Bajos)
O Aeroporto de Bristol é Grande o Suficiente (BABE)
Centro Canadense de Alternativas Políticas
CDES
Censat Agua Viva
Centro de Direito Ambiental Internacional (CIEL) )
CESTA Amigos da Terra El Salvador
CGT – Confederação Geral do Trabalho
Chile Mejor sin TLC
CLATE – Confederação Latino-Americana e do Caribe de Trabalhadores Estatais
Rede de Ação Climática da América Latina (CANLA)
CNCD-11.11.11 (Bélgica)
Colectivo Teatral ARTOS
Confederação Intersindical
Corporación Colectivo de Abogados e Abogadas José Alvear Restrepo CAJAR
Ecologistas em Acção
Entraide et Fraternité
European Trade Justice Coalition
FDCL-Centro de Investigación y Documentación Chile-América Latina (Alemania)
Fédération Artisans du Monde
Amigos da Terra Inglaterra, País de Gales e Irlanda do Norte
Amigos do Earth Europe
Amigos da Terra
Fundação Internacional Constituyente XXI Chile
Fundação Moneda e Sociedade
Global Justice Now (Reino Unido)
GMB
Grandmothers Advocacy Nework (GRAN)
Grupo Ecologista Andarax GEA-ECOLOGISTAS EN ACCIÓN
impacto
Instituto Internacional de Estudos Políticos – Programa de Economia Global
Justiça Ambiental JA! – Amigos da Terra Moçambique
Marino Mercante jubilado
Martínez Molina & Asociados
Mesa de la Ría de Huelva
Mining Injustice Solidarity Network (MISN)
Museo del Hambre
Naturefriends Grécia
Netzwerk gerechter Welthandel
Observatoriodeladeudapublica
Movimento de Saúde Popular –
Plataforma Canadá Aarde Boer Consument NL
PowerShift eV
Proyecto sobre Organización , Desarrollo, Educação e Investigação (PODER)
REDES-Amigos de la Tierra Uruguai
Reagrupamento para a responsabilidade social das empresas
Semillero de Investigación -Pacha Paqta- Universidade Industrial de Santander, Colômbia
Solidaridad Inernacional Andalucia
SOMO
TNI – Instituto Transnacional
Movimento pela Justiça Comercial
Transforme o Comércio
TROCA – Plataforma para um Comércio Internacional Justo
TROPA DE TODOS
União de Afectados pelas Operações de Texaco UDAPT Grupo de Trabalho
War on Want
Justiça Alimentar NL
Zukunftsrat Hamburgo