A União Europeia (UE) encontra-se numa encruzilhada crucial no que diz respeito à sua participação nas negociações do Instrumento Juridicamente Vinculativo (LBI) para regular as actividades de corporações transnacionais e outras empresas no âmbito do direito internacional em matéria de direitos humanos – o Tratado Vinculativo da ONU. Este instrumento, que está em discussão desde 2014, tem o potencial de moldar significativamente a forma como as empresas operam globalmente, garantindo que os direitos humanos sejam uma prioridade nas suas operações.
A carta aberta enviada por 25 representantes da sociedade civil europeia ao grupo de trabalho em direitos humanos (COHOM), a Josep Borrel e a Věra Jourová, em Bruxelas, a 17 de maio de 2024, destaca a importância de um mandato de negociação oportuno e ambicioso por parte da UE. Com a adoção a 24 de Maio da Directiva de Dever de Diligência em Sustentabilidade Corporativa (CSDDD) pelo Conselho da União Europeia, a UE está bem posicionada para influenciar as negociações da 10ª sessão do grupo de trabalho intergovernamental aberto (OEIGWG) que ocorrerá em Genebra, de 21 a 25 de Outubro de 2024.
A participação activa da UE nas negociações do LBI não é apenas uma questão de credibilidade, mas também uma oportunidade para a UE liderar globalmente a promoção dos direitos humanos no contexto empresarial. Uma vez adoptada, a CSDDD, servirá como um complemento ao LBI, reforçando a aplicação efectiva dos princípios dos direitos humanos nas práticas empresariais.
Até ao momento, foram realizadas nove sessões do OEIGWG: as primeiras dedicadas a deliberações construtivas sobre o conteúdo, objectivo, natureza e forma do futuro instrumento internacional; e as subsequentes, dedicadas à discussão e negociação de rascunhos do instrumento juridicamente vinculativo. Na nona sessão, o rascunho actualizado do instrumento juridicamente vinculativo serviu como base para as negociações. Contudo, as negociações estão repletas de desafios: a) os estados podem divergir nos seus interesses e prioridades (incluindo estados com economias altamente dependentes em empresas com práticas sancionadas), considerar que este instrumento vai afectar o seu desenvolvimento económico e, com isso, dificultar a negociação de termos aceitáveis; b) algumas empresas transnacionais resistem a qualquer forma de regulamentação que possa afetar suas operações ou lucros; c) a criação de um instrumento juridicamente vinculativo requer a consideração de várias questões legais complexas como por exemplo, a definição de responsabilidade das empresas, a aplicação de sanções e a jurisdição em casos de violações. Para além de que, estados com sistemas jurídicos diferentes podem discordar sobre como abordar essas complexidades; d) envolver todas as partes interessadas relevantes, incluindo organizações da sociedade civil, comunidades afectadas e empresas, é fundamental para garantir que o instrumento seja eficaz e abrangente. Apesar destes desafios, o objectivo definido é consensual: estabelecer um instrumento que responsabilize as empresas por violações dos direitos humanos e forneça vias de recurso para as vítimas.
Depois da adopção pelo Parlamento Europeu (PE) da directiva de dever de diligência (CSDDD) a 24 de Abril deste ano, a adopção de um mandato ambicioso para as negociações do LBI pela UE na 10ª sessão, será um passo decisivo na direcção de um quadro regulatório robusto que possa responsabilizar as empresas pelas suas actividades além-fronteiras.
Este momento representa uma janela de oportunidade para a UE afirmar o seu compromisso na protecção e promoção dos direitos humanos, dos direitos laborais e da sustentabilidade ambiental no comércio internacional. Ao consolidar uma posição pioneira em sustentabilidade corporativa e na protecção dos direitos humanos, também incentivará outras regiões a seguir o seu exemplo, criando um efeito de dominó global positivo em prol de uma governança corporativa responsável.
A carta dos representantes da sociedade civil que abaixo transcrevemos, é um apelo à acção da UE, um lembrete de que as decisões tomadas hoje terão um impacto duradouro no bem-estar das gerações futuras e na integridade do ambiente de negócios a nível global. É essencial que a UE responda a esta chamada com a urgência e seriedade que a situação exige.
Representantes do Grupo de Trabalho em Direitos Humanos (COHOM)
Bruxelas, 17 de Maio de 2024
Esperamos que esta carta o encontre bem.
Nós, as organizações da sociedade civil abaixo assinadas, estamos a contactá-los relativamente às negociações em curso sobre um instrumento juridicamente vinculativo para regular, no direito internacional dos direitos humanos, as actividades das empresas transnacionais e outras empresas comerciais (LBI). Tais deliberações têm ocorrido desde 2014 no âmbito do grupo de trabalho intergovernamental aberto (OEIGWG) sobre corporações transnacionais e outras empresas comerciais no que diz respeito aos direitos humanos, previamente estabelecido pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU (HRC). A 10ª sessão para discutir o progresso do LBI terá lugar em Genebra, de 21 a 25 de outubro de 2024.
No ano passado, durante a 9ª sessão do OEIGWG, o representante da UE afirmou que uma futura Diretiva de Devida Diligência em Sustentabilidade Corporativa da UE (CSDDD) “poderia constituir uma base para o futuro envolvimento da UE nas negociações”. Após a aprovação do Parlamento Europeu em 24 de abril, o Conselho da União Europeia deverá adoptar o CSDDD em 24 de maio. Por conseguinte, um mandato de negociação oportuno da UE para a décima sessão do OEIGWG é lógico e indispensável para garantir a credibilidade e a influência da UE neste importante processo.
Numerosas vozes de especialistas, da sociedade civil, de instituições nacionais de direitos humanos e das próprias instituições europeias convergem para exigir um envolvimento significativo da UE nas negociações. Em Janeiro de 2024, o Parlamento Europeu, através do procedimento INI (2023/2108), instou o Conselho “a adoptar um mandato ambicioso para as negociações o mais rapidamente possível, para que a UE possa participar activamente nas negociações com vista a moldar o futuro LBI”. Um instrumento internacional como o LBI complementaria a CSDDD, contribuiria para a sua aplicação eficaz e preencheria as lacunas regulamentares que esta directiva não cobre, especialmente em matéria de responsabilidade civil e acesso à justiça, de responsabilidade penal para pessoas singulares e colectivas, e de reversão da ônus da prova.
As negociações proporcionam uma oportunidade para desenvolver e reforçar o desenvolvimento de normas nacionais e regionais sobre empresas e direitos humanos. O OEIGWG é o único fórum legítimo global e multilateral de regulamentação sobre empresas e direitos humanos. Quanto mais estados participam nestas negociações democráticas da ONU, mais legitimado se torna o LBI. A contribuição significativa e construtiva da UE estabelecerá a sua reputação como forte defensora dos direitos humanos no que diz respeito às atividades empresariais internacionais, ao abrigo do compromisso da UE no Tratado de promover os direitos humanos em todo o mundo.
Fundamentalmente, a introdução do LBI contribuiria para resolver as graves violações dos direitos humanos e a degradação ambiental, reflectindo as exigências das comunidades afectadas em todo o mundo. Um LBI forte evitaria a ocorrência de abusos, seria sensível ao género, protegeria os defensores dos direitos humanos, respeitaria os direitos dos povos indígenas e, no caso de ocorrerem violações, responsabilizaria as empresas que procuram vantagens injustas ao violar os seus termos pelas suas ações, e garantir reparação e acesso à justiça para as vítimas.
Por isso, consideramos crucial que a UE participe activamente neste processo através de um mandato de negociação.
Ficaremos gratos pelos seus esforços e iniciativa em relação ao mandato de negociação. Teremos prazer em encontrá-lo pessoalmente para fornecer mais detalhes sobre cada um dos argumentos mencionados nesta carta.
Sinceramente,
Amnesty Internationa
European Center for Constitutional and Human Rights (ECCHR)
Human Rights Watch
International Federation for Human Rights (FIDH)
CIDSE
Afrikagrupperna
Friends of the Earth Europe
Friends of the Earth Netherlands
Global Policy Forum Europe
NeSoVe (Network Social Responsibility)
Solsoc
Broederlijk Delen
EU-LAT Network
SÜDWIND Institut
Südwind, Austria
ActionAid Netherlands
World Economy Ecology and Development (WEED)
Women Engage for a Common Future (WECF)
FIAN Germany
Werkstatt Ökonomie
Jordens Vänner / Friends of the Earth Sweden
Trócaire
CNCD-11.11.11 (Belgium)
11.11.11-Coalition for International Solidarity (Belgium)
TROCA – Plataforma por um Comércio Internacional Justo