Os pretextos e as pretensas justificações que os governos invocam para servir o capital e as grandes multinacionais são, a maioria das vezes, meras alegações desprovidas de fundamento, que são repetidas à exaustão e reduzidas a fórmulas bem-sonantes que, só por isso, adquirem suposta legitimidade e validade.
Os exemplos são incontáveis, a começar pela patranha que constitui o PIB (a soma de todos os bens e serviços produzidos numa economia), esse indicador Todo-Poderoso dos apóstolos da ordem neoliberal. O crescimento do BIP, em si, nada diz sobre a situação real das pessoas num país e em nada tem em conta os aspectos ambientais. Duas coisas que são, na visão dos seus apologistas, irrelevantes. Enquanto em Portugal se continua a encher a boca de PIBs, o ministério alemão da economia e da protecção climática começou a introduzir outros indicadores, mais abrangentes.
Mas voltando às alegações hipócritas. Aqui ficam outros dois exemplos, desta vez relacionados com o Tratado da Carta da Energia (TCE), o obsoleto tratado de protecção de investidores do sector energético, ao abrigo do qual eles podem processar estados signatários perante tribunais arbitrais privados (ISDS) e cujas decisões se sobrepõem ao direito nacional e europeu.
Há anos que a sociedade civil europeia apela aos estados-membros para que abandonem este tratado, que agrilhoa os estados sempre que tomem medidas que possam afectar os lucros futuros dos investidores e que, para cúmulo, se mantém em vigor durante 20 anos após a saída de um estado. É a cláusula de caducidade ou zumbi, uma monstruosidade.
Face à crise climática e energética é, mais do que nunca, urgente e impreterível que a União Europeia saia, em bloco, deste dinossauro.
Mas voltando às alegações, vejamos apenas duas das preferidas na Assembleia da República:
- o TCE, com o seu mecanismo ISDS, é necessário para atrair o investimento. Falso. Na verdade, segundo um estudo da OCDE não há evidências de que a existência deste tipo de mecanismo seja, de facto, decisivo para os investidores, os quais consideram o quadro regulamentar e de investimento de um país muito mais relevante. Não é por acaso que, no ranking dos países mais apetecidos para o investimento, o Brasil, que nunca assinou um tratado que permitisse aos investidores processar o país em tribunais de arbitragem privados (ISDS), aparece nos lugares cimeiros da lista e que a Índia esteja em primeiro lugar, apesar de ter recentemente terminado a maioria dos seus tratados de investimento e desenvolvido um novo modelo que reduz significativamente os direitos concedidos aos investidores. Portanto, srs. deputados de todos os partidos que invocam esta “justificação”, é favor tomarem nota.
- um outro “argumento” apresentado, por exemplo, pelo deputado Hugo Carvalho (PSD) aquando do debate de um projecto de resolução apresentado pelo LIVRE, na AR é que o TCE é necessário porque protege as energias renováveis. Ora a Federação Europeia para as Energias Renováveis já o tinha feito anteriormente, mas repetiu-o hoje mesmo, emitindo uma nota de imprensa intitulada: É tempo de acabar com o Tratado de Carta da Energia (ECT) e de avançar com a Transição energética europeia. Vejam só. Os deputados a defender eximiamente os investidores das renováveis e vêm eles próprios e dizem que não querem. Que mal-agradecidos.
O anacronismo do TCE é estrondoso. A Espanha, Polónia, os Países Baixos e a França anunciaram nas últimas semanas que a “modernização” é insuficiente e que vão sair do TCE. A Comissão insiste desesperadamente em manter-se e em levar essa mensagem à Conferência decisiva do TCE sobre a “modernização” (falhada), no próximo dia 22 de Novembro. E Portugal? Está a “avaliar”, “não foi ainda tomada qualquer decisão oficial” pelo Governo português”. Claro. Onde é que chegaríamos se Portugal tomasse uma posição corajosa na UE??? E mais, como se iria haver com a EDP e a GALP??
Artigo publicado no blog Aventar a 25/10/2022 por Ana Moreno






