No dia 22 de Abril, a TROCA e a ZERO entregaram em mão, no Gabinete do Primeiro Ministro uma carta na qual expressavam a sua preocupação pelo impasse em que caíram as negociações sobre a modernização do Tratado da Carta da Energia (TCE). Nela referia-se também a necessidade da UE abandonar, de forma coordenada, este Tratado e solicitava-se ao Governo uma reunião para aprofundamento das questões sobre o TCE.
Em resposta, a TROCA e a ZERO receberam a informação de que a carta tinha sido encaminhada ao Ministro do Ambiente e da Ação Climática, bem como ao Secretário de Estado dos Assuntos Europeus, Tiago Antunes.
Não tendo recebido qualquer resposta de ambas as entidades, a TROCA enviou um lembrete no dia 20 de Maio e, mantendo-se a falta de resposta, entregou a carta em mão no dia 9 de Junho, nos respectivos gabinetes ministeriais.
Continuaremos, assim, a aguardar uma resposta a fim de tomarmos conhecimento da posição do Governo Português relativamente à modernização do TCE, cujo resultado será divulgado no próximo dia 24/6 na Conferência da Carta da Energia.
De seguida publicamos a carta enviada às várias entidades acima referidas.
Exmo. Sr. Ministro do Ambiente e da Ação Climática, Duarte Cordeiro,
Exmo. Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus, Tiago Antunes,
Nós, as organizações abaixo assinadas (1), vimos por este meio manifestar a nossa forte preocupação com o futuro do clima a nível global e a capacidade de os governos europeus implementarem uma transição energética justa, para a qual o Tratado da Carta da Energia (TCE) representa um enorme obstáculo conforme explicitamente referido no mais recente relatório do IPCC. A Comissão Europeia, os Estados-Membros (EM) da UE e outras Partes Contratantes do Tratado da Carta da Energia encontram-se na fase final das negociações para o processo de modernização que deverá alinhar o Tratado da Carta da Energia com as ambições climáticas europeias e internacionais.
Até à data, foram realizadas onze rondas de negociações visando reformar o TCE. Tal como nos foi informado (2), o Governo de Portugal tem desenvolvido esforços diplomáticos para enfrentar os desafios colocados pelo TCE; porém, ao fim de dois anos de negociações, é tempo de avaliar se este processo permite à UE e aos seus EM alcançarem os objectivos que a UE estabeleceu para as negociações. Até agora, toda a parca informação disponível indica que pouco foi alcançado no que diz respeito aos pontos mais críticos do Tratado. Nomeadamente:
Em primeiro lugar, praticamente nenhum progresso foi feito para alinhar o TCE com os objectivos climáticos internacionais preconizados pelo Acordo de Paris e o Pacto Ecológico Europeu. Os investimentos em combustíveis fósseis deverão continuar a ser protegidos ao abrigo do TCE ao longo dos anos críticos da transição energética, mesmo na própria proposta da UE para modificar a definição de Actividade Económica no sector da energia, que foi rejeitada por outros signatários do TCE.
A redução das ambições da UE através de uma “abordagem de flexibilidade” está longe de ser suficiente para cumprir o limiar de 1,5°C de aumento da temperatura global, pois permitiria a muitos países manterem indefinidamente a protecção dos investimentos em combustíveis fósseis. Por outro lado, a UE está pronta a implementar internamente a sua proposta inicial, já de si insuficiente, que manteria a protecção aos fósseis até meados de 2030 para os investimentos existentes e possivelmente até 2040 para novos investimentos em certas infra-estruturas relacionadas com o gás. Ora o alinhamento do TCE com o Acordo de Paris exige o fim imediato da protecção dos investimentos em combustíveis fósseis por todas as partes contratantes do TCE.
Em segundo lugar, o mecanismo de resolução de litígios entre investidor e Estado (TCE) (Artigo 26, TCE), que foi declarado “morto” pela Comissária do Comércio Malmström em 2018, não foi sequer incluído na agenda de modernização do TCE e permanece inalterado. Este é um grande problema, pois colide com as promessas feitas pelos governos da UE de não assinar mais acordos com as disposições do antigo ISDS e não alinha o TCE com os requisitos legais estabelecidos pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) no Parecer 1/17 sobre o CETA, para salvaguardar a autonomia judicial e regulamentar da ordem jurídica da UE.
A Conferência da Carta da Energia acordou que, até Junho de 2022, iriam ser adoptados os principais resultados das negociações de modernização em curso. Ora este calendário não deixa espaço para consultas e debates públicos adequados, tanto a nível europeu como a nível nacional. A nível nacional, está ainda por realizar o amplo debate sobre o TCE que foi recomendado ao governo pelo parlamento português (3) em Fevereiro do ano passado. Esta falta de escrutínio é agravada pelo facto de ter havido uma enorme falta de transparência durante todo o processo, já que não estão disponíveis documentos significativos sobre as negociações em curso e sobre as opções de compromisso que estão actualmente a ser consideradas para a eliminação gradual da protecção dos combustíveis fósseis. Uma tomada de decisão transparente é uma componente essencial de qualquer democracia efectiva. É ela que permite aos cidadãos participar nos processos democráticos, facilita a responsabilização das instituições públicas e inspira confiança na política daí decorrente.
A UE anunciou que iria analisar os resultados do processo de modernização para decidir sobre a sua linha de acção futura. A conclusão a tirar é clara: o processo de modernização não cumpre os objectivos da própria UE. Uma retirada conjunta da UE do TCE – ou pelo menos uma retirada unilateral coordenada entre os Estados-Membros que partilham a mesma ambição – é a única forma de assegurar que as políticas climáticas não sejam prejudicadas e que a legislação da UE não seja contornada. Isto deve incluir acções para neutralizar a cláusula de caducidade (Artigo 47(3), TCE), a fim de evitar que os países sejam processados durante 20 anos após a sua saída. Isso poderia ser conseguido através da modificação da cláusula de caducidade, através de um acordo inter se estabelecido antes da retirada conjunta do TCE.
A UE e o Governo de Portugal têm agora a oportunidade de demonstrar que compreendem os desafios do nosso tempo e que são capazes de exercer liderança ao deixar para trás as bases arcaicas do sistema de combustíveis fósseis. Retirarem-se hoje e neutralizarem a cláusula de caducidade reduz significativamente o risco de dispendiosos casos de arbitragem de investimento, em particular no que se refere a políticas necessárias para implementar uma transição energética justa.
Para finalizar, condenamos veementemente o ataque russo à Ucrânia, a perda de vidas, o tremendo sofrimento humano e a devastação que tem causado. Este ataque constitui uma ameaça para a segurança de toda a Europa, sendo as sanções da UE e de outros países cruciais. Contudo, estas sanções e outras intervenções no sistema energético necessárias para a adequação às novas circunstâncias, acarretam um risco significativo de queixas de arbitragem de investimento ao abrigo do TCE, o que torna a retirada do Tratado cada vez mais premente.
Neste contexto, a TROCA – Plataforma por um Comércio Internacional Justo e a ZERO – Associação Sistema Terrestre Sustentável vêm por este meio solicitar uma reunião para aprofundarmos estas questões sobre o TCE e sobre opções para salvaguardar o bem-estar das pessoas e do planeta. Esta solicitação decorre da resposta recebida, a 29 de Abril de 2022, do Gabinete do Primeiro-Ministro (Ent.: 2310/2022, Proc. Nº: A.02.01.02.01.47 – 2168/2021), na qual foi sugerido que entrássemos em contacto com o Gabinete de V. Exa. para discutir o assunto em causa, tendo a nossa pretensão já sido comunicada a V. Exa. pelo Gabinete do Primeiro Ministro.
Abaixo (4), encontra-se a informação adicional sobre o processo de modernização do TCE.
Com os nossos sinceros agradecimentos,
TROCA – Plataforma por um Comércio Internacional Justo
ZERO – Associação Sistema Terrestre Sustentável
(1) Além da TROCA – Plataforma por um Comércio Internacional Justo e da ZERO – Associação Sistema Terrestre Sustentável, esta carta foi subscrita pelas seguintes organizações:
– ACRÉSCIMO – Associação de Promoção ao Investimento Florestal
– Associação Academia Cidadã
– Associação Fábrica de Alternativas
– BioPorto – Grupo de Ação Ambiental
– Campo Aberto – associação de defesa do ambiente
– CIDAC – Centro de Intervenção para o Desenvolvimento Amílcar Cabral
– Climáximo
– Coopérnico – Cooperativa de Desenvolvimento Sustentável CRL
– Ecomood Portugal – Associação para a Promoção Solidária da Sustentabilidade na Mobilidade Humana
– Iris, Associação Nacional de Ambiente
– Palombar – Associação de Conservação da Natureza e do Património Rural
– Plataforma Portuguesa das ONGD
– Reforma Florestal Já – Por Pedrógão por Portugal
(2) Resposta do Gabinete do Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros datada de 06/07/2021, referente à carta enviada pela TROCA – Plataforma por um Comércio Internacional Justo
(3) Recomendação ao governo pelo parlamento português: https://app.parlamento.pt/webutils/docs/doc.pdf
(4) Reforma do Tratado da Carta da Energia (TCE): Porque não conseguiu cumprir os objectivos definidos pela EU (2022). TROCA – Plataforma por um Comércio Internacional Justo: https://www.plataforma-troca.org/publicacao-que-analisa-a-situacao-da-reforma-do-tratado-da-carta-da-energia/






