JEFTA
Acordo de comércio entre a União Europeia e o Japão.
O JEFTA é uma proposta de acordo de comércio entre a UE e o Japão. Recentemente as instituições europeias passaram a utilizar o termo “parceria económica” para se referir ao acordo de comércio, evitando assim a sigla que tinha sido usada até então. A Plataforma TROCA continuará a usar a designação JEFTA, e está consciente do tipo de intenções que podem estar subjacentes à alteração de terminologia. Tendo em conta o PIB das economias afectadas, é o “maior acordo comercial de todos os tempos”, como vem repetindo a Comissão Europeia.
Existem muitas semelhanças entre o JEFTA e os recentes acordos comerciais propostos, tais como o CETA, o acordo comercial entre a UE e o Canadá. No entanto, existe uma diferença muito importante: ao contrário do CETA, o JEFTA não vai estabelecer mecanismos de protecção do investimento, que na prática funcionam, no entender da TROCA, como um sistema paralelo de Justiça que permite às empresas multinacionais curto-circuitar os Tribunais nacionais e processar os estados em valores que podem ascender às dezenas de milhares de milhões de euros.
Por outro lado, a Comissão Europeia considera que a inexistência desses mecanismos permite evitar que os parlamentos nacionais tenham de ratificar o acordo – a aprovação será feita apenas pelo Conselho e pelo Parlamento Europeu. A Plataforma TROCA considera que esta opção é inequivocamente menos democrática. Por outro lado, importa salientar que a União Europeia não desistiu de criar mecanismos de justiça paralela para as multinacionais que operem nestes mercados: procurarão fazê-lo no âmbito de outro acordo com o Japão, cujas negociações já iniciaram.
A TROCA considera o JEFTA um acordo pernicioso, que deve ser rejeitado. Expomos de seguida algumas das razões que fundamentam esta posição.
Harmonização Regulatória
Em teoria, existem vantagens em harmonizar as regulações entre a UE e o Japão. No entanto, tal como em outros acordos de comércio, a fase final do processo decorreu de forma muito pouco democrática, sem ouvir as populações e as associações da sociedade civil. Isto seguiu-se a um secretismo nas negociações verdadeiramente inaceitável. Em consequência destes vícios de forma, o resultado material da harmonização foi o expectável: a forma como ocorre não protege o bem comum e os interesses das populações, mas sim os das multinacionais (elas sim, envolvidas na redacção) – um exemplo ilustrativo: o JEFTA não faz qualquer referência ao Princípio da Precaução, tão fundamental no ordenamento jurídico europeu.
Ameaças à Democracia e aos Serviços Públicos
No que concerne ao esvaziamento da democracia ou contorno de processos democráticos, vale a pena lembrar que o JEFTA cria 10 Comissões (Art. 22.3) com reguladores da UE e Japão, para decidir em assuntos da competência dos Estados Membros: concursos públicos, agricultura, segurança alimentar, serviços, comércio electrónico, etc. Salvaguarda-se inclusivamente a possibilidade de essas comissões invadirem outras áreas não especificadas, sem a aprovação dos parlamentos.
O JEFTA também ameaça os serviços públicos de diferentes formas. Uma delas é limitando a sua esfera às chamadas “listas negativas”. Isto significa que só não estarão sujeitos à liberalização e privatização os serviços que tiverem sido explicitamente mencionados no acordo. À partida poder-se-ia pensar que algum grau de cuidado em relação à lista que consta no JEFTA poderia evitar lacunas graves neste domínio, mas a situação é mais complexa, tendo em conta a mutabilidade da economia. Há algumas décadas atrás empresas como o Facebook, o Google, a Amazon nem sequer existiam e hoje correspondem a uma fatia muito considerável da economia actual. Serviços como os prestados pela Uber ou Airbnb nem sequer podiam ser concebidos. Tendo isto em consideração torna-se claro que qualquer lista que se crie hoje estará desactualizada e desajustada em poucos anos. Assim, o recurso a listas negativas resulta em negar às populações a capacidade de ajustar livremente, consoante a vontade dos cidadãos, o papel do estado face às mudanças da economia. Deste modo, as “listas negativas” limitam severamente a capacidade de os governos criarem, expandirem e regularem serviços públicos.
Como agravante, nestes novos acordos há outra armadilha, a chamada cláusula “standstill”, que determina que os estados não podem retroceder quanto ao nível de liberalização (abertura de mercado) e desregulação que já atingiram; ou seja, o ponto actual da liberalização e desregulação fica cristalizado, proibido de retroceder.
Estabilidade do Sistema Financeiro
O JEFTA, tal como o CETA, tenderá a diminuir a estabilidade do sistema financeiro.
Isto ocorre por duas vias. Por um lado, o aumento da integração dos mercados financeiros leva a que o mercado com a política macroprudencial menos exigente acentue a sua vantagem competitiva, criando um incentivo perverso para políticas menos cautelosas. No JEFTA não se encontram nenhumas medidas para fazer face a esta questão.
Por outro lado, pelo contrário, no JEFTA reduzem-se os instrumentos disponíveis para combater a especulação financeira e colocam-se obstáculos adicionais à reforma da estrutura bancária.
Crises financeiras como a de 2008 ou 2012 tornam-se portanto menos improváveis em resultado do JEFTA.
Questões laborais
Vale a pena recordar também que o Japão ainda não ratificou convenções centrais da Organização Internacional do Trabalho, como a Convenção C105, relativa à Abolição do Trabalho Forçado, e a Convenção C111 (sobre Discriminação em matéria de Emprego e Profissão). Em particular, a recusa em assinar da convenção C111 deve-se a questões relativas à discriminação de género e a sua ausência é sintoma de questões laborais com impacto real na sociedade japonesa. O JEFTA traz, por esta via, consequências laborais indesejáveis para os estados membros da UE.
Questões ambientais
As lacunas mais graves do JEFTA estão no capítulo sobre comércio e desenvolvimento sustentável, que é ainda mais fraco que o seu análogo no CETA (já de si inaceitável).
Por um lado, a possibilidade de fenómenos de dumping ambiental nos processos de produção – pelo menos para sectores específicos onde as exigências de um dos blocos não são igualmente exigentes – não foi devidamente acautelada. Por outro, ao incentivar acrescidamente o transporte de produtos entre territórios tão distantes, sem reflectir as externalidades ambientais nas taxas aduaneiras, o JEFTA conduzirá a um aumento do número de emissões. O JEFTA ignora o desafio civilizacional de combater o aquecimento global, e as consequências catastróficas que mal começámos a experenciar de forma trágica.
Os sectores da madeira e das pescas também suscitam preocupações. O Japão não ilegaliza certas práticas consideradas inaceitáveis em quase todo o mundo desenvolvido e têm existido denúncias de empresas japonesas a devastar florestas protegidas na Roménia para vender a madeira assim obtida – este acordo alargará os mercados e tornará quase impossível garantir que a madeira que nos chega não tem origem neste tipo de práticas. O mesmo se aplica às pescas, uma questão que até pode ser mais sensível para Portugal (tendo em conta as restrições que já sofremos para uma gestão mais sustentável dos stocks, que assim ficam em risco acrescido).