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Mais casos ISDS ao abrigo do TCE e a incompatibilidade do TCE com a Transição Energética

Mais casos ISDS ao abrigo do TCE e a incompatibilidade do TCE com a Transição Energética

Mais casos ISDS ao abrigo do TCE e a incompatibilidade do TCE com a Transição Energética

É em total oposição à urgência de uma transição para energias limpas, que se constata um crescente volume de investimentos fósseis protegidos (por exemplo, com novas licenças de perfuração de petróleo e gás no Reino Unido). Simultaneamente, aumenta o número de casos ISDS (processo internacional de arbitragem secreta denominado Resolução de Litígios entre Investidores e Estados), em que investidores processam estados em tribunais privados por medidas de defesa da natureza, dos cidadãos ou do clima.

Segundo a base de dados do International Centre for Settlement of Investment Disputes (ICSID) do Banco Mundial, desde Junho de 2022 – altura em que foi dado a conhecer o malogrado acordo de princípio sobre a modernização do Tratado da Carta da Energia (TCE), são já 14 (!) os novos casos ISDS publicamente conhecidos (note-se que alguns dos casos nunca chegam ao conhecimento do público).

Por exemplo, ao abrigo do Tratado da Carta da Energia (TCE), a Klesch Group Holdings Limited, uma empresa de refinação de petróleo sediada em Jersey, está a processar a UE, a Alemanha e a Dinamarca em, pelo menos, 95 milhões de euros. A Klesch iniciou esta acção judicial ISDS contra um imposto extraordinário, uma contribuição de solidariedade introduzida pela UE e Estados-Membros na sequência da guerra da Ucrânia “para redistribuir as receitas e os lucros excedentários do sector da energia pelas famílias e pelas empresas, a fim de atenuar os efeitos do aumento dos preços da energia“, conforme declarou um porta-voz da Comissão Europeia. Em Outubro passado, a UE disse que estava a impor o seu imposto sobre a energia aos lucros das empresas, (com mais de 20% acima da média de 2018-21), para evitar “danos duradouros aos consumidores e à economia”. O imposto sobre os lucros inesperados destinou-se pois a actuar para minorar os fortes impactos negativos dos elevados preços da energia sobre as pessoas e as empresas:

A contribuição de solidariedade constitui um meio adequado para tratar os lucros excedentários decorrentes de circunstâncias imprevistas. Esses lucros não correspondem aos lucros habituais que empresas e estabelecimentos permanentes da União com atividades nos setores de petróleo bruto, gás natural, carvão e refinaria obteriam ou poderiam esperar obter em circunstâncias normais, se os acontecimentos imprevisíveis nos mercados da energia não tivessem ocorrido. Por conseguinte, a introdução de uma contribuição de solidariedade constitui uma medida conjunta e coordenada que permite, num espírito de solidariedade, gerar receitas adicionais para as autoridades nacionais prestarem apoio financeiro às famílias e às empresas fortemente afetadas pelo aumento dos preços da energia, assegurando simultaneamente condições de concorrência equitativas em toda a União.” A contribuição de solidariedade temporária deverá funcionar como uma medida de redistribuição, a fim de assegurar que as empresas em causa que tenham obtido lucros excedentários em resultado de circunstâncias imprevistas contribuem proporcionalmente para a melhoria da situação de crise energética no mercado interno.

Porém, segundo revelam documentos vazados, esta medida é considerada pela Klesch apenas como um “pretexto” para minar as empresas de combustíveis fósseis. Através do ISDS, esta empresa de combustíveis fósseis tem um instrumento privilegiado para punir a actuação dos estados e da UE quando tomam medidas para melhorar a situação precária dos cidadãos e de outras empresas.

Falando a título pessoal, Tinne van der Straeten, o Ministro da Energia belga que presidirá ao Conselho da Energia da UE a partir de Janeiro, durante seis meses, afirmou: “O Tratado da Carta da Energia volta a atacar. Esta nova acção judicial é mais uma prova de que o TCE está a bloquear uma transição energética justa e acessível.”

 

Fonte: https://icsid.worldbank.org/cases/case-database

Legenda: Novos casos ISDS


 

Vários relatórios oficiais já destacaram a incompatibilidade do TCE com a acção climática

 

No seu Sexto Relatório de Avaliação, o Painel Intergovernamental sobre as Alterações Climáticas (IPCC) reconheceu que os acordos de investimento internacionais, especialmente o Tratado da Carta da Energia, restringem a capacidade dos Estados de adoptarem as políticas ambiciosas necessárias para combater as alterações climáticas.

Em Outubro de 2022, o Conselho Superior Francês para o Clima publicou um parecer sobre a modernização do TCE, concluindo que o TCE, mesmo numa forma modernizada, não é compatível com os actuais compromissos climáticos e recomendando uma retirada coordenada com a neutralização da cláusula de caducidade.

“O Conselho Superior do Clima conclui que o TCE, mesmo numa forma modernizada, não é compatível com os compromissos e objetivos climáticos da França e da União Europeia para 2030.”

“Uma saída coordenada do TCE por parte da França e da UE, juntamente com uma neutralização da sua “cláusula de caducidade” (também conhecida por “cláusula zombie”), parece ser a opção menos arriscada para respeitar os compromissos climáticos nacionais, europeus e internacionais. Tal retirada também aumentaria a sensibilização entre todos os outros signatários e limitaria a extensão geográfica do TCE a novas partes que estariam expostas aos mesmos riscos de incompatibilidade entre as disposições do tratado e a prossecução dos seus objectivos climáticos.”

Em Junho de 2023, o Comité das Alterações Climáticas do Reino Unido decidiu que as reformas do TCE prometidas em 2022 são insuficientes e recomendou que o governo britânico se retirasse do tratado, assinalando que a continuação da “adesão a acordos obsoletos, como o TCE, corre o risco de abrandar a dinâmica das políticas de baixo carbono”.

O Relator Especial da ONU para os Direitos Humanos e o Meio Ambiente, David Boyd, também apelou aos Estados para rescindirem unilateralmente ou em conjunto os acordos de investimento internacionais existentes que incluem o ISDS, incluindo o Tratado da Carta da Energia. No seu relatório, que destaca que a “explosão de reivindicações de ISDS apresentadas por combustíveis fósseis” estimula a utilização de tratados de investimento pelos investidores, especialmente o TCE.

Cleodie Rickard, directora da campanha de comércio da Global Justice Now, afirmou: “Países como o Reino Unido, que estão à beira de uma decisão à medida que a UE contempla uma saída de todo o bloco, devem acordar para este enorme risco e aproveitar a janela de oportunidade para sair do TCE em coordenação e antes que surjam reivindicações cada vez maiores.

 


(IT’S RAINING ECT LAWSUITS: As signatories of the Energy Charter Treaty met on Monday for their annual conference, an oil-refining company is suing the EU, Germany and Denmark for at least €95 million over a windfall tax that the company sees as a “pretext” for undermining fossil fuel firms, the Guardian reported. Klesch Group Holdings Limited is taking legal action via the energy charter treaty amid slow progress for the bloc to pull the plug on the controversial pact. Brussels asked that the modernization of the treaty was not put on the agenda of Monday’s meeting, as there’s still no common ground between EU countries.)