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Mais um inadmissível caso ISDS – Rockhopper vence contra a Itália

Mais um inadmissível caso ISDS – Rockhopper vence contra a Itália

Mais um inadmissível caso ISDS – Rockhopper vence contra a Itália

A Itália foi condenada a pagar milhões a um investidor petrolífero que processou o estado italiano ao abrigo do Tratado da Carta da Energia (TCE).

– A enorme soma que a Rockhopper recebe de indemnização é quase nove vezes superior ao seu investimento inicial
– O TCE permite à gigante do petróleo processar e obter ganhos pela perda de lucros futuros, e não apenas reaver o dinheiro efectivamente gasto
– Outros países produtores de petróleo e gás na Europa poderão enfrentar pedidos de indemnização semelhantes no futuro

Rockhopper contra Itália

Bruxelas, 24 de Agosto de 2022 – Num caso que serve como um lembrete oportuno do enorme poder da indústria de combustíveis fósseis, o Estado italiano foi condenado a pagar 190 milhões de euros, mais juros, à empresa britânica Rockhopper Explorations, conforme anunciado pela empresa. Isto significa que a soma a pagar deverá ser superior a 250 milhões de euros, tendo em conta juros e taxas acrescidas durante o decorrer do processo judicial. Esta foi a decisão a favor da Rockhopper, tomada por um tribunal de resolução de litígios entre investidores e Estados (ISDS) ao abrigo do (TCE). Isto é escandaloso, especialmente na actual situação de emergência climática e crise energética.

O caso diz respeito a uma decisão tomada em 2015 pelo governo italiano em resposta à oposição pública e às preocupações ambientais, que levou à proibição de novos projectos de petróleo e gás num raio de 12 milhas náuticas da costa. O enorme valor de indemnização à Rockhopper é significativamente superior ao seu investimento inicial de 29,2 milhões de euros (29 milhões de dólares), pois o controverso TCE permite às empresas processar pela perda de lucros futuros e não apenas pelo dinheiro efectivamente gasto.

O TCE é um acordo comercial multilateral que protege os investimentos no sector da energia e que tem sido amplamente criticado devido aos poderes extraordinários que confere às empresas de combustíveis fósseis para processarem os países por medidas de protecção do clima que afectam os seus lucros. Cientistas e grupos da sociedade civil advertem que é um obstáculo inaceitável à acção climática. A empresa Rockhopper contornou o sistema jurídico italiano e ignorou a opinião pública, usando o poder que o TCE dá às empresas de não usar os tribunais e leis nacionais, mas sim um sistema de justiça paralelo (ISDS – Resolução de litígios investidor-estado), ao qual só elas têm acesso.

Em 2016, em consonância com as reivindicações dos activistas climáticos, a Itália tornou-se um dos raros países que saíram do TCE, ficando, porém, sujeita à cláusula de caducidade – segundo a qual o país ainda pode ser levado a tribunal (privado) durante 20 anos após a sua saída oficial, em relação a investimentos que existiam até então. É exactamente por essa razão que activistas da sociedade civil europeia exortam os países a retirarem-se do TCE de forma conjunta e coordenada, neutralizando entre si a cláusula de caducidade, o que, segundo juristas, é possível através de um acordo jurídico chamado inter-se.

O processo da Rockhopper chega ao fim poucas semanas depois de os países membros do TCE terem chegado a um “acordo de princípio” sobre uma nova versão do tratado, a qual apenas traria alterações superficiais, mas manteria uma protecção significativa dos investimentos em combustíveis fósseis, pelo que os activistas lhe chamam “lavagem verde” (greenwashing).

É sintomático o facto de este caso ISDS continuar a ser possível mesmo que fosse ao abrigo da nova versão do tratado. Outros países produtores de petróleo e gás na Europa poderão ainda vir a enfrentar exigências de indemnização semelhantes no futuro, se limitarem a extracção ou aprovarem outra legislação para eliminar gradualmente os combustíveis fósseis, razão pela qual os grupos climáticos estão a apelar a que os países se retirem do tratado.

Cornelia Maarfield, Coordenadora Sénior de Política Comercial e de Investimento da CAN Europe, afirmou: “O caso Rockhopper tem um efeito intimidatório nas políticas climáticas de outros países produtores de petróleo e gás, a menos que os governos actuem agora e restrinjam o risco de futuros processos judiciais. A reforma do Tratado da Carta da Energia não reduziu os poderes excessivos que ele confere às empresas de combustíveis fósseis, pelo que estas continuarão a exigir indemnizações aos contribuintes quando o seu modelo de negócio for questionado. Mas, em vez de saírem do TCE, os governos europeus estão a dar novo fôlego a este tratado obsoleto. Em vez de se sujeitarem voluntariamente a continuarem num Tratado que os coloca sob o jugo do poder empresarial, os países europeus devem rejeitar os resultados da reforma do TCE e iniciar uma retirada coordenada”.

Activistas em Itália e no Reino Unido estão indignados pelo facto de a Itália estar a ser penalizada por defender uma lei de protecção ambiental, e profundamente preocupados com o facto de o ISDS, que não será modificado pela reforma do TCE, ser incompatível com as medidas que os governos devem tomar urgentemente para evitar a ruptura climática.

Monica Di Sisto, porta-voz da campanha italiana “Stop ISDS”, afirmou: “Já pedimos uma reunião imediata ao governo italiano para repensar as regras comerciais que permitem o saque das finanças públicas e a violação dos direitos das comunidades, territórios e ambiente, como aconteceu com a sentença de hoje”.

Enrico Gagliano, da rede nacional No Triv, afirmou: “A responsabilidade por esta sentença onerosa não recai sobre os italianos que protestaram contra a Ombrina Mare. Esta elevadíssima factura não deve ser paga pelo povo italiano”.

Leah Sullivan, activista da War on Want, afirmou: “É indefensável que os acordos comerciais e de investimento do Reino Unido permitam às empresas de combustíveis fósseis penalizar os países por tomarem as medidas certas para o clima e o ambiente. O Reino Unido deve retirar o ISDS dos seus acordos comerciais e sair do Tratado da Carta da Energia o mais rapidamente possível. O TCE é também uma ameaça à acção climática no Reino Unido – se um futuro governo decidir revogar novos projectos de carvão e petróleo, poderá deixar o contribuinte britânico exposto a enormes pedidos de indemnização”.

Mais uma vez fica claro que os estados devem sair do TCE, se querem cumprir o acordo de Paris e o Pacto Ecológico Europeu.

Para mais informações sobre os antecedentes do caso em Itália ver aqui, e um resumo das críticas ao caso aqui:

– Em 2015, após uma grande mobilização de cidadãos, o governo italiano proibiu a perfuração de petróleo em águas a 12 milhas da costa, proibindo assim o projecto Ombrina Mare, que fica a 4 milhas da costa.

– Em 2005, a companhia petrolífera Mediterranean Oil & Gas obteve uma licença de exploração para o campo petrolífero de Ombrina Mare e, subsequentemente, descobriu petróleo em 2008. A empresa solicitou então uma concessão de produção, que nunca foi concedida pelas autoridades italianas.

– Em 2014, a Rockhopper comprou a companhia petrolífera Mediterranean Oil & Gas por 29,3 milhões de libras esterlinas.

– A empresa foi a tribunal em Itália para obter a licença de produção, mas perdeu os processos e o recurso subsequente. Mais tarde, levou o caso a um tribunal ao abrigo do TCE.

– O caso é financiado na base “no win no fee” (sem vencer não há honorário), por um fundo de litigância chamado Harbour Litigation Funding. Estes têm uma página interessante sobre responsabilidade social.

Mais artigos sobre o assunto:

https://www.ansa.it/canale_ambiente/notizie/energia/2022/08/24/trivelle-rockhopper-italia-condannata-su-ombrina_99991f49-e51c-42f5-a5b6-03c26e71918a.html
https://www.ilsole24ore.com/art/no-trivelle-italia-condannata-pagare-190-milioni-il-blocco-ombrina-AEkTAJvB?refresh_ce=1
https://caneurope.org/eu-commission-turns-a-deaf-ear-to-multiple-calls-to-exit-the-energy-charter-treaty/
https://www.climatechangenews.com/2022/08/24/british-company-forces-italy-to-pay-e190m-for-offshore-oil-ban/

https://www.theguardian.com/business/2022/aug/24/oil-firm-rockhopper-wins-210m-payout-after-being-banned-from-drilling