No dia 21 de Abril, o Jornal Público publicou na sua secção AZUL uma “Carta Aberta a António Guterres sobre o Tratado da Carta da Energia”, escrita por dois activistas da TROCA, João Vasco Gama e Ana Rita Raleira. A carta é um apelo urgente a que o Secretário-Geral da ONU lembre a António Costa a inevitabilidade e premência de Portugal e a UE saírem de um Tratado obsoleto que protege os combustíveis fósseis e ameaça o erário público, sendo segundo o IPCC, um sério obstáculo à mitigação das alterações climáticas.
Agradecemos ao Jornal Público, e em especial à secção AZUL,por mais esta oportunidade de levar mais longe este tema que permanece quase ignorado, apesar da sua imensa relevância.
Citamos de seguida alguns excertos da carta:
«Prezado Secretário-Geral, Engenheiro António Guterres, (…)
Escrevemos-lhe esta carta no momento em que Portugal pode ter uma importância desproporcionada face à sua dimensão no combate a esta crise climática. Como saberá, debate-se neste momento na União Europeia a (des)continuidade do Tratado da Carta da Energia (TCE), um tratado que estabelece um sistema de justiça privada que se coloca acima dos estados com o propósito de proteger grandes empresas multinacionais no sector da energia, em particular as grandes empresas petrolíferas e outras associadas à exploração de combustíveis fósseis. Terá especialmente conhecimento disto porque, no último relatório do Painel Intergovernamental sobre mudanças climáticas (IPCC), há várias referências específicas a este tratado, reconhecendo-o como um sério obstáculo à mitigação das alterações climáticas e uma ferramenta que pode ser utilizada para bloquear legislação nacional com esse fim. Uma das autoras principais desse mesmo relatório, a Dra. Yamina Saheb, estimou inclusivamente que o volume de emissões protegido pelo TCE, entre 2018 e 2050, corresponderá a cerca de cinco vezes aquilo que a União Europeia pode emitir no mesmo período se quiser cumprir o objectivo de 1,5º graus mencionado no Acordo de Paris. É portanto impossível cumprir o Acordo de Paris, o mais abrangente acordo mundial de combate às alterações climáticas, e o TCE: ou se cumpre um, ou outro.
As consequências do TCE são bem reais e palpáveis, especialmente para os bolsos de quem paga a conta. Em Itália, um investimento de 40 milhões de euros na extracção de petróleo a que o governo quis pôr fim para proteger a biodiversidade de ecossistemas únicos e insubstituíveis, deu origem a um pedido de indemnização mais de seis vezes superior ao valor do investimento mencionado. Nos Países Baixos, legislação para impedir a produção de eletricidade a partir do carvão, a ter início em 2030, originou duas queixas diferentes ao abrigo do TCE, exigindo ao governo holandês cerca de mil milhões de euros cada uma. Em França, o Ministro do Ambiente Nicolas Hulot demitiu-se depois de ver legislação forte e consequente sobre a extracção de combustíveis fósseis diluída ao ponto da inconsequência devido à ameaça de recurso a estes “tribunais VIP” que o TCE estabelece. O próprio ministro afirmou que os lobbies das multinacionais têm demasiada influência na definição de políticas ambientais.
É por isto que o TCE é um tratado que seria cómico se não fosse trágico. O prevaricador – as empresas que ameaçam o clima e contribuem directamente para as alterações climáticas – não tem de indemnizar o prevaricado – a sociedade e todos nós que dela fazemos parte – mas o contrário é verdade: os cidadãos têm de pagar as indemnizações milionárias exigidas pelas empresas por ousarem lutar contra as alterações climáticas. Parece certamente algo tirado de uma comédia negra distópica com largas doses de surrealismo.
Portugal pode [declarar-se] publicamente a favor de uma saída coordenada (…). O impacto deste posicionamento seria tanto simbólico quanto material. Simbólico porque a saída do próprio país depositário da Carta não seria facilmente ignorada ou minimizada. Material porque a saída do tratado teria um efeito na redução das emissões globais de gases com efeito de estufa maior do que qualquer outra medida em prol da transição energética tomada ao longo desta legislatura. O posicionamento inequívoco de Portugal pela saída do TCE pode ser o “empurrão” que falta para nos libertarmos deste acordo que há décadas fica a dever ao planeta e à Democracia. Será também por isso uma escolha histórica, que transformará o mundo para nós e para as gerações futuras.
Pedimos-lhe por isso, prezado Eng. António Guterres, que nos ajude a dar o impulso que falta a Portugal (e a outros Estados-Membros em situação semelhante) para fazerem a escolha responsável face às gerações seguintes. Pedimos-lhe que apele aos governantes (incluindo o Primeiro-Ministro António Costa) para que anunciem a retirada do TCE e declarem publicamente o seu apoio a uma saída coordenada da UE do Tratado da Carta da Energia. (…)»