logo Troca linha TROCA - Plataforma por um Comércio Internacional Justo

O Parlamento Europeu apoia a saída conjunta do Tratado da Carta da Energia

O Parlamento Europeu apoia a saída conjunta do Tratado da Carta da Energia

O Parlamento Europeu apoia a saída conjunta do Tratado da Carta da Energia

Na passada Quinta-feira, dia 24 de Março, teve lugar durante a sessão plenária do Parlamento Europeu um debate sobre o Tratado da Carta da Energia (TCE). Este tratado obsoleto, datado de 1994, está desfasado do cenário actual e em evidente contradição com os objectivos climáticos estabelecidos no Pacto Ecológico Verde e no Acordo de Paris, sendo utilizado recorrentemente pela indústria fóssil para processar Estados que implementem medidas pró-climáticas que afectem os seus investimentos. Por este motivo, a União Europeia (UE) propôs a modernização do TCE com o intuito de alinhá-lo com as actuais necessidades, objectivos e acordos e para evitar assim que processos judiciais milionários bloqueiem a acção governativa urgente.

Este debate realizou-se na sequência da 11ª ronda de negociações para a modernização do TCE, que ocorreu entre 1 e 4 de Março, e pretendia discutir a actual situação da reforma do tratado. O debate contou com a presença do Comissário para o Comércio Valdis Dombrovskis e com o Ministro Francês do Estado para Assuntos Europeus Clément Beaune, em representação da Presidência Francesa do Conselho da UE, bem como com intervenções calendarizadas de Eurodeputados de vários grupos políticos, nomeadamente o Partido Popular Europeu, os Conservadores e Reformistas Europeus, o Renew Europe, a Aliança Progressista dos Socialistas e Democratas no Parlamento Europeu, os Verdes/Aliança Livre Europeia, a Esquerda e Não Inscritos.

O presidente do Comité de Comércio Internacional (conhecido como INTA da sigla em Inglês), Bernd Lange, abriu o debate, referindo que as negociações de modernização decorrem desde 2017 sem quaisquer progressos significativos até agora e não se esperam mudanças nesse aspecto. Segundo Lange, a conclusão a retirar daqui é que é tempo da UE “deixar para trás o Tratado da Carta da Energia” e de se focar no “desenvolvimento de uma política energética sustentável e segura” que não seja limitada pelo ónus colocado por este tratado.

Nas suas intervenções iniciais, tanto o ministro Francês como o Comissário para o Comércio abordaram as questões colocadas a priori pelo INTA. Dombrovskis afirmou que “a crise energética actual não altera a posição da UE nestas negociações“, mantendo-se a “necessidade de fazer o tratado estar em conformidade com os objectivos climáticos”.  Referiu também que a abordagem flexível proposta pela UE após a rejeição da proposta inicial “foi agora aceite por todas as partes contractantes, incluindo a UE”. É de relembrar que esta proposta implica a existência de uma responsabilidade colectiva, mas diferenciada, segundo a qual os Estados podem unilateralmente remover a protecção aos investimentos em combustíveis fósseis nos seus territórios, sem que a mesma obrigatoriedade seja aplicada aos restantes membros do TCE. Além disto, Dombrovskis declarou que se a UE não conseguir alcançar os objectivos a que se propôs durante as negociações, serão “consideradas outras opções, nomeadamente a retirada do Tratado da Carta da Energia”. Alertou, no entanto, para a necessidade de avaliar cuidadosamente esta opção uma vez que a UE e os seus Estados-Membros estão abrangidos pela cláusula de caducidade do TCE e terão assim obrigações a cumprir em relação aos investimentos actuais por um período de 20 anos após a saída.

Seguiram-se as intervenções dos eurodeputados, que revelaram ter posições semelhantes à de Bernd Lange e demonstraram haver um apoio parlamentar amplo à saída da UE e dos seus Estados-Membros deste tratado, incluindo de grupos políticos que tradicionalmente estão a favor deste tipo de tratados de investimento. Por exemplo, Danuta Hübner, eurodeputada do Partido Popular Europeu, declarou que “as disposições fundamentais do tratado permanecem inalteradas desde os anos 90” e que o TCE é hoje em dia “o acordo de investimento mais litigioso do mundo”, apesar de não estar “à altura das normas modernas, especialmente em relação à protecção dos investimentos”. Hübner afirmou ainda que, na ausência de resultados conclusivos no que concerne ao processo de modernização em curso, a Comissão Europeia deverá “considerar e preparar a opção de uma saída coordenada do TCE”. Já Marie-Pierre Vedrenne, do grupo político Renew Europe, relembrou que, à luz do Tratado da Carta da Energia tal como ele se apresenta neste momento, a Gazprom poderia atacar Estados-Membros da UE pela suspensão do gasoduto Nord Stream 2, o que se mostra inaceitável perante as actuais circunstâncias, frisando assim que há que concluir que “as negociações falharam e temos de nos retirar do tratado”.

Nas suas intervenções finais, o ministro Francês não deu mais detalhes acerca de como decorreu o processo de negociação até aqui, nem se comprometeu em relação aos próximos passos, tendo declarado apenas ser preciso, para já, avaliar como se vão desenrolar as duas próximas rondas de negociações, previstas para Abril e Maio. Afirmou, contudo, que perante a impossibilidade de modernizar o tratado, prevê que exista uma saída conjunta por parte dos Estados-Membros da UE. O Comissário Dombrovskis seguiu a mesma linha de resposta, tendo referido que a Comissão Europeia tem vindo a apelar pela melhoria da transparência deste processo negocial, mas que na fase actual, devido à confidencialidade acordada entre as partes envolvidas, a Comissão não pode partilhar todos os documentos de negociação. Em relação à proposta da UE, o Comissário declarou que “a Comissão continua a pensar que o melhor resultado será um Tratado da Carta da Energia reformado e alinhado com os objectivos climáticos e de desenvolvimento sustentável da UE”, acrescentando que isto poderá ainda “ter um impacto colectivo positivo junto das outras partes contractantes, o que é muito importante se considerarmos que as acções de desenvolvimento sustentável e climáticas são desafios globais e não podem ser alcançados apenas pela UE”. Por último, Dombrovskis reiterou que a Comissão Europeia fará um balanço das negociações aquando da Conferência ad hoc dedicada ao TCE, que se realizará em meados de Junho deste ano, retirando as devidas conclusões de acordo com os resultados das negociações até então e considerando todas as opções possíveis, incluindo a saída do tratado.

Este debate foi uma mensagem clara para a Comissão Europeia e para o Conselho da UE. Ainda que a possibilidade da saída do TCE mediante o resultado das negociações já tivesse sido expressada anteriormente pelo Parlamento Europeu, neste debate ficou evidente que o Parlamento tem dúvidas quanto ao sucesso do processo de modernização. Vários eurodeputados manifestaram que consideram este processo um verdadeiro fracasso e mantiveram as suas posições em relação a ele, mesmo no caso da aceitação da abordagem de flexibilidade pelas partes contractantes do TCE. Isto porque também esta proposta se mostra insuficiente no que toca a acabar com a protecção do investimento em combustíveis fósseis, já que, mesmo na UE, a protecção destes investimentos se iria manter até meados da década de 2030. Assim, este debate não deixa dúvidas: a reforma do TCE perdeu o apoio de quase todo o espectro político do Parlamento Europeu, devendo a preparação da saída conjunta arrancar o quanto antes.

O debate pode ser visto na íntegra aqui (minutos 10:09 a 10:51, aproximadamente).