Dois fundos americanos emprestaram 808 milhões de euros ao Banco Espírito Santo (BES), tal como uma série de outras instituições e indivíduos. Como sabemos, o processo não terminou da melhor forma, e agora os vários credores têm movido acções na justiça para reaver aquilo a que acreditam ter direito. Como nos diz o “Dinheiro Vivo”, em Portugal “o processo BES/GES conta com 30 arguidos num total de 361 crimes. Considerado um dos maiores processos da história da justiça portuguesa, este caso agrega no processo principal 242 inquéritos, que foram sendo apensados, e queixas de mais de 300 pessoas, singulares e coletivas, residentes em Portugal e no estrangeiro.”
Mas os tais dois fundos americanos não querem ser tratados como os restantes credores e sujeitar-se ao que o sistema de Justiça de um Estado de Direito conclui. Preferem, ao invés, ter um “tratamento VIP”, e por isso optaram por recorrer aos “Tribunais VIP”: o sistema ISDS.
Como Portugal não tem nenhum acordo que estabeleça “Tribunais VIP” para pessoas e instituições norte-americanas, estes fundos americanos recorreram a três subsidiárias: a Suffolk (Mauritius) Limited, a Mansfield (Mauritius) Limited e a Silver Point Mauritius. As três subsidiárias localizam-se nas Maurícias, com quem Portugal tem um acordo bilateral, supostamente para proteger os investidores deste país. Com este pequeno “artifício”, os fundos americanos esperam ter acesso ao sistema de justiça privada a que Portugal se submeteu.
Tomada a decisão de contornar a justiça nacional desta forma, as subsidiárias fizeram-se representar pelas firmas de advogados PLMJ e Fietta (da qual são sócios os ex-governantes Pedro Siza Vieira (PS), e Nuno Morais Sarmento (PSD), cujas implicações nos escusamos de comentar).
O processo já teve início e até agora os inquiridos estabelecidos foram os Ministros de Portugal: dos Negócios Estrangeiros, das Finanças, da Economia e do Mar de Portugal; o Director do Departamento de Serviços Jurídicos do Banco de Portugal e ainda o escritório de advogados Cuatrecasas.
Do ponto de vista da maximização dos seus lucros, os fundos americanos não podiam ter tomado uma melhor decisão, já que os sistemas ISDS têm no seu cerne um conflito de interesses: quanto mais os árbitros favorecerem os investidores em desfavor dos estados, mais encorajam a litigação. Quanto mais encorajam a litigação, mais aumentam os seus rendimentos pessoais. Assim, e ao contrário de um sistema de justiça normal, os árbitros que tomam as decisões são também parte interessada. Por esta razão, as indemnizações com que estes investidores podem contar estarão provavelmente uma ordem de grandeza acima da que poderiam receber por via de um sistema de justiça nacional (tem sido esta a disparidade observada noutros casos comparáveis). Aliás, não fora esta propensão do sistema para favorecer os grandes interesses financeiros mais do que aquilo que seria justo, e esta farsa de fundos americanos alegando-se discriminados enquanto maurícios não iria longe.
É portanto possível e provável que a indemnização obtida pelos fundos americanos seja cerca de dez vezes superior ao que seria justo, adequado e comparável ao que outros credores em situações semelhantes venham a receber por via do sistema de justiça nacional. Quanto ao estado português, que irá pagar esse valor sobrecarregando os contribuintes para esse efeito, deveria considerar o abandono do tratado bilateral com as Maurícias, cujas consequências são muito mais graves que esta indemnização em particular. O acordo pode ser usado para desincentivar políticas que defendam o interesse público por via da ameaça de acções deste cariz.