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Relatório: políticas económicas de Milei abalam a credibilidade do Acordo UE-MERCOSUL

Relatório: políticas económicas de Milei abalam a credibilidade do Acordo UE-MERCOSUL

Relatório: políticas económicas de Milei abalam a credibilidade do Acordo UE-MERCOSUL

O acordo comercial entre a União Europeia (UE) e o Mercado Comum do Sul (MERCOSUL) tem sido debatido há mais de 20 anos. Mais recentemente, um estudo motivado pelo novo contexto político na Argentina, o relatório do Corporate Europe Observatory (CEO) intitulado “Mileinomics e o Acordo UE-MERCOSUL“, levanta sérias preocupações que colocam ainda mais em xeque a viabilidade do acordo e motivam a exigência de uma nova reavaliação por parte da UE.

Em Junho deste ano, a Argentina aprovou a Lei de Bases que concede poderes extraordinários ao presidente para impulsionar as exportações de petróleo, gás, mineração, agronegócio e silvicultura, através do novo Regime de Incentivos para Grandes Investimentos (RIGI). O RIGI visa atrair um elevado nível de investimento directo estrageiro através de uma série de benefícios fiscais, alfandegários, cambiais e regulatórios oferecidos a projectos de investimento superiores a 200 milhões de dólares e, através dessa estratégia, supostamente aumentar as exportações do país. Esta total desregulamentação, privatização e enorme enfraquecimento estatal, alicia grandes grupos multinacionais a investirem milhões no país em áreas essenciais da economia, deixando a Argentina vulnerável aos interesses daqueles. Ao mesmo tempo que este pacote de reformas económicas ultra-neoliberais permite às indústrias extrativas usufruir da referida desregulamentação, não inclui qualquer responsabilização pelos impactos sociais ou ambientais provocados por estas indústrias, nem estabelece quaisquer requisitos ambientais e sociais na sua produção, como a apresentação de Estudos de Impacto Ambiental, o que poderá levar à, já em curso, destruição de ecossistemas e perda de biodiversidade.

A lei inclui também o ISDS, um mecanismo que permite às empresas estrangeiras processarem o governo argentino, limitando a capacidade do país de proteger o meio ambiente e os direitos da população.

A aprovação desta lei de bases desencadeou amplos protestos por parte da sociedade civil argentina, aos quais o governo respondeu com mais repressão e concentração de forças policiais nas áreas destinadas à exploração de recursos naturais. O modelo defendido por alguns sectores e denominado “Mileinomics”, defende a não intervenção do estado, apelidada pelos mesmos de neutralidade económica, ignorando os impactos sociais e ambientais, o que resulta em inúmeros riscos na sua implementação sob o quadro do acordo UE-MERCOSUL.

De acordo com o relatório da Corporate Europe Observatory (CEO), o acordo UE-MERCOSUL, nas condições actuais, terá consequências preocupantes que ultrapassam a esfera económica:

  • Destruição do Chaco: O Chaco é o segundo maior ecossistema florestal sul-americano e está em perigo. Esta vasta região rica em biodiversidade, é um território que se estende pela Argentina, Bolívia, Paraguai e parte do Brasil e abriga diversos povos indígenas. O acordo UE-MERCOSUL incentiva o aumento das exportações de soja e carne bovina provenientes da Argentina e do Brasil, já grandes exportadores do sector. A intensificação e extensão produtiva destes sectores, impulsionada pelo acordo, pode acelerar o desmatamento destas regiões, com consequências devastadoras para o meio ambiente e para as comunidades locais. Em particular, os direitos indígenas são uma preocupação central, na medida em que muitos povos e comunidades que habitam nestas regiões possuem direitos territoriais que não são respeitados, ou mesmo reconhecidos, sofrendo constantes violações dos seus direitos. O acordo UE-Mercosul, ao promover o agronegócio, intensificará a pressão sobre os territórios indígenas, aumentando os conflitos, perdas de território, a repressão e as violações de direitos humanos.
  • Utilização de pesticidas proibidos na UE: A utilização em larga escala de pesticidas altamente tóxicos na agricultura dos países do MERCOSUL representa uma grave ameaça à saúde humana e ao meio ambiente. O aumento das exportações agrícolas para a UE, impulsionado pelo acordo, poderá intensificar ainda mais o uso destas substâncias, contaminando solos, águas e alimentos. Os resíduos de agrotóxicos estão associados a casos de cancro, problemas reprodutivos e malformações congénitas, tanto em agricultores como em consumidores. A falta de regulamentação rigorosa e a ausência de mecanismos eficazes de controle e fiscalização nos países do MERCOSUL aumentam esta problemática. A UE, ao importar produtos agrícolas do MERCOSUL sem garantir padrões de segurança alimentar e ambiental equivalentes aos seus, compactua com práticas agrícolas que violam seus próprios princípios e comprometem a saúde das suas populações.
  • Padrões de trabalho precários: Além da questão ambiental, humana e de saúde pública, o relatório critica a falta de salvaguardas suficientes para garantir o respeito pelos direitos dos trabalhadores nos países do MERCOSUL, o que pode levar a uma erosão dos padrões e direitos laborais na Europa por pressão da concorrência desleal com produtos provenientes de mercados com padrões mais baixos e mão de obra mais barata.

O CEO argumenta que, ao fechar os olhos a estas questões, a UE está a colocar em risco a sua própria credibilidade como exemplo global a seguir em matéria de sustentabilidade e comércio internacional justo.

 

Conclusão:

Diante dos factos encontrados e das preocupações mencionadas, o relatório conclui que o acordo UE-MERCOSUL, na sua forma actual, deve ser rejeitado e que as políticas e os fundos devem ser redirecionados para a construção de economias sustentáveis e regenerativas, baseadas em modos de produção sustentáveis. A sustentabilidade e o bem-estar social devem ser colocados no centro das negociações e das políticas comerciais, em vez de dar prioridade a interesses corporativos de curto prazo. É fundamental renegociar os termos do acordo e estabelecer salvaguardas ambientais robustas para garantir que o comércio não se torne um motor do desmatamento, da destruição da biodiversidade e da motivação de atentar contra as populações indígenas.

É necessário encontrar mecanismos que equilibrem os benefícios do acordo para todas as partes envolvidas. O acordo precisa de contemplar medidas que promovam o respeito pelos direitos laborais em todos os países signatários e a criação de condições equitativas para produtores europeus e do MERCOSUL. Isso garantiria a criação de um ambiente comercial justo para produtores da UE e do MERCOSUL.

 

O potencial do acordo UE-MERCOSUL para impulsionar o crescimento económico é inegável. No entanto, esse crescimento não pode ser alcançado à custa do meio ambiente e do bem-estar social. A UE tem a oportunidade de construir colectivamente um modelo de comércio internacional sustentável e justo. Para isso, o acordo precisa de ser reformulado, para reflectir esses valores fundamentais.