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Sacrificar o Planeta para aprovar um acordo comercial tóxico???

Sacrificar o Planeta para aprovar um acordo comercial tóxico???

Sacrificar o Planeta para aprovar um acordo comercial tóxico???

No passado dia 14 de Novembro, a TROCA e outras organizações ambientais e de direitos humanos enviaram à Comissão Europeia uma Carta Aberta sobre o procedimento e critérios para a “avaliação comparativa dos países” nos termos do Artigo 29 do Regulamento Anti-Desflorestação da UE e o papel dos acordos comerciais. As OSC apelam a que os Comissários não cedam às tentativas de enfraquecimento das regras comunitárias de protecção das florestas, em favor de acordos comerciais.

As negociações entre a União Europeia e o Mercosul (Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai) para a ratificação de um acordo comercial continuam a ocorrer intensa e secretamente e a Comissão quer concluí-lo antes do final do ano”. Através de uma fuga de informação soube-se que, entre outras exigências, os países do Mercosul pretendem ser classificados como países de baixo risco em matéria de risco de desflorestação.

Esta classificação decorre do Regulamento Anti-Desflorestação da EU, cujo objectivo é (i) minimizar o contributo da UE para a desflorestação e a degradação florestal, e (ii) reduzir o contributo da UE para as emissões de gases com efeito de estufa e a perda de biodiversidade, a nível mundial.

O Regulamento estipula um sistema de avaliação comparativa que atribui um nível de risco associado à desflorestação e degradação florestal (risco baixo, risco padrão ou risco elevado) a países dentro e fora da UE.

A categoria de risco determinará o nível das obrigações específicas dos operadores e das autoridades dos Estados-Membros no que diz respeito à realização de inspecções e controlos (aduaneiros), o que facilitará um acompanhamento reforçado para os países de alto risco (enquanto simplificará a diligência devida para os países de baixo risco).

É essa exigência de maior controlo que os países do Mercosul pretendem evitar e que as OSC subscritoras consideram que não pode ser sacrificado para facilitar o acordo comercial.

Paralelamente à Carta Aberta das OSC, a eurodeputada Anna Cavazzini, porta-voz para o comércio do Grupo dos Verdes/ALE e vice-presidente da Delegação do Parlamento Europeu para o Brasil declarou: “É inaceitável enfraquecer a implementação da lei da UE sobre cadeias de abastecimento livres de desflorestação”, afirmou. “A lei da UE contra a desflorestação importada é o instrumento mais importante contra a desflorestação da Amazónia e de outras áreas florestais e não visa restringir o acesso ao mercado de produtos brasileiros ou argentinos”, sublinhou.

Sabendo-se que os produtos cuja importação o acordo prevê, entre os quais carne de bovino, soja, etanol estão fortemente associados à desflorestação, é óbvio que uma classificação dos países do Mercosul como “de baixo risco” seria totalmente inaceitável. É lamentável que a política comercial da UE continue seriamente desalinhada com as políticas ambientais e climáticas.

 

De seguida reproduzimos a tradução da Carta Aberta enviada à Comissão Europeia.

 


 

Vice-Presidente Executivo Maroš Šefčovič

Vice-presidente executivo Valdis Dombrovskis

Comissário Virginijus Sinkevičius

Comissária Jutta Urpilainen

 

14 de Novembro de 2023

 

Assunto: Carta Aberta sobre o procedimento e os critérios para a “avaliação comparativa dos países” nos termos do Artigo 29 do Regulamento da UE sobre Desflorestação e o papel dos acordos comerciais

 

Caros Vice-Presidentes Executivos, Caros Comissários,

 

Nós, as organizações abaixo assinadas, apelamos à Comissão Europeia para que garanta a implementação correcta, transparente e imparcial da “avaliação comparativa dos países” prevista no Artigo 29.º do Regulamento da UE sobre Desflorestação (RDUE).

Nos termos do artigo 29.º do RDUE, a fim de proceder à avaliação comparativa dos países, a Comissão classifica os países (ou partes de países) em três categorias que reflectem o risco de os produtos de base relevantes produzidos nos seus territórios (e, por conseguinte, os produtos relevantes que contêm, foram alimentados ou foram fabricados com esses produtos) não cumprirem a norma de não desflorestação prevista no regulamento. Nos termos do artigo 29.º do RDUE, estas três categorias são de risco “elevado”, “baixo” ou “normal”.

O RDUE aplica-se aos operadores ou comerciantes que colocam ou disponibilizam mercadorias e produtos relevantes no mercado interno da UE, ou que os exportam a partir dele. A avaliação comparativa por país é uma caraterística inovadora do EUDR, que foi desenvolvida para facilitar a implementação e a aplicação do regulamento, indicando o risco associado às mercadorias relevantes devido ao seu país de produção.

Em particular, este sistema irá:

  • Para os operadores e comerciantes no mercado interno da UE, informar sobre a avaliação de risco que devem efectuar no cumprimento da sua obrigação de diligência devida para garantir aos consumidores europeus que os seus produtos não são objecto de desflorestação e cumprem a legislação do país de produção, incluindo a que protege os direitos humanos e os direitos de utilização dos solos. Determinará igualmente (no caso de “ commodities” produzidas em países ou partes de países de “baixo risco”) a possibilidade de efectuar uma diligência devida simplificada, tal como previsto no artigo 13;
  • Para as autoridades competentes, ter um impacto directo na identificação dos operadores, comerciantes e produtos relevantes que devem ser sujeitos a controlos (artigo 16.º do RDUE); (artigo 16.º do RDUE);
  • Para a Comissão Europeia e os Estados-Membros, orientar a cooperação com os países produtores, em particular exigindo que a Comissão “encete um diálogo específico com todos os países que são, ou correm o risco de ser classificados como de alto risco, com o objectivo reduzir o seu nível de risco” (artigos 29.º e 30.º do RDUE)”.

À luz do que precede, o RDUE estabelece claramente que a classificação dos países de baixo risco e de alto risco (ou partes deles) “deverá basear-se numa avaliação objectiva e transparente por parte da Comissão, tendo em conta os dados científicos mais recentes e as fontes internacionalmente reconhecidas” (n.º 3 do artigo 29.º, sublinhado nosso).

Em especial, o artigo 29.º, n.º 3, exige que a Comissão se baseie principalmente nos seguintes critérios:

  1. taxa de desflorestação e degradação florestal;
  2. taxa de expansão das terras agrícolas para “commodities” relevantes;
  3. tendências de produção de “commodities” e produtos relevantes.

Ao estabelecer um conjunto de critérios obrigatórios baseados em dados objectivos e quantitativos, que reflectem directamente o risco de que a produção de “commodities” num país (ou em partes do mesmo) possa estar ligada à desflorestação ou à degradação florestal, a lei visa garantir que a avaliação comparativa do país se baseie numa abordagem científica e verificável.

Neste contexto, estamos profundamente preocupados com o facto de a classificação no âmbito da avaliação comparativa dos países poder ser utilizada como instrumento de negociação para facilitar a conclusão de acordos comerciais. A este respeito, temos conhecimento de que representantes dos governos brasileiro e argentino solicitaram, no contexto das negociações do acordo comercial UE-Mercosul, que os países do Mercosul fossem incluídos na categoria de “baixo risco” como condição para a sua aprovação do acordo.

As organizações abaixo assinadas instam a Comissão Europeia a garantir que a avaliação comparativa dos países será realizada com base nos critérios claros, objectivos e científicos estabelecidos pelo RDUE, sustentada por um processo transparente, e que não será influenciada por considerações que, ao não contribuírem para reflectir fielmente o risco de desflorestação ou de degradação florestal num país produtor, prejudicariam o objectivo da lei de assegurar que os produtos colocados ou disponibilizados no mercado interno da UE, ou exportados a partir deste, cumprem a norma de não desflorestação e a legislação do país produtor, incluindo os direitos humanos e os direitos de utilização dos solos.

Alertamos também para as consequências que inevitavelmente adviriam, caso a Comissão se afastasse de tais critérios com o objectivo de facilitar a conclusão de um acordo comercial, como defendem alguns dos países que estão a negociar o acordo comercial UE-Mercosul:

  • A menos que seja cientificamente sólida, transparente e verificável, a avaliação comparativa por país revelar-se-ia pouco fiável e prejudicaria a avaliação dos riscos no âmbito da devida diligência dos operadores e comerciantes, que é um dos elementos fundamentais do RDUE. No pior dos casos, pode permitir a aplicação da devida diligência simplificado a “commodities” e produtos que deveriam, pelo contrário, exigir a total atenção dos operadores e comerciantes, à luz dos riscos de desflorestação, degradação florestal e ilegalidade e violação dos direitos humanos associados a um país produtor (ou partes dele);
  • As autoridades competentes não seriam capazes de concentrar os seus esforços de aplicação da lei onde estes fossem mais eficazes e necessários;
  • A cooperação da Comissão e dos Estados-Membros não seria dirigida para os países produtores que mais beneficiariam das parcerias da UE;
  • A UE pode vir a ser alvo de acções perante a OMC, devido às distorções comerciais injustificadas que podem resultar da aplicação de uma avaliação comparativa de países baseada em critérios políticos.

Por último, ao pôr em causa a eficácia do RDUE, a primeira lei a nível mundial a abordar a desflorestação, a UE comprometeria a credibilidade da sua política ambiental a nível nacional e internacional.

Apelamos a que V. Excelências garantam que o processo de avaliação comparativa dos países respeite rigorosamente os padrões de objectividade e transparência estabelecidos na lei e se baseie devidamente na aplicação dos critérios quantitativos definidos no nº 3 do artigo 29º do RDUE, tendo em conta as mais recentes provas científicas. É também da vossa responsabilidade assegurar que este processo seja protegido de quaisquer tentativas indevidas de minar ou enfraquecer a eficácia da lei.

 

Signatários:

Anders Handeln Austria

Attac Austria

ClientEarth

Coordinadora Estatal de Comercio Justo

Deutsche Umwelthilfe

Earthsight

Ecologistas en Acción, Spain

Ekumenická akademie, Czech Republic

Environmental Investigation Agency (EIA UK)

Envol Vert

Federación de Consumidores y Usuarios CECU, SPAIN

Fern

Friends of the Earth Europe

Forest Peoples Programme

Fundaciòn Vida Silvestre

Global Forest Coalition

Global Witness

Greenpeace European Unit

Heñói – Centro de Estudios – Paraguay

Human Rights Watch

Instituto Sociedade, População e Natureza – ISPN, Brazil

Mighty Earth

Milieudefensie

Rainforest Foundation Norway

Südwind, Austria

TROCA – Plataforma por um Comércio Internacional Justo, Portugal

Veblen Institute for economic reforms

Welthaus Graz, Austria

ZERO

 

(1) – Regulamento (UE) 2023/1115 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Maio de 2023, relativo à disponibilização no mercado da União e à exportação da União de certas “commodities” e produtos associados à desflorestação e à degradação florestal e que revoga o Regulamento (UE) n.º 995/2010, JO L 150 de 9 de Junho de 2023.

(2) – https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2023/06/governo-planeja-propor-a-ue-que-brasil-seja-considerado-de-baixo-risco-de-desmatamento.shtml; https://www.cnnbrasil.com.br/economia/em-resposta-a-ue-brasil-quer-blindagem-ambiental-e-flexibilidade-em-compras-publicas/ ; https://www.em.com.br/app/noticia/politica/2023/09/11/interna_politica,1559822/lula-pede-reuniao-com-chefes-de-estado-para-resolver-acordo-ue-e-mercosul.shtml ; https://www.gov.br/planalto/pt-br/assuntos/g20/pronunciamento-do-ministro-das-relacoes-exteriores-mauro-vieira-em-coletiva-de-imprensa-apos-a-cupula-do-g20 ; https://www.europapress.es/economia/macroeconomia-00338/noticia-argentina-presentara-nueva-propuesta-acuerdo-ue-mercosur-frenar-efectos-adversos-20230614133514.html