Foi uma longa caminhada até aqui chegarmos, mas é uma realidade: no passado dia 27 de Junho de 2024, a Presidente do Conselho da União Europeia, representado pela Presidência belga e agindo em nome da União, notificou por escrito o depositário do Tratado da Carta da Energia da retirada da União do TCE. De acordo com o artigo 47 parágrafo 2 do TCE, a retirada produzirá efeitos um ano após a recepção da notificação pelo depositário.
Com as decisões adoptadas em 30 de Maio de 2024, o Conselho da União Europeia deu luz verde final à saída da UE e da Euratom do Tratado da Carta da Energia, ao mesmo tempo que os restantes Estados-Membros poderão apoiar a sua modernização na votação na próxima Conferência da Carta da Energia.
Desde 2018 que a TROCA, em articulação com mais de 50 outras organizações europeias, se empenhou intensamente para que os países-membros e a União Europeia se retirassem do Tratado da Carta da Energia – o mais obsoleto e insano tratado ainda em vigor. Isto não só, por em plena crise climática proteger os combustíveis fósseis, como por dispor para isso do ISDS, a poderosíssima arma especial que permite aos investidores estrangeiros processarem estados em tribunais privados, evocando direitos alargados, consagrados nas cláusulas de tratados de investimento. Num “tribunal arbitral” constituído por três advogados do sector privado decide-se sobre as acusações de investidores privados contra governos soberanos, uma “justiça VIP” na qual os investidores estrangeiros pretendem obter compensação dos contribuintes por medidas tomadas a nível nacional, como leis, regulamentos e decisões judiciais, que podem até ser de acção climática.
Ao longo de seis anos, a TROCA participou em reuniões bissemanais com as organizações europeias parceiras, lançou uma petição que obteve mais de duas mil subscrições, realizou webinars, acções de rua, enviou inúmeros e-mails e cartas, publicou centenas de posts no site da TROCA e nas redes sociais, escreveu artigos para os meios de comunicação social, publicou brochuras, reuniu com dirigentes e participou em audições.
Agradecemos a todas as pessoas e associações que apoiaram esta maratona em Portugal, em especial à ZERO.
Olhamos agora para trás com uma enorme alegria, pois todo este trabalho de cidadania activa valeu a pena.
Em jeito de retrospectiva, aqui deixamos os principais marcos do processo político deste longo percurso até à saída de Portugal do TCE:
– Março de 2021: Três projectos de resolução na AR recomendam ao Governo que rejeite o TCE na sua forma actual
– Junho de 2022: Apelo à saída de Portugal do TCE na AR
– 18 de Julho de 2023: Ministro do Ambiente e da Acção Climática, Duarte Cordeiro, anuncia a saída de Portugal do Tratado da Carta da Energia (TCE), afirmando: Portugal “já tomou a decisão” e iniciou o processo de denúncia.
– 7 de Setembro 2023: aprovação, pelo Conselho de Ministros, da Proposta de Resolução (nº19/XV/2ª), na qual o Governo propõe à Assembleia da República: Aprovar, para ratificação, a denúncia, pela República Portuguesa, do Tratado da Carta da Energia incluindo anexos, decisões e Ata Final, e o Protocolo da Carta da Energia Relativo à Eficiência Energética e aos Aspetos Ambientais Associados, assinados em Lisboa, em 17 de dezembro de 1994.
– 26 de Setembro de 2023: o diploma baixa para discussão à Comissão de Negócios Estrangeiros e Comunidades Portuguesas da Assembleia da República, a qual emitiu um parecer favorável à denúncia pela República Portuguesa, referindo estar aquela decisão “em consonância com a proposta de Decisão do Conselho apresentada pela Comissão Europeia no dia 7 de Julho de 2023”. A 24 de Outubro, a proposta de resolução foi aprovada pela mesma Comissão.
– 30 de Novembro 2023: a Assembleia da República, na sua última reunião plenária, ratifica a Denúncia do TCE por Portugal, com o voto favorável de todos os partidos, à excepção do PSD, que se absteve.
– 10 de Janeiro de 2024: Assembleia da República Aprova, para ratificação, a denúncia, pela República Portuguesa, do Tratado da Carta da Energia incluindo anexos, decisões e ata final, e o Protocolo da Carta da Energia Relativo à Eficiência Energética e aos Aspetos Ambientais
– 10 de Janeiro de 2024: A Presidência da República Ratifica a denúncia, pela República Portuguesa, do Tratado da Carta da Energia, incluindo anexos, decisões e ata final, e o Protocolo da Carta da Energia Relativo à Eficiência Energética e aos Aspetos Ambientais Associados, assinados em Lisboa, em 17 de dezembro de 1994
– 2 de Fevereiro de 2024: Notificação da saída de Portugal do TCE
A saída terá efeito um ano após a notificação, ou seja, a partir de 2 de Fevereiro de 2025, momento em que Portugal não só deixará de ser parte do TCE, como deixará de ser Depositário do mesmo.
Foi um caminho de altos e baixos, com momentos de desalento, como quando, em Junho de 2022 e após 3 anos de negociações, os países signatários chegaram a um “acordo provisório” para uma fracassada “modernização” do TCE, e momentos de enorme alegria por cada país que ía anunciando a sua saída ao longo de 2022 e 2023.
Portugal contribuiu para chegarmos a esta vitória por um futuro mais verde e mais justo!
Alguns países europeus insistem em manter-se no tratado e o Secretariado não desiste de tentar que países em desenvolvimento se submetam a este dinossauro. Mas a saída da UE tirou-lhe o principal fôlego. Que termine de vez, são os votos da TROCA, a bem do planeta e das pessoas!