
TTIP
Acordo de comércio e investimento entre a União Europeia e os EUA.
O TTIP é o Acordo de Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento (em inglês: Transatlantic Trade and Investment Partnership de onde vem a sigla por que é conhecido). É um acordo entre a UE e os Estados Unidos, e apesar das negociações estarem de momento suspensas, existem movimentações para que retomem.
A Plataforma TROCA considera o TTIP um acordo muito pernicioso, pois ataca a Democracia, o Sistema de Justiça, o Ambiente, os Direitos Humanos, os Direitos Laborais, a equidade social, os Serviços Públicos, a Saúde Pública, o bem-estar animal, entre outros valores essenciais. Na verdade, foram as expectativas aterradoras por parte de várias associações da sociedade civil face à possibilidade de implementação deste acordo que deram origem a esta Plataforma no final de 2014.
Apresentamos de seguida um conjunto de textos publicados no Público sobre os impactos do TTIP no nosso país.
Ameaças e oportunidades do TTIP para Portugal
Não há ideias consensuais sobre o tratado. Os receios de aumento do desemprego ou de uma menor exigência na segurança alimentar convivem lado a lado com as vantagens económicas de maior abertura de um dos mais apetecíveis mercados do mundo.
Menos privacidade e menos segurança à mesa
Dos alimentos geneticamente modificados aos frangos lavados com uma solução à base de cloro e à proliferação de carnes com excesso de hormonas e antibióticos, alguns dos quais tidos como responsáveis pelo aumento do risco de cancro nos humanos; no que toca ao consumo e à saúde pública, o avanço do Acordo de Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento (TTIP) fez soar as campainhas de alarme mais alto do que nunca. Exagero? A Direcção-Geral de Saúde escuda-se no desconhecimento das negociações curso para se escusar a avançar com uma opinião, mas os documentos que foram tornados públicos bastaram para desencadear uma enxurrada de críticas à escala internacional, muito baseada no que se conhece das práticas norte-americanas relativas à segurança alimentar e ambiental. Efectivamente, os regulamentos norte-americanos são menos rigorosos do que os europeus, com estimativas que apontam para o facto de, nas prateleiras dos supermercados norte-americanos, cerca de 70% dos alimentos processados conterem ingredientes geneticamente modificados. Do mesmo modo, os EUA são muito menos restritivos do que os europeus no que toca ao uso de pesticidas químicos, fertilizantes e hormonas de crescimento nos animais destinados ao consumo humano. “Se o acordo avançar nos moldes que foram tornados públicos, a segurança alimentar dos europeus deixa de estar devidamente acautelada”, opina Ana Tapadinhas, directora-geral da associação de defesa dos consumidores DECO. “Nos Estados Unidos, a segurança alimentar é baseada no princípio da presunção de que os alimentos não apresentam qualquer risco, enquanto na Europa vigora o princípio da precaução”, especifica, lembrando ainda que nos EUA “até na indústria cosmética estão autorizados produtos químicos que são proibidos na Europa”.
Mas o impacto do TTIP não se deverá restringir à mesa. No campo dos direitos dos consumidores, Ana Tapadinhas antecipa uma perda de privacidade dos cidadãos europeus. “Na Europa, a privacidade é vista como um direito fundamental dos cidadãos, com sanções elevadas em caso de incumprimento, mas nos Estados Unidos a privacidade só existe em áreas limitadas como a internet, a saúde e a protecção de menores. Nesse sentido, os consumidores ficarão muito mais desprotegidos”, conclui, entre críticas à “total falta de transparência” das negociações em curso.
Fonte: Natália Faria
Indústria alimentar entre o “sim” e o “não”
Não faltam questões sensíveis no acordo de comércio entre a União Europeia e os Estados Unidos no que toca à agricultura e à produção de alimentos. E em cima da mesa estão, fundamentalmente, dois pontos: a abolição de tarifas alfandegárias e redução de barreiras não tarifárias (que incluem, por exemplo, as questões sanitárias, entre elas, o polémico uso de transgénicos e hormonas). Para a indústria alimentar portuguesa, a abolição de taxas alfandegárias será uma má notícia para o sector do tomate, que enfrentará um gigante mundial nesta produção, mas no vinho, no azeite e no queijo há, pelo contrário, “interesses ofensivos”, como diz a Federação das Indústrias Portuguesas Agro-alimentares, referindo-se aos casos em que há “boa produção” nacional e vontade de reforçar as exportações. Hoje, os vinhos portugueses só entram no mercado norte-americano através de um importador local que, no entanto, não tem autorização para o distribuir.
Nos produtos em que os Estados Unidos são altamente competitivos antecipam-se maiores dificuldades com a liberalização do comércio. No caso do tomate, o sector começou desde cedo a alertar para os impactos nefastos do TTIP: se as actuais taxas alfandegárias de 14,4% sobre os produtos de tomate desaparecerem, como está previsto, metade da indústria da UE também desaparece. Portugal é o quarto exportador mundial de tomate de indústria e exporta 95% da produção. A Associação dos Industriais do Tomate estima que, por cá, “a percentagem [de queda de negócio] possa ser ligeiramente inferior” aos 50% previstos a nível europeu.
Outro dos temas em negociação prende-se com as Indicações Geográficas Protegidas (IGP) nos produtos característicos da UE. Quando um consumidor compra queijo com este selo, por exemplo, sabe que o produto foi fabricado naquela região específica. Os Estados Unidos usam designações como “parmesão” ou “feta” mesmo quando o produto não foi fabricado no país de origem e não é exactamente igual. Bruxelas tem defendido que a origem do produto tem de ser clara e que o nome não pode ser usado na língua original.
Em 2015, e fruto dos problemas económicos de Angola (que era até o ano passado o principal cliente nacional fora da UE), as vendas de produtos agrícolas para os Estados Unidos cresceram 47% de 32 milhões, para 47 milhões de euros. O país de Obama tornou-se, aliás, no principal destino das exportações nacionais extra-comunitárias. Entre os bens alimentares, destacou-se o leite e os lacticínios, que passaram de vendas de 3,4 milhões para 13,5 milhões de euros, ou seja, perto de 300% de aumento. Por seu lado, Portugal compra, sobretudo, oleaginosas e cereais, fundamentais para a alimentação animal.
Fonte: Ana Rute Silva
Calçado e têxtil na expectativa
Em termos globais, os Estados Unidos da América já são o quinto maior mercado de destino das exportações nacionais, numa altura em que ainda há um conjunto de limitações em termos de direitos alfandegários e aduaneiros. As expectativas acerca da implementação deste acordo tem vindo a ser alimentada com algumas cautelas, como disse Paulo Nunes de Almeida, presidente da Associação Empresarial de Portugal. Primeiro, porque os detalhes do acordo nunca foram muito conhecidos, e segundo, porque nunca houve a “utopia de pensar que num acordo desta natureza se poderia esperar reciprocidade total nos dois sentidos”. “É tudo uma questão de nivelamento, que, para nosso bem, esperamos que não seja feito demasiado por baixo, porque as empresas europeias cumprem regras mais restritivas de produção do que as americanas”, afirmou.
Porém, as expectativas existem, porque cedo foi identificado que em comparação com outros estados membros da União Europeia, Portugal será um dos países que poderá retirar maiores benefícios, e mais rapidamente, com a redução das barreiras alfandegárias. O facto das exportações portuguesas estarem concentradas em sectores que beneficiarão, de forma imediata, com a eliminação de direitos de importação é uma das principais razões para esse cenário optimista. Estamos a falar de sectores como os têxteis e vestuário, que representam 15,5% das exportações portuguesas para os Estados Unidos da América (e 2,4% das exportações da UE) e estão sujeitos a direitos aduaneiros de 8,8%. E mais ainda, o sector do calçado, onde as tarifas para os EUA são particularmente elevadas. Num estudo encomendado pela Fundação Luso Americana de Desenvolvimento (FLAD) pode ler-se que, num cenário de execução plena, o TTIP poderá provocar um acréscimo de 0,57% a 0,76% no PIB nacional.
Fonte: Luísa Pinto
Energia: um dos dossiês mais difíceis
O facto de ter sido Bruxelas a insistir desde o início que o TTIP tivesse um capítulo autónomo dedicado à energia ilustra bem a importância que a Europa atribui à garantia de acesso ao petróleo e, em particular, ao gás natural norte-americano.
A Europa importa metade da energia que consome e depende em larga escala do gás russo que, como já se viu no passado, Moscovo não tem hesitado em utilizar como arma geopolítica. Assim, o acesso a uma fonte energética alternativa é visto como decisivo para a segurança do abastecimento, mas também por poder contribuir para reduzir os preços do gás russo.
A energia só foi incluída no TTIP em Dezembro, coincidindo com o fim da proibição com 40 anos de os Estados Unidos exportarem petróleo e gás (o primeiro carregamento de gás de xisto norte-americano para a Europa chegou no mês passado ao porto de Sines).
O tema está longe de ser consensual e muitos vêem-no como um passo atrás numa Europa que tem metas claras de descarbonização da economia e de energias renováveis. Os críticos lembram que os Estados Unidos sempre argumentaram que a Europa limitou o seu próprio crescimento económico com uma política ambiental demasiado restritiva. Por isso temem que a harmonização de regras entre os dois blocos crie espaço para que a legislação europeia acolha as reivindicações das multinacionais norte-americanas, enchendo o mercado europeu de produtos e serviços com padrões diferentes dos que têm sido seguidos.
A possibilidade de exploração das reservas europeias de gás de xisto por operadores norte-americanos através da fracturação hidráulica (o fracking, que não está regulamentado em muitos Estados, como Portugal) é um dos pontos mais polémicos.
A discussão ainda agora começou e não se espera que haja conclusões antes de dois, três anos. Certo é que a energia, que foi o último dossier a entrar para o TTIP, será certamente um dos mais complexos.
Fonte: Ana Brito
Sector automóvel vai esperar para ver
Para o sector automóvel português, os EUA são um mercado com pouca expressão, em parte fruto de um outro acordo comercial: o NAFTA, assinado pelos Estados Unidos, pelo México e pelo Canadá, e que fomenta as transacções entre estes países. No primeiro trimestre deste ano, nenhum carro feito em Portugal foi vendido para os EUA, segundo números da Associação Automóvel de Portugal. Já no que diz respeito aos componentes, as transacções são residuais: em 2015, só 3% das exportações foram para os países da América do Norte e México.
“Historicamente, o mercado norte-americano é maioritariamente dominado pelos grandes construtores locais, que desenvolveram a sua base de fornecedores dentro do país ou dentro do espaço NAFTA. A localização geográfica de Portugal, com o consequente agravamento do custo logístico, dificultou o desenvolvimento de uma relação comercial e industrial forte entre os grandes construtores de automóveis norte-americanos e a nossa indústria de componentes”, explica Adolfo Silva, da Associação de Fabricantes para a Indústria Automóvel, que representa cerca de 200 empresas.
A nível europeu, os representantes do sector vêem o TTIP com bons olhos. A Associação Europeia de Fabricantes Automóveis estima que a abolição de tarifas permitiria aumentar a exportação para os EUA de automóveis e componentes feitos na Europa em 149% entre 2017 e 2027. Em Portugal, opta-se por esperar para ver: “Reservamo-nos para uma posição mais esclarecida logo que haja melhor entendimento de todos os detalhes deste acordo”, ressalva Adolfo Silva. Acrescenta, no entanto, que “toda a harmonização de regulamentação entre Europa e EUA que leve a standards únicos é benéfica para o sector e para o utilizador final, com potencial reflexo na redução de custos e, consequentemente, na redução de preços ao público”.
Fonte: João Pedro Pereira
Receios de retrocesso no emprego
De um lado, a promessa de mais emprego e de melhores salários. Do outro, dúvidas e muitos receios de que, ao mesmo tempo se reduzem os entraves às trocas comerciais entre os Estado Unidos e a União Europeia, se esteja a abrir a porta à redução de um conjunto de direitos que fazem parte do “código genético” europeu.
Nos primeiros estudos divulgados pela Comissão Europeia, apontava-se para a criação de dois milhões de postos de trabalho no espaço europeu num período de cinco anos após a entrada em vigor do tratado. Mas a própria Comissão já veio admitir que é esperado um choque inicial em determinados sectores, que poderá levar à sua reestruturação e a um aumento do desemprego.
Apesar de a informação ser escassa sobre o real conteúdo do que está a ser negociado entre a Europa e os Estado Unidos, também para Portugal as previsões são optimistas. Um estudo elaborado com o apoio da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento e da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa antecipa que o TTIP possa traduzir-se em mais 23.000 a 40.000 postos de trabalho.
Do lado dos sindicatos, mais do que “as falsas promessas” de um aumento dos postos de trabalho, preocupa-os “a diminuição dos direito laborais e dos salários e o aumento da precariedade”, como destaca Augusto Praça, o dirigente da CGTP que acompanha o tema.
A preocupação apoia-se no que se conhece da proposta de acordo que, em matéria de direitos laborais, apenas fala na obrigação das partes se comprometerem a promover o trabalho decente e a aplicação dos padrões estabelecidos nas convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Os estudos que existem, alerta Catarina Tavares, secretária internacional da UGT, “ou são exageradamente optimistas ou exageradamente pessimistas”. “O que realmente nos preocupa é o receio da americanização do mercado de trabalho e a liberalização”, adianta, acrescentando que tem de ficar assegurado que os Estados possam continuar a implementar as suas leis laborais e de ficar assente um calendário para a aplicação das convenções da OIT. “Sobretudo, tem de haver instrumentos de controlo e que façam as partes cumprir os princípios da OIT e as directrizes das multinacionais”, reforça.
Fonte: Raquel Martins
Privatização da resolução dos conflitos
A forma como o acordo de livre comércio transatlântico quer resolver os conflitos que surgirão no seu seio é um dos aspectos mais polémicos desta negociação, com várias vozes a alertarem para o perigo de tirar esses litígios do escrutínio dos tribunais e de colocá-los nas mãos de simples árbitros.
A fuga de informação que permitiu à Greenpeace publicar numerosa documentação relativa às negociações do acordo vem provar que a União Europeia aceitou adoptar o chamado ISDS (Mecanismo de Resolução de Conflitos Investidor-Estado) a este tratado, deixando a resolução dos conflitos, que muitas vezes colocam grandes multinacionais contra Estados, nas mãos de três árbitros escolhidos pelas partes especificamente para resolver cada problema que surge.
As dúvidas suscitadas por esta opção são muitas: escolher os juízes árbitros em função do litígio pode manchar a ideia de independência e imparcialidade dos escolhidos, além disso, a experiência de outros Estados que assinaram acordos de comércio similares com os Estados Unidos não ajuda. No âmbito do Tratado Norte-Americano de Livre Comércio assinado entre o Canadá, o México e os Estados Unidos, o Canadá já foi várias vezes alvo de processos por parte de grandes empresas norte-americanas. “Bastará às empresas provarem que tinham legítimas expectativas de lucros que desapareceram em virtude de alterações legislativas, para os Estados as terem de indemnizar!”, insurge-se o advogado Teixeira da Mota, num artigo publicado há dias no PÚBLICO.
A coordenadora executiva do Observatório Permanente da Justiça Portuguesa, Conceição Gomes, mostra-se “muito preocupada” com a proliferação de sistemas de regulação privados, que não estão sujeitos a qualquer fiscalização dos cidadãos e dos parlamentos. “É uma tendência que se nota em muitas áreas”, constata a socióloga. Conceição Gomes diz haver uma enorme pressão para utilizar sistemas de justiça privados para regular os conflitos, quer internacionais quer internos, que envolvem contratos avultados e lembra que, em Portugal, “a própria demora dos tribunais pressiona nesse sentido”. “Transferir a resolução de conflitos para a arbitragem ou para entidades privadas condiciona fortemente os Estados na condução da causa pública”, considera.
Fonte: Mariana Oliveira