O TPP (Tratado Transpacífico), que foi assinado no passado dia 5 de outubro entre os Estados Unidos e 11 países (Austrália, Brunei, Canada, Chile, Japão, México, Malásia, Nova Zelândia, Peru, Singapura e Vietname) e que a presidente do Chile, Michelle Bachelet, está prestes a ratificar, não é mais do que um passo em direção a uma nova ordem económica mundial onde as grandes potências económicas agem com toda a impunidade e gozam de um poder sem limite.
Em 1998, quando David Korten escreveu “Quando as multinacionais governam o mundo”, podia-se já adivinhar a situação precária em que iríamos viver alguns anos depois, situação que só tem vindo a piorar. No seu livro. D. Korten, explica que “assistimos a uma transformação intencional e voluntária que visa estabelecer uma nova ordem económica mundial na qual o comércio internacional não conhecerá fronteiras nem nacionalidades… Esta ordem é estimulada pela sede de poder, à escala mundial, de grandes empresas, de governos desdenhosos, e é encorajada por uma cultura comum de consumo e um compromisso ideológico com o liberalismo económico”. Neste contexto, o autor esclarece que “os protestos e as queixas quanto às restrições de acesso aos mercados externos serão rapidamente examinados e resolvidos por instâncias de arbitragem supranacionais”.
Relembra também que os dirigentes políticos apenas propõem soluções obsoletas e ineficazes, como por exemplo, o estímulo ao crescimento económico através da desregulação, redução de impostos, supressão de barreiras comerciais, aumento do número de subsídios concedidos, imposição de continuar a trabalhar para os reformados, manutenção da repressão policial e construção de novas prisões. Na sua perspetiva, encontramo-nos perante uma “crise de controlo governamental provocada pela convergência de forças ideológicas, políticas e tecnológicas na sequência de um processo de globalização económica que transferiu o poder de governos preocupados com o interesse geral para empresas institucionais e financeiras que têm um único objetivo: obter benefícios económicos a curto prazo”. Todo este processo rege-se pelo seguinte princípio: os cidadãos já não têm o direito de gerir as suas políticas económicas em função do interesse público e, por seu lado, o governo deste responder às necessidades do empresariado global.
Estas observações foram feitas há 20 anos. O autor denunciava então o império dos mercados económicos, a tirania das multinacionais, a perda de soberania assim como o desaparecimento da democracia política em benefício da “liberdade de escolha” de Milton Friedman: podemos eleger o candidato mas não podemos interferir no programa político do governo; de fato, querer escolher qualquer projeto político que entre em contradição com as orientações impostas pelas multinacionais é completamente proibido e fortemente reprimido.
Num artigo publicado no El Clarin (26/10/2015), Paul Walder afirma que este acordo “é o culminar de numerosos tratados de livre comércio firmados durante os últimos 10 anos e permite aos Estados Unidos defender os interesses das suas empresas e fazer concorrência à China”. Por outro lado, o TPP pretende coadunar-se com o TTIP (Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento) que está a ser negociado entre os Estados Unidos e a Europa.
Estas negociações à porta fechada que se desenrolam na presença do lobby das multinacionais alimentam e inspiram receios. Joseph Stiglitz, economista de renome, concedeu uma entrevista ao diário The Vancouver Sun, em outubro passado. Nessa entrevista afirma explicitamente “que se trata de um acordo que acarretará consequências negativas para os cidadãos dos países signatários enquanto que as multinacionais, empresas farmacêuticas incluídas, lucrarão todas”, uma vez que “o respeito das regras relativas ao ambiente, à segurança, à economia e à saúde não faz parte do rol das suas preocupações”. O economista deixou transparecer a sua preocupação no que se refere ao acesso aos medicamentos genéricos que será cada vez mais limitado e difícil, sobretudo para as camadas mais pobres.
Numerosas organizações que se opõem à assinatura do TPP chamaram a atenção para a tentativa das multinacionais, como a misteriosa Monsanto, de voltar a por em cima da mesa a vontade de aprovar a Convenção UPOV 91 que pretende privatizar as sementes. Graças à pressão da opinião pública sobre as várias instituições políticas, esta convenção não foi ratificada em 2014 e nunca mais voltou a ser discutida nos parlamentos. Contudo, neste momento, se o TPP for ratificado, a multinacional Monsanto poderá bem atingir o seu objetivo e impedir a livre utilização de sementes, reunindo todas as condições para a expansão e o cultivo em massa de transgénicos.
Infelizmente esta situação é bem o reflexo da realidade… Basta tomar como exemplo a Colômbia que, em 2013, denunciou a impossibilidade dos camponeses guardarem as suas próprias sementes, após a entrada em vigor do tratado de livre comércio com os Estados Unidos, só podendo comprar sementes “certificadas” à Monsanto e à Dupont.
Estes receios não são infundados: as empresas que reúnem toda a produção de sementes e plantas transgénicas à escala mundial não são muito numerosas; Monsanto é a principal e detém 80% do mercado, seguida de Aventis (7%), Syngenta e BASF (cada uma com 5%) e Dupont (3%). O clima de inquietação decorre da tendência geral para adotar este tipo de agricultura e como estas empresas produzem 60% dos inseticidas e 23% das sementes comerciais, pode-se considerar que, a curto prazo, a segurança alimentar no mundo ficará nas mãos deste número reduzido de multinacionais.
No que diz respeito à autonomia dos governos para decidir as suas políticas económicas, Heribert Dieter afirma que os países signatários do TPP comprometem-se a não tomar medidas de alteração de políticas; ficarão, portanto, sem qualquer margem de manobra. Exceto a permissão de fazer algumas modificações bem definidas, não é admitida qualquer medida que possa ter influência sobre o valor externo de uma moeda. Assim, os países signatários ver-se-ão privados de um instrumento de política económica essencial, sobretudo para os países emergentes e em vias de desenvolvimento. Uma vez o TPP em vigor, os bancos centrais já não poderão lutar contra a sobrevalorização das moedas, como foi o caso na América Latina após a flexibilização monetária agressiva dos Estados Unidos, que dura desde 2008.
Este novo tratado será francamente mais exigente e radical no que diz respeito ao comércio internacional e complica ainda mais a situação dos países pobres e precarizados. Vai ser menos um obstáculo para os investidores estrangeiros e para os monopólios da saúde, entre outros. Para além disso, todos os setores obedecerão à mesma lógica de privatização e de desregulação: da agricultura aos serviços e aos investimentos, passando pelas políticas públicas, normas ligadas à transparência, medidas de resolução de conflitos, normas ambientais e relativas ao trabalho, propriedade intelectual, …
Como Ana Romero Caro sublinha, os membros do TPP fizeram pressão, desde o princípio, para incluir no tratado medidas que já tinham sido recusadas aquando de negociações anteriores sobre outros tratados com o Peru. O mesmo se passou com o Chile: este já tinha recusado a Convenção UPOV 91 (privatização das sementes e difusão dos transgénicos) mas, como se pode verificar, estas medidas são reintegradas no TPP.
Como D. Korten anunciou há 20 anos, o processo que se tem vindo a instalar há 50 anos tem, sobretudo, como objetivo proteger os investidores estrangeiros em prejuízo da população local e das nações soberanas. Aliás o TPP prevê um mecanismo de resolução de diferendos entre investidores e Estados: este mecanismo permitirá que os investidores levem os Estados a tribunais internacionais sem passar pelo sistema jurídico local. Não é uma novidade já que a possibilidade já existia (prevista noutros tratados de comércio livre assinados entre os países latino-americanos e os Estados Unidos) de apelar ao Centro Internacional para a resolução de conflitos relativos a investimentos ou à Comissão das Nações Unidas para o direito comercial (UNICTRAL).
Segundo Mariano Turzi, o TPP será determinante na medida em que a sua consolidação ou o seu bloqueamento definirá, em grande parte, o futuro da integração regional dos países latino-americanos. M. Turzi explica que o TPP desempenhará um papel importante ao dividir a região entre Este e Oeste, o Pacífico e o Atlântico. Numa época marcada pelo capitalismo “super-globalizado”, o TPP trará alterações que tocam aos setores de produção e à localização de atividades económicas, o que irá influenciar os preços e os custos relativos à produção e arrastará o desaparecimento de certas indústrias que serão substituídas por outras. Dadas as características institucionais impostas pelo TPP, só nos resta a perspetiva de precarização do trabalho e o aumento das desigualdades. Quanto às multinacionais elas usufruirão de mais poder e verão reforçada a sua posição de líderes. Para além disso, o TPP aumenta a fratura política entre a Aliança do Pacífico (AP) e o Mercado Comum do sul (Mercosul). Sabemos já que a AP é mais pragmática nas suas políticas, mais atraída pela abertura comercial, mais liberal quanto a medidas financeiras e mais influenciada pelos interesses dos Estados Unidos.
Para os ricos que dirigem o Chile (entenda-se as sete famílias proprietárias do país) ser membro do TPP é uma oportunidade de ouro para se tornarem mais ricos e poderosos. Aliás, como realça Felipe Lopeandia, fazer parte de um sistema económico que reúne 40% do PIB mundial e que conta entre os seus membros duas das três economias mais importantes do mundo (Estados Unidos e Japão) constituí um fator de conveniência para um país exportador de produtos primários, como é o Chile. Isto permite-nos destrinçar mais claramente as características da classe dominante que encarna o poder político. M. Bachelet e a sua “nova maioria ex-concertação” está precisamente ao serviço das multinacionais e dos interesses dos americanos; a presidente está longe de se preocupar com o bem-estar do povo chileno.
Todas estas informação permitem-nos compreender as declarações publicadas no El Clarin a 9 de junho de 2015: de acordo com este diário, o Chile figura entre os países que irão assinar um outro acordo secreto conhecido sob o acrónimo inglês TISA (Acordo sobre as transações de serviços). Este cobre todos os setores: telecomunicações, comércio eletrónico, serviços financeiros, seguros, transportes, … O TISA acarretará, portanto, consequências ainda mais graves para os interesses locais que o TPP.
« Mira lo que han hecho de ti mi país » é uma canção escrita por Isabel Parra (filha de Violeta Parra) na época da ditadura. É forçoso reconhecer que o Chile e hoje um país muito diferente: segue um modelo social e político que favorece excessivamente o reforço do capitalismo e, portanto, eleito pelas multinacionais como modelo perfeito. Este modelo de “paz social” (entenda-se modelo de submissão e subjugação) é inconcebível se tivermos presente que o Chile se bateu com tanta vontade e determinação contra uma feroz ditadura militar. Hoje esta nação tornou-se um ninho para o capitalismo selvagem e são inúmeros os países que lhe seguem as pegadas deixando, assim, surpreendidos e horrorizados os milhares de homens e mulheres que conseguiram manter-se conscientes perante o desenrolar dos acontecimentos.
Perante acordos comerciais como o TPP, o Chile aproxima-se mais do modelo que exalta o individualismo excessivo e o capitalismo em massa e ilimitado. Este tipo de acordos pressagia tempos difíceis, para o Chile e para a humanidade em geral, com novas formas de escravatura e novos negreiros que ameaçam o futuro dos povos.
Muito embora o TPP, o TISA e todos os acordos comerciais do género provoquem novas vítimas e criem novas dificuldades, terão também, como consequência indireta, o fortalecimento da luta social e darão lugar a novas revoluções. Para aqueles que como nós são testemunhas desta situação desastrosa, é imperativo lutar contra a corrente com a certeza que a emergência de uma nova consciência permitirá um dia o estabelecimento de uma ordem que se centre em mais justiça entre os homens e mais respeito pela natureza.
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Marcel Claude
Fonte : Le Journal de Notre Amérique, Investig’Action
La source originale de cet article est Le Journal de Notre Amérique, Investig’Action
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