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Falar sobre o CETA em Portugal- mas a sério

Falar sobre o CETA em Portugal- mas a sério

Falar sobre o CETA em Portugal- mas a sério

Aprovado que foi o acordo de comércio livre entre a União Europeia e o Canadá (CETA) pelo Parlamento Europeu no passado dia 15 de Fevereiro, irá entrar em vigor muito em breve – provavelmente a partir de 1 de Abril – a parte do acordo que é da “competência exclusiva da UE”. Atendendo a que se trata de um “acordo misto” – classificação arrancada à força à Comissão, que insistia no “EU only” -, é agora a vez dos 38 parlamentos nacionais e regionais da UE ratificarem o acordo. O governo português está mortinho por fazê-lo até ao verão, em conluio com os partidos da ex-PAF, chumbando, de cada vez que são apresentados, projectos de resolução do BE, do PCP  e do PEV contra o CETA.

Sendo irrisório o número de portugueses que têm conhecimento do CETA, a Plataforma Não ao Tratado Transatlântico vem, há anos, exigindo a realização de debates e a divulgação do acordo por parte dos media e do governo. Pois bem, eis a grande e rara oportunidade de alguns habitantes de três cidades do país ouvirem falar no assunto, no âmbito dos debates que o governo vai realizar, a saber:

– em Lisboa, no dia 23 de Março, terá lugar primeiro um “Diálogo com os cidadãos” das 12h00 às 13H30, na Sala dos Espelhos do Palácio Foz, com a proeminente presença da comissária europeia do comércio internacional, Sra. Malmström, e com Margarida Marques, Secretária de Estado dos Assuntos Europeus (inscrição necessária, aqui: https://ec.europa.eu/portugal/registration_2_pt ) e em seguida o debate do governo, no mesmo dia e local, às 14h30 (inscrição necessária, por email: gabinete.seaeur@mne.gov.pt

– no Porto, no dia 5 de Abril, às 17h00, na Associação Empresarial  de Portugal, e

– em Leiria, no dia 11 de Abril, às 17h00, na Associação Empresarial da Região de Leiria (NERLEI).

Portanto, cidadãos em Lisboa, se o horário laboral permitir, é de ir ao Palácio Foz no dia 23 de Março. É de ir e perguntar porque havemos nós, cidadãos, de pagar os custos de funcionamento de um tribunal de resolução de litígios de investimento (Investor Court System, ICS) exclusivamente destinado a dar a investidores estrangeiros a possibilidade de processarem os estados, exigindo indemnizações astronómicas quando considerarem que legislação em prol do ambiente ou dos cidadãos vai prejudicar as suas “legítimas expectativas de lucros”.

O ICS contido no CETA é melhorzinho que o anterior ISDS (Investor-state dispute settlement)? Sim, é, mas apenas no que toca a alguns aspectos processuais; a questão fundamental que se coloca é a da legitimidade de um sistema judicial especial para investidores estrangeiros, superior aos tribunais nacionais, quando os países da UE e o Canadá são estados de direito com sistemas judiciais nacionais seguros. Paralelamente, os direitos dos cidadãos e a defesa do ambiente vão ficar entregues a declarações sem robustez jurídica.

Saibam, entretanto, que até o ex-ministro da economia alemão, Sigmar Gabriel, um acérrimo defensor do acordo, foi obrigado a conceder que os proveitos económicos deste acordo serão mínimos, passando então a alegar como superior motivo para a sua concretização a importância normativa do acordo (os mais elevados standards de sempre num acordo comercial). Mesmo os estudos mais optimistas da UE, que se baseiam em suposições pouco realistas, como o pleno emprego e a ausência de efeitos negativos sobre a distribuição de rendimento, apenas prevêem um crescimento máximo de 0,08% para a UE.

Quanto aos efeitos para o emprego, a Comissão do Emprego e dos Assuntos Sociais do Parlamento Europeu afirma no seu parecer: “no que diz respeito à criação de emprego digno, dados empíricos com base em modelos do mundo real apontam, na melhor das hipóteses, para um aumento global marginal do emprego na União não superior a 0,018% ao longo de um período de execução de 6 a 10 anos. Além disso, estudos recentes baseados nesses modelos mais realistas prevêem perdas de emprego reais de 204 mil postos em toda a UE, incluindo 45 mil na França, 42 mil em Itália e 19 mil na Alemanha.”

A comissão europeia e o governo português afirmam também que o CETA vai beneficiar as PME; ora dos 21 milhões de PMEs da UE, apenas 600 mil exportam para fora do mercado interno europeu. Em contrapartida, as PME vão ficar expostas à concorrência do poder de mercado das multinacionais, não só canadenses, mas também dos EUA, já que basta a existência de uma delegação no Canadá para estas terem acesso ao mercado e ao direito de processar Estados através do ICS.

Ou seja, se o CETA trouxer vantagens, tudo indica que serão mínimas. E é alegando essas hipotéticas vantagens mínimas que nos deixamos enredar nas garras das multinacionais via ICS e aceitar as ameaças aos nossos standards?

Durante o debate, preparem-se também para um truque muito em moda e que foi extensivamente usado por Pedro Mota Soares do CDS durante o debate requerido pelo BE sobre o CETA, realizado no passado dia 17 de Março de 2017 na AR: quem é contra o CETA, é populista, proteccionista, é amigo da Le Pen & co. É esse, de momento, o pseudo-argumento dilecto para polemizar e fazer perder tempo; por isso, se intervir, vale a pena começar por dizer que não defende o proteccionismo, nem é contra o comércio internacional. Comércio internacional sim, mas para benefício das pessoas, não das multinacionais. Nas palavras de Piketty:

“Não deveriam ser assinados mais acordos internacionais que reduzam os direitos aduaneiros e outras barreiras comerciais sem que sejam incluídas medidas quantificadas e vinculativas para combater o dumping fiscal e climático nesses mesmos tratados. (…)

Deste ponto de vista, o CETA, o acordo de comércio livre UE-Canadá, deve ser rejeitado. É um tratado que pertence a outra era. Este tratado estritamente comercial não contém absolutamente nenhuma medida restritiva em matéria fiscal ou climática. Faz, porém, considerável referência à “protecção dos investidores”, permitindo às multinacionais processarem os estados em tribunais de arbitragem privados, contornando os tribunais públicos disponíveis para todos “.

É tão simples como isto, Sra. Malmström e Sra. Margarida Marques; o resto, vai ser conversa para enganar tolos.

21/03/2017 por