É essencial apontar a situação de partida relativamente aos fluxos comerciais ente os dois parceiros.
O Canadá entrou nestas negociações em manifesta desvantagem tanto em termos quantitativos como qualitativos.
Atualmente, o Canadá enfrenta um elevado défice comercial com a UE ($ 15 biliões) em mercadorias e mais $ 4 biliões em serviços. Cerca de metade deste défice resulta do comércio desajustado com a Alemanha, país que tem conseguido o 2º maior superavit do mundo.
Uma parte desproporcionada das exportações canadianas para a UE consiste em matérias-primas em bruto ou só levemente processadas, enquanto a quase totalidade das importações canadianas da Europa consiste em produtos de tecnologia altamente sofisticada. Esta situação implica hoje que o Canadá perca 70.000 empregos (51.000 nos bens e serviços)…
O Joint Study encomendado pelo Canadá e pela UE aponta para ganhos comerciais devido ao CETA de $12 biliões/ano para o Canadá. Só que esse estudo parte dos seguintes pressupostos-base que não são sustentados por nenhuma evidência objectiva:
– Pleno emprego ao longo de todo o período sem alterações;
– Total equilíbrio orçamental (receitas=despesas). Não há alterações na dívida;
– O único limite ao crescimento é a disponibilidade dos factores de produção. A procura, o desemprego, alterações cambiais, etc. são ignorados;
– Os custos de toda a comida processada caem 2% devido ao tratado;
– Os serviços serão extensamente transaccionados entre o Canadá e a UE tal como já o são no interior da Europa;
– Os níveis de poupança e investimento vão aumentar de ambos os lados, expandindo a capacidade produtiva e o resultado final.
(Aqui pressupõe-se que os alegados ganhos serão inteiramente reinvestidos na produção e não na especulação, teoria que está longe de coincidir com os factos)
– Não haverá mobilidade de capital entre os dois parceiros.
A principal mensagem deste estudo é que o CETA produzirá ganhos económicos mútuos, mas isso é apenas uma opinião que carece de demonstração. Além de uma metodologia agressivamente optimista, o estudo indica que a importações canadianas tanto de mercadorias como de serviços vão aumentar para o dobro, relativamente às exportações canadianas para a UE. Assim, consubstancia-se um considerável alargamento do já elevado défice actual canadiano.
Como pode o Canadá esperar importantes ganhos, apesar desta visível deterioração do actual desvantajoso jogo comercial com a UE? Apenas devido aos pressupostos incluídos no modelo do estudo citado…? (Os trabalhadores despedidos encontrarão logo trabalho em outro sector…)
A experiência do mundo real com outros tratados assinados pelo Canadá inviabiliza a ideia de que o pacto com a UE trará benefícios a este país. Os 5 tratados do Canadá (EUA, México, Israel, Chile e Costa Rica) resultaram num crescimento anual das exportações canadianas de 4,77%, mas também num aumento das importações de 8,67%. De facto, as exportações canadianas cresceram menos rapidamente com os parceiros FTA (Free Trade Agreements) de que com os não FTA. O balanço comercial para o Canadá piorou com todos os parceiros FTA. Assim, não há bases históricas para concluir que os FTA são benéficos para a economia canadiana nem para as suas contas correntes. Apesar deste evidente insucesso, a assinatura de ainda mais FTA parece ser a solução de Otava para responder à degradação da sua performance comercial.
(Também como os EUA tem sucedido o mesmo. As exportações americanas para países não abrangidos por FTA têm sido mais significativas de que com os abrangidos)
O presente estudo apresenta simulações não afectadas pelos pressupostos da economia neoclássica, apontando para três cenários-base:
A – Eliminação tarifária mútua
B – Comércio canadiano expande-se em linha com a experiência histórica
C – A eliminação das tarifas é combinada com a apreciação da moeda face ao Euro, tal como tem vindo a acontecer.
Nos três casos, o equilíbrio comercial piora significativamente e no 3º piora dramaticamente, dado que a moeda canadiana mais cara dificulta as exportações… A simulação em 23 áreas comerciais indica a perda de 28.000 empregos no 1º caso e de 150.000 no 3º. As quebras no PIB vão de 0,56% até 3% no último cenário. Estas perdas serão ainda mais significativas devido aos efeitos multiplicadores presentes em outras áreas…
A solução para o Canadá é a diversificação dos mercados e o afastamento dos EUA. A simples assinatura de mais este acordo, mesmo com a UE, não permite resolver nada. Vai antes agravar a situação, exacerbando o profundo défice comercial a expensas do emprego e dos resultados em muitos sectores da economia. Os custos reais não se podem resolver com base em pressupostos idealizados e de equilíbrios auto-regulados inexistentes no mundo real.
Os decisores políticos fariam melhor em dedicar-se a tarefas mais desafiantes, como por de pé industrias mais inovadoras que resolvam as deficiências tecnológicas do país, virando as empresas mais para a globalização, mobilizando investimentos, capital e tecnologia, em vez de esperar que o investimento simplesmente ocorra, como se diz no relatório Canadá-UE. Fundamental é também gerir as flutuações cambiais e tomar medidas para equilibrar exportações e importações. São medidas como estas que têm permitido a países como a Alemanha, em particular, serem potências exportadoras.
Os FTA não ocorrem entre países isolados, mas sim entre países que já têm intensas relações comerciais. Só analisando cuidadosamente a actual situação comercial de modo pragmático, poderemos avaliar os impactos positivo ou negativo de um FTA.
Este tipo de análise perde-se quando os analistas preferem virar-se para o uso de modelos técnico-quantitativos, muito embora incorporem detalhes sectoriais relevantes. Continuam a defender fortes pressupostos teóricos e não dão a devida atenção ao ponto de partida.
Desequilíbrios quantitativos
A UE é o segundo principal parceiro comercial do Canadá, logo a seguir aos EUA. As exportações canadianas para a Europa têm-se mantido constantes nos últimos 20 anos, relativamente ao total das exportações do país. Do ponto de vista da UE, as importações do Canadá declinaram relativamente ao total das importações europeias. O défice comercial entre os dois parceiros tem-se agravado substancialmente, sobretudo desde 2000, chegando a $19 biliões/ano. Este é o maior do país, logo a seguir ao da China.
Desequilíbrios qualitativos
A composição e não apenas a quantidade dos produtos marca diferenças estruturais importantes dos dois lados. Em 23 sectores considerados, o total das exportações canadianas para a UE atinge $30 biliões (2009) e a importações $44,3 biliões.
A economia canadiana sempre se baseou desproporcionalmente na extracção de matérias-primas e seu processamento muito básico. Assim, as exportações têm a ver com produtos primários em bruto ou levemente processados. Em contraste, as importações da Europa respeitam a uma grande quantidade de produtos transformados e de alto valor acrescentado (85% das importações canadianas).
As principais exportações canadianas são minerais, produtos agrícolas primários, produtos florestais e petróleo. Estes representam ¾ do valor agregado das exportações.
Entre os 25 produtos europeus mais exportados para o Canadá figuram bens transformados e sofisticados de alta tecnologia, incluindo medicamentos e equipamento médico, automóveis e máquinas, etc.
Há vários perigos nesta dependência do Canadá de matérias-primas. O seu preço tende a declinar em comparação com produtos de alto valor tecnológico incorporado, sobretudo no longo-prazo. Além disso, essas matérias-primas não são renováveis e a sua extracção provoca danos ambientais. A sua produtividade tende a baixar ou até a ser negativa…
O défice comercial canadiano concentra-se na Alemanha
As relações comerciais entre o Canadá e a maioria dos Estados europeus são relativamente pequenas. Cerca de metade desse défice tem a ver com a Alemanha ($7 biliões em 2009), mas também é elevado com a França, Itália e Irlanda. Da Alemanha, o Canadá importa 3 vezes mais do que exporta.
Nos serviços, o Canadá também tem um sério défice com a UE ($4 biliões) e com forte implicação na perda de empregos (19.000). No total, cerca de 70.000 empregos canadianos são afectados por esse défice.
Tarifas/moeda
Muitos produtos canadianos já têm tarifas zero, logo, nada vão beneficiar com o CETA. As barreiras regulamentares canadianas sobre os serviços são mais estritas que na Europa e isso implica prejuízos.
A apreciação da moeda face à depreciação do Euro contribui para a perda de competitividade das exportações canadianas.
Jim Standford, Canadian Centre for Policy Alternaties
Tradução e adaptação de Manuel Fernandes