O Bioscience Resource Project e o Centre for Media and Democracy acabam de publicar um conjunto de documentos relativos às indústrias químicas e às agências reguladoras, que remontam até 1920.
No seu conjunto, a documentação mostra que, tanto os industriais como os reguladores compreenderam bem a toxicidade de muitos produtos químicos e trabalharam em conjunto para ocultar essa informação ao público e aos media. Estes documentos vieram transformar a nossa compreensão sobre os perigos de certos químicos à venda no mercado, bem como os processos fraudulentos usados supostamente para proteger a saúde e o ambiente.
“Os documentos representam um tremendo tesouro de evidências antes ocultas ou perdidas, sobre a actividade regulatória dos produtos químicos e sua segurança. O que é mais extraordinário nestes documentos, é o facto de se focarem principalmente na actividade dos reguladores. Vezes e vezes sem conta, as entidades reguladoras foram ao extremo de criar comissões secretas para enganar os media e o público e para encobrir as provas da exposição humana aos químicos. Essas actividades secretas tinham por objectivo prolongar e aumentar a exposição humana a substâncias que eles já sabiam serem altamente tóxicas”, declarou o Dr. Jonatham Latham, director executivo do Bioscience Resource Project.
Os Poison Papers são uma compilação de mais de 20.000 documentos obtidos a partir das agências federais e dos fabricantes, através do acesso a dados quer por via normal quer por litigâncias com base no interesse público. Incluem estudos científicos, resumos de estudos, memorandos internos, relatórios, actas, discussões estratégicas e testemunhos juramentados.
A maioria foi digitalizada e copiada pela primeira vez e representam quase três toneladas de material. As agências reguladoras visadas incluem a EPA, o USDA Forest Service, a FDA, Veteran Administration, Departamento de Defesa, etc. Os fabricantes indicados nos documentos incluem a Dow, Monsanto, DuPont, Union Carbide, etc, além de outras empresas mais pequenas e companhias que realizam testes, trabalhando todas em conjunto.
Os Poison Papers são um gigantesco catálogo das preocupações secretas da indústria e dos reguladores acerca dos perigos dos pesticidas e outros químicos, bem como dos esforços para ocultar tudo isso. A maior parte da documentação foi recolhida pela activista Carol Van Strum.
Segundo ela mesma declarou no seu livro de 1983 “Bitter Fog: Herbicides and Human Rights”, a verdade nua e crua revelada por estes documentos que cobrem mais de 50 anos, é que a totalidade da indústria dos pesticidas nunca poderia sobreviver sem as mentiras, encobrimentos, fraudes e os facilitadores governamentais.
Claro que o encobrimento corporativo não é nada de novo. O que é novo nos Poison Papers são as provas evidentes de que a EPA e os outros reguladores eram muitas vezes participantes activos ou até instigadores primários desses encobrimentos. Esses funcionários não informaram o público sobre os perigos das dioxinas e outros químicos perigosos, sobre as fraudes dos testes alegadamente independentes ou sobre a alargada exposição humana a esses perigos. Assim, os documentos revelam um elaborado universo de mentira e ocultação sobre muitos pesticidas e químicos sintéticos, frequentemente até pelas palavras auto-incriminatórias dos próprios agentes e funcionários.
Os químicos mais frequentemente referidos incluem as dioxinas, herbicidas, pesticidas (2,4-D, Dicamba, Permethrin, Atrazine, Agente Laranja, PCBs, etc. Alguns destes são dos mais tóxicos e persistentes jamais fabricados. À excepção dos PCBs, quase todos os outros químicos referidos nos documentos são ainda hoje fabricados e vendidos como produtos específicos ou como componentes contaminantes de outros.
A maioria dos documentos nunca foi publicada ou sequer referida, portanto, oferecem uma rara oportunidade para os investigadores e para os media descobrirem muito sobre a toxicidade desta indústria e seus agentes.
Em resumo, a documentação revela:
– Secretismo: as actas da EPA revelam que os seus grupos secretos de trabalho sabiam serem as dioxinas altamente tóxicas, enquanto as declarações oficiais da agência diziam o contrário, recusando até colocar limites a esses produtos.
– Conluio: fica claramente demonstrado o conluio entre a EPA e as indústrias para suprimir, modificar e atrasar os resultados do Estudo Nacional sobre Dioxinas mandatado pelo Congresso, o qual descobriu altos níveis de dioxinas em muitos produtos de uso corrente, desde toalhetes para bébé, filtros para café e efluentes das fábricas de pasta de papel.
– Mentira: surgem importantes novos dados sobre o infame escândalo da Bio-Test IBT. No final dos anos 70, era já sabido que mais de 800 estudos feitos pela IBT sobre 140 produtos químicos fabricados por 38 empresas, ou nem sequer existiam ou eram fraudulentos ou não tinham validade. Os Poison Papers mostram que a EPA e a sua congénere canadiana, a Health Protection Branch se conluiaram com os fabricantes de pesticidas para manter no mercado esses produtos inválidos, bem como para encobrir os massivos problemas dos testes IBT. Além disso, há também provas de que os funcionários da EPA sabiam que o escândalo dos testes IBT envolvia muito mais empresas e produtos do que era oficialmente admitido.
– Ocultação: a EPA ocultou e falsificou os seus próprios estudos que detectaram altos níveis de dioxinas (2,3,7,8 – TCDD) em amostras do ambiente e de leite materno, na sequência do uso do 2,4 -D e do Agente Laranja por parte dos Serviços Florestais e do Bureau of Land Management.
– Intenção: George Rush, chefe médico oficial da Monsanto, admitiu sob juramento, ter conhecimento de que os estudos da Monsanto sobre os efeitos das dioxinas na saúde dos trabalhadores foram elaborados falsamente, de modo a ocultar os efeitos colaterais na saúde.
Foi sobre esses estudos fraudulentos que a EPA se baseou para evitar regular as dioxinas. Os mesmos foram igualmente usados para defender os fabricantes em processos legais iniciados por veteranos e vítimas que exigem indemnizações por exposição ao Agente Laranja.
Mais informação em https://www.documentcloud.org/public/search/Groups:indpendentsciencenews
Jonatham Latham, Cara Newlon e Carol Van Strum, 26/7/2017, PoisonPapers.org
Grupo de investigação digitaliza 20.ooo documentos ao público
Tradução e adaptação de Manuel Fernandes