Aos numerosos e reiterados posicionamentos da sociedade civil europeia, apelando aos governos da UE que se retirem do Tratado da Carta da Energia, (entre outros, aqui, uma carta subscrita por mais de 400 OSC), junta-se agora a Confederação Europeia de Sindicatos, que tornou público o seu posicionamento e no dia 28.10.2021, enviou carta aos membros da Comissão do Parlamento Europeu para o Ambiente, Saúde Pública e Segurança Alimentar o seu posicionamento, que se pode encontrar aqui. Apresentamos de seguida alguns excertos do posicionamento da CES.
O TCE é uma questão relevante para o movimento sindical, pois aborda tópicos como o fornecimento de energia, a segurança energética e a acessibilidade de energia. Estes são elementos-chave para assegurar um ambiente económico estável, o que por sua vez contribui para o bom funcionamento dos mercados de trabalho. O TCE também afecta as escolhas democráticas dos Estados, uma vez que contém disposições com potencial para limitarem o seu direito a regular.
O Tratado da Carta da Energia é uma ameaça à democracia, justiça social e transição energética.
- Em primeiro lugar, o TCE está actualmente a ser utilizado principalmente para proteger investimentos em combustíveis fósseis, o que dificulta a transição energética necessária para a neutralidade climática. Nos últimos anos, vários países foram processados perante um tribunal arbitral por terem introduzido novas políticas climáticas – por exemplo, para apoiar o desenvolvimento de energias renováveis ou para desenvolver normas ambientais mais rigorosas – resultando no pagamento de elevadas indemnizações financeiras a empresas privadas ou na diminuição da ambição das políticas climáticas. Isto está em total contradição com os objectivos estabelecidos pelo Acordo de Paris e com os objectivos climáticos da UE para 2030 e 2050.
- Em paralelo com estas considerações ambientais, o Tratado pode também ser utilizado por empresas privadas para impedir os Estados ou as autoridades públicas de regular e desenvolver as políticas públicas necessárias a uma transição justa. Por exemplo, o Tratado pode ser utilizado para contestar legislações sociais que visem baixar o preço da electricidade para as famílias com baixos rendimentos ou criar centros públicos de energia. A Hungria, por exemplo, foi recentemente processada por causa de uma lei que reduz os preços da electricidade para a sua população. Além disso, o TCE utiliza definições muito abrangentes dos termos “investimento” e “investidor”, o que expõe os Estados a riscos imprevisíveis. E oferece-lhes um “tratamento justo e equitativo”, uma cláusula muito ampla, que lhes permite agir contra o interesse público.
- Na sequência destas arbitragens, os Estados têm de compensar as empresas privadas pelos seus lucros esperados, pagando enormes quantidades de dinheiro público que poderiam, em vez disso, ser utilizadas para financiar a transição verde ou para contrariar as consequências sócio-económicas negativas da descarbonização. Pelos 142 casos conhecidos, foram já pagos ou foi ordenado o pagamento de mais de 52 mil milhões de dólares pelos países contratantes, beneficiando sobretudo os accionistas das empresas. Este montante não inclui os acordos “amigáveis” celebrados entre Estados e empresas na sequência de ameaças de arbitragem e que, na maioria dos casos, envolvem uma revisão da legislação e/ou uma indemnização negociada.
- O próprio procedimento arbitral também é muito problemático. De facto, para resolver os seus litígios, o TCE baseia-se num sistema de justiça paralelo que permite às empresas processar directamente um Estado ou uma organização – como a UE – perante um tribunal de arbitragem de resolução de litígios Estado Investidor (ISDS). Tal sistema enfraquece consideravelmente o poder das instituições democráticas. Também tende a criar um sistema de justiça desequilibrado a duas velocidades, que favorece as empresas privadas. Os cidadãos ou trabalhadores não podem recorrer a tais tribunais de arbitragem ISDS, uma vez que só podem processar as empresas nos seus tribunais nacionais. Além disso, em casos de violação dos direitos laborais, não existe nenhum mecanismo jurídico internacional semelhante que possa ser desencadeado pelos sindicatos, nem para impor consequências económicas aos Estados que faltem gravemente ao respeito das normas laborais internacionais, nem para processar as empresas e obter soluções. A CES já exprimiu por diversas vezes as suas críticas aos mecanismos de protecção do investimento.
- Finalmente, o processo de governação do TCE causa problemas em termos de transparência e abertura à sociedade civil. De facto, no seu formato actual, o TCE não permite a participação de outras partes interessadas, para além de empresas privadas e associações industriais. Os sindicatos e outras organizações da sociedade civil estão, portanto, excluídos de facto destas discussões.
Por estas razões, a CES considera que o TCE, na sua versão actual, representa uma ameaça ao bom funcionamento das instituições democráticas e à justiça social ao limitar a soberania dos Estados para regular, adoptar políticas públicas e desenvolver serviços públicos no interesse dos seus cidadãos.
O caminho a seguir: cessação do tratado ou retirada colectiva dos países da EU, associada a um acordo inter se as negociações para modernizar o TCE ficarem bloqueadas.
Contudo, a CES acredita que o âmbito das negociações não responde a algumas das preocupações acima salientadas e que o mandato é demasiado fraco para resolver as diferentes questões identificadas. Além disso, a CES está preocupada com a falta de progresso nas actuais negociações, nomeadamente em questões-chave como as alterações climáticas. Esta persistente falta de progresso é altamente preocupante, dada a exigência de unanimidade entre as Partes para reformar o TCE, e a necessidade de reformar urgentemente o TCE para o tornar compatível com os objectivos climáticos da UE.
Na ausência de grandes avanços para reformar o TCE de modo significativo após a 8ª ronda de negociações, a CES apela à UE e aos seus Estados-Membros a que considerarem a cessação do TCE para evitar os efeitos prejudiciais da cláusula de caducidade de 20 anos prevista no tratado. Caso tal cessação não seja possível, uma vez que requer uma decisão unânime de todas as partes contratantes, a CES apela aos Estados Membros da UE a que atribuam um forte mandato à Comissão Europeia para negociar uma retirada colectiva do TCE. Em paralelo, os Estados-Membros devem trabalhar no sentido de desenvolver um acordo inter se – um mecanismo jurídico entre eles – que proíba litígios ISDS intra-UE durante o período de vigência da cláusula de caducidade.
O documento original, com anotações e referências, encontra-se AQUI
A TROCA congratula a Confederação Europeia de Sindicatos por este pertinente e corajoso posicionamento, em prol dos trabalhadores e dos cidadãos em geral, da soberania dos estados e do combate às alterações climáticas.






