Política dos Químicos
O contraste entre as políticas americana e europeia sobre regulação atinge um ponto crítico quanto à política dos químicos. O REACH adoptado em 2007, exige que os fabricantes e importadores de químicos na Europa submetam a informação sobre os efeitos dos seus químicos na saúde e ambiente à Agência Europeia dos Químicos. Se faltarem os dados requeridos, os proponentes terão de realizar a testagem necessária. O REACH também cria processos para restringir o uso de substâncias que não estão de acordo com os padrões necessários e encoraja a substituição por alternativas mais seguras relativamente a químicos perigosos. A equivalente americana é a Toxic Substancies Control Act (TSCA), adoptada em 1976. De acordo com o TSCA, a Agência de Protecção Ambiental (EPA) é responsável por determinar se os químicos são perigosos. Para iniciar acções contra os químicos perigosos sob o TSCA, a EPA tem de concretizar elementos de prova bastante exigentes – tão exigentes que a lei quase nunca foi usada.
Uma comparação entre o REACH e o TSCA foi preparada pelo US Government Accountability Office (GAO), tendo identificado várias áreas de conflito.
1 – O REACH exige às companhias que forneçam informação sobre todos os químicos à venda na Europa, com um volume de vendas de pelo menos de 1 T/ano, incluindo a exigência de desenvolverem a informação, se faltarem dados. O TSCA apenas exige às companhias que quiserem vender novos químicos nos EUA, que forneçam informação que já existe. Não é preciso desenvolver nova informação, a menos que a EPA adopte formalmente uma norma sobre um químico específico. Na prática, isto torna-se tão difícil que a EPA raramente adopta regras dessas. Em vez disso, a EPA tem programas voluntários para coligir a informação que as companhias queiram providenciar.
2 – O REACH proporciona um processo expedito para as agências nacionais europeias identificarem as substâncias que causem maior preocupação (por exemplo, carcinogénicos ou químicos tóxicos que se acumulam no ambiente). Em 2015, este processo identificou 31 substâncias que requerem autorização no âmbito do REACH. As companhias que peçam essa autorização para utilizar tais substâncias, têm de demonstrar que os riscos estão adequadamente controlados ou que os benefícios sócio-económicos ultrapassam os riscos e também que não existe nenhuma alternativa disponível. Em contraste, o TSCA coloca o ónus da prova inteiramente na EPA que tem de demonstrar que o químico tem riscos, antes de ser regulamentado.
Ao propor qualquer regulamentação, a EPA também tem de demonstrar que escolheu o método menos complexo para mitigar os riscos.
– Ambos, o REACH e o TSCA, permitem às companhias proteger informação confidencial, embora o 1º exija mais exposição ao público. O TSCA permite às companhias efectuar muito maiores exigências em termos de confidencialidade.
Em resultado dos limites colocados aos governos pelo TSCA, a EPA apenas desenvolveu regras para limitar 5 químicos existentes: policlorinato de bifenil (PCB), clorofluoralcalinos halogenados, dioxinas, amianto e crómio hexavalente.
Embora a EPA tenha passado 10 anos a desenvolver a sua regra sobre o amianto, os tribunais invalidaram a regra quando desafiada pela indústria, com base no facto de não ter apresentado provas suficientes para justificar a proibição desta substância conhecida com bastante tóxica. A EPA também exige às companhias que apresentem informação com 90 dias de antecedência, antes de começar a produção ou um novo uso de qualquer químico de uma lista de 160 produtos. Mas de novo, o ónus da prova fica do lado da EPA que tem de demonstrar que a produção destes novos químicos coloca riscos para lá do razoável.
Se a indústria química só tiver duas escolhas, ou respeitar o REACH ou perder o acesso aos mercados europeus, a resposta seria clara. A perda de todas as exportações seria mil vezes mais cara do que as modestas imposições que o REACH exige aos exportadores americanos. Uma terceira hipótese é o facto de a indústria estar a tentar enfraquecer o REACH ou até eliminá-lo. O relatório anual do US Trade Representative sobre barreiras técnicas ao comércio (TBT) contém sempre uma litania de queixas contra o REACH.
Em 2013 as indústrias químicas americana e europeia elaboraram uma proposta conjunta para usar o TTIP, com o objectivo de enfraquecer a regulamentação, através da criação de uma Comissão financiada pela indústria, para rever os regulamentos, juntamente com novas exigências para a análise custo-benefício, métodos conjuntos de avaliação de risco, avaliação e priorização de riscos, etc.
A proposta foi objecto de uma fuga de informação durante as negociações do TTIP e proporcionava à indústria diversas oportunidades para reverter importantes aspectos do REACH, podendo impedir os EM ou os estados americanos de desenvolverem as suas próprias regulamentações mais exigentes.
Entretanto, os químicos perigosos continuam a ser uma grave ameaça à saúde e ao ambiente. Nos EUA 81 químicos são conhecidos como perigosos e são produzidos ou importados anualmente em quantidades de pelo menos 454 T/ano. 14 de entre eles excedem 454.000 T/ano, incluindo o benzeno e o formaldeído, conhecidos cancerígenos, e o bisfenol A, um disruptor endócrino.
(Formaldeido, gás usado em resinas sintéticas e produzido em quantidades de 21 milhões de T/ano. A exposição deriva de fumos do cigarro, fumos de veículos, conservantes, fungicidas e germicidas, alizantes de cabelos e endurecedores de unhas. O Brasil é um dos maiores produtores. A produção tem aumentado muito, sobretudo nos EUA e Canadá. No Brasil, o uso tem sido restringido mas continua no fabrico de tecidos, agricultura, aviários, tratamento de peles e conservação de alimentos. O bisphenol é usado nos plásticos e embalagens, resinas e latas. É identificado pelos nºs 3 e 7 nas embalagens de plástico).
O REACH proporciona uma estrutura para lidar com químicos perigosos, mas não elimina tais ameaças. Uma equipa internacional de proeminentes cientistas estimou recentemente o fardo dos custos das doenças atribuíveis aos químicos disruptores endócrinos na UE. Atinge a média de € 157 biliões ano, mais de 1% do PIB europeu. Outro estudo descobriu que cerca de 65.000 pessoas morrem por ano na Europa, devido aos efeitos dos carcinogéneos, mais do dobro das mortes por acidentes na estrada. Evidências do Reino Unido apontam que todas as mortes no trabalho relacionadas com cancro são causadas por apenas 10 produtos. Isso levanta a possibilidade de se poder reduzir drasticamente o cancro ocupacional se algumas dessas substâncias forem controladas.
Os custos da exposição a químicos tóxicos são de importância global, dimensão essa que não pode ser ignorada pelos exportadores de químicos na UE e nos EUA.
Um estudo da ONU estima que uma lista seleccionada de químicos tóxicos tem como resultado um milhão de mortes por ano a nível mundial, comparável às mortes pela malária e cerca de 1,6% do total de mortes por todas as outras causas.
Custos do REACH
… Os custos totais para a indústria, incluindo a testagem e registo dos químicos atinge entre € 2 a 7 biliões, conforme as técnicas usadas. Embora possa parecer uma grande despesa em si, representa uma ínfima parcela para uma muito alargada indústria.
O REACH foi concebido para operar gradualmente, portanto, os custos podem ser comparados com os lucros, no período considerado. Um estudo baseado numa estimativa de custos de € 3,5 biliões, descobriu que ao longo do período de análise de 11 anos, os custos do REACH eram apenas 0, 0006% dos lucros previstos pela indústria.
Como qualquer outra regulamentação de protecção, o REACH coloca um fardo maior sobre as PMEs que têm menos volume de produção….
Respondendo a preocupações, a Agência Europeia de Químicos reduziu os custos de aplicação do REACH para as PME.
Um estudo aprofundado holandês sobre PME descobriu que, relativamente poucas são afectadas pelo REACH.
Por outro lado, há sinais de que a regulamentação mais estrita do REACH está a ter os feitos pretendidos. Um estudo do Center for International Environment Law descobriu que a legislação mais exigente tem levado a maior inovação nos químicos alternativos mais seguros.
A adopção do REACH foi seguida por um aumento de patentes sobre alternativas mais seguras aos phthalatos (PCB), uma categoria de químicos industriais que são disruptores endócrinos.
(PCB são compostos de cloro, considerados como contaminantes ambientais, foram proibidos em 1979. Acumulam-se na natureza, p. ex, salmão de cultura, e são cancerígenos. Usam-se para deixar o plástico mais maleável)
Benefícios do REACH
Consistem em impedir a exposição a químicos tóxicos, evitando assim danos ambientais e reduzindo os custos de tratamentos.
Há pelo menos 5 estudos que estimam o valor monetário dos benefícios do REACH.
Um estudo estima os efeitos cumulativos de limpar um acidente químico, assumindo que seria metade do custo de limpar os PCB. Levaria 24 anos. O resultado assume um valor de € 7-27 biliões, a preço de 2003.
Convertidos em custos anuais, os preços da limpeza de um grande acidente químico seria de € 0,5 – 1,7 biliões/ano.
Um estudo encomendado pela DG Environment calcula os benefícios do REACH…
Este reduz os custos de purificar a água potável e do tratamento de esgotos em € 2,8-9 bliões/ano, a preços de 2005…
Outros cálculos estimam que a purificação da água ou o evitar de severos impactos na saúde podem chegar às dezenas de biliões.
Outro estudo focado nos cancros ocupacionais estimou um valor cumulativo ao longo de 30 anos de € 17,6- 54,4 biliões, a preços de 2000.
Um outro estudo separado observou os potenciais efeitos do REACH sobre três doenças ocupacionais não cancerígenas causadas por exposição a químicos ( dermatites, asma e obstruções pulmonares crónicas). Concluiu que o REACH reduziria os custos destas doenças nos próximos 30 anos entre € 21- 161 biliões, a preços de 2004, equivalentes a benefícios anuais entre € 1,4- 10,8 biliões.
Um último estudo avalia o efeito cumulativo de todos os benefícios sobre saúde do REACH, ao longo de 15 anos. Calculou que se evitariam despesas médicas entre € 4,8-20,1 biliões a preços de 2000, equivalentes a € 0,6-2,4 biliões/ano.
Também estimou o valor total das melhorias na saúde devidas ao REACH (que são muito maiores do que a simples poupança de tratamentos médicos). Entre € 56,7 – 283,5 biliões, equivalentes a benefícios anuais de € 6,9-34,4 biliões a preços correntes.
No total, o cômputo de benefícios do REACH anualmente, estima-se entre € 10,8-47 biliões a preços correntes, enquanto a melhor estimativa dos benefícios do TTIP aponta para € 119 biliões. Os riscos da harmonização por baixo, substituindo o REACH por algo parecido com o TSCA, significaria a perda desses benefícios, na ordem das dezenas de biliões.
Nenhum destes estudos pretende apresentar estimativas completas de todos os impactos do REACH
EUROPE’S REGULATION AT RISK – THE ENVIRONMENTAL COSTS OF TTIP
Boston University, Global Economic Governance Initiative, Franck Ackerman, Abril de 2016
Tradução e adaptação de Manuel Fernandes
www.bu.edu/pardeeschool/files/2016/04/ACKERMAN.final_1.pdf
Franck Ackerman é ambientalista e economista e tem elaborado muitos estudos para várias entidades. Escreveu entre outros, o livro “Can we afford the Future?” (2009).






