“O eixo transatlântico Bruxelas-Washington vai dar lugar ao eixo transcontinental Bruxelas Beijing, uma nova “rota da seda” com dois sentidos? Quem imaginaria, um ano atrás, uma tal mudança na geopolítica mundial ?!“ pergunta-se, quiçá com sinceridade, Vital Moreira. Pois possivelmente não daria para imaginar, mas esse supostamente inteligentíssimo argumento de “estratégia geopolítica” foi recorrentemente invocado pelos apóstolos do comércio livre para justificar a obrigatoriedade da aprovação do acordo de comércio e investimento UE/Canadá (CETA). Um argumento de sapientes especialistas, que por ele sempre consideraram justificada a imolação de direitos de consumidores, produtores e trabalhadores e a entrega das rédeas dos mercados aos interesses da alta finança e das multinacionais, através de tribunais e de direitos especialíssimos para proteger os investidores.
Como movimento europeu de protesto contra estes acordos, tão eufemisticamente denominados de “livre comércio”, sempre questionámos o uso do papão chinês enquanto argumento incontornável para a aceitação do CETA. Para nós, as pessoas e os seus direitos estão acima dos mercados e não abdicamos das migalhas de democracia que ainda nos restam. Arrogantemente, fomos por isso acusados de termos falta de visão para entendermos o tabuleiro geoestratégico global.
Entretanto, Trump reorganizou o tabuleiro e o anterior papão passou a correligionário: eis que a China e a UE se estão a aproximar alegremente, com o primeiro-ministro chinês Li Keqiang na cimeira UE/China nos passados dias 1 e 2 de Junho em Bruxelas firmando o compromisso de uma parceria na luta contra as mudanças climáticas e pelo comércio global livre. É verdade que não se obteve uma declaração final conjunta, porque a UE se recusa a reconhecer a China como uma economia de mercado não dirigida pelo Estado, bem como pela falta de acordo quanto ao aço. E claro que há ainda muitas outras questões em aberto, à mistura com painéis solares e vinho, proteccionismo, registo de fundações e ONGs, etc. De qualquer modo, a supremacia da China é óbvia e continua a incomodar a UE.
Mas as coisas estão a andar da melhor forma, tendo Juncker já declarado que, no momento actual, a relação com a China é “mais importante do que nunca” e que o país “vai ser um parceiro crucial para o futuro”.
A UE já é o maior parceiro comercial da China e a China é o segundo maior parceiro comercial da UE (depois dos EUA). O volume comercial aumentou de 306 mil milhões em 2007 para 515 mil milhões de Euros no ano passado. Ambas as partes têm o maior interesse em manter estável a ordem do comércio global, bem como em continuar o caminho traçado pelo Acordo de Paris não necessariamente por razões ecológicas – pois por essa razão não deveriam avançar com acordos comerciais como o CETA – mas por simples interesse económico. O rápido aumento da produtividade das energias renováveis promete fortes vantagens competitivas, já que a electricidade eólica e solar pode torna-se tão barata que os combustíveis fósseis deixarão de ser competitivos.
Actualmente, o tal argumento de estratégia geopolítica em favor do CETA já nem sequer na suposta lógica dos experts tem qualquer sentido; não só não tem sentido, como vai abrir as portas do mercado europeu às numerosas multinacionais dos EUA – do odiado Trump – que têm sede no Canadá. Mas deixa por isso o CETA de entrar em vigor e de ser aprovado pelos governos dos estados-membros da UE? Não, porque o argumento da geopolítica era e sempre foi um falso pretexto para impor a lei do mais forte sobre esta massa manipulada e esmifrada em que cada vez mais nos tornamos. Em Portugal, o PS vai promover essa ordem global injusta, dando luz verde ao CETA.
https://aventar.eu/2017/06/07/aproximacao-ao-papao-realinhamento-geopolitico-e-comercio-livre/
07/06/2017 por