No dia 1 de Junho do corrente ano, no evento “Envolvimento dos cidadãos em questões relacionadas com o Pacto Ecológico Europeu. Uma visão geral de algumas experiências significativas em Portugal” (tradução livre), organizado pelo Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra (CES-UC), a TROCA participou na mesa-redonda sobre lutas por um envolvimento mais profundo dos cidadãos em questões complexas relacionadas com temas ambientais.
Esta mesa contou também com os contributos de Catarina Alves Scarrott, em representação da associação Unidos em Defesa de Covas do Barroso e de Manuel Arriaga do Fórum dos Cidadãos, tendo sido moderada por Irina Velicu, investigadora no CES-UC.
A TROCA para além de, na sua intervenção, focar o Tratado da Carta da Energia (TCE) como obstáculo para a transição energética preconizada pelo Pacto Ecológico Europeu, apresentou as principais barreiras com que se tem deparado no decurso da sua participação e acção cívica nas causas em que se envolve. Esta análise foi feita internamente, pelos activistas da TROCA, com base nas experiências vividas no âmbito do exercício da cidadania e do trabalho desenvolvido nos temas específicos da TROCA, nomeadamente os acordos/tratados de comércio livre e investimento.
As barreiras identificadas neste processo podem ser categorizadas em 3 grandes núcleos: o público em geral, os decisores políticos e os media. É de referir, no entanto, que estas categorias não são estanques e tendem a influenciar-se mutuamente:


Público em geral:
– Tema complexo e “longíquo” – O tema dos acordos/tratados de comércio e investimento aparenta estar afastado da realidade diária da maioria dos cidadãos, além de envolver aspectos legais e comerciais que não são óbvios e por isso se tornam difíceis de entender.
– Sentimento de impotência para influenciar os decisores – Frequentemente os cidadãos acabam por se afastar ou não se envolver em causas como este tipo de tratados/acordos porque as suas reivindicações/contributos quase nunca são atendidos ou têm espaço no suposto debate público.
– Difícil manter o interesse – Alguns temas, nomeadamente os ligados ao comércio e investimento abordados pela TROCA, implicam frequentemente processos de decisão e/ou implementação longos, sendo por isso difícil manter o interesse de quem não está envolvido nestas causas de forma mais regular e aprofundada.
– Falta de acesso a informação – Este aspecto está intimamente relacionado com as barreiras que existem nas categorias seguintes, em que informação pertinente, do ponto de vista cívico e democrático, frequentemente não é disponibilizada pelos actores que o deveriam fazer, não sendo por isso passada aos cidadãos através dos meios mais comuns e acessíveis à maioria das pessoas. Por isso, há um grande desconhecimento acerca destes assuntos que justifica também o facto de os cidadãos não participarem (ou se manifestarem!) mais activamente em relação, por exemplo, às implicações sociais do TCE.


Decisores políticos (Governo, deputados, entidades públicas…)
– Falhas estruturais das condições para a participação cívica – Existem diversos entraves que dificultam enormemente a participação dos cidadãos, impedindo-os por isso de dar o seu parecer acerca de e contributo para as políticas e legislações definidas, entre elas as ligadas ao comércio internacional e investimento. Um exemplo disto, é o facto de ter aumentado de 4.000 para 7.500 o número de subscrições necessárias em petições para que essas iniciativas sejam debatidas em Plenário da Assembleia, sem ser necessário um parecer aprovado previamente pela Comissão Parlamentar correspondente. Outro exemplo é o facto de o contacto com deputados nacionais só ser possível através de formulários digitais que não oferecem padrões mínimos para uma comunicação efectiva, não permitindo, entre outras coisas, enviar anexos ou receber notificações de confirmação de recepção.
– Falta de resposta dos governantes aos cidadãos a cartas, pedidos de reunião, etc. – Quando os meios para fazer os contactos estão disponíveis e, apesar dos entraves, é possível recorrer a eles, é frequente não nos chegarem respostas. Um dos exemplos mais recentes disto deu-se aquando da tentativa de contacto com a representação permanente de Portugal junto da União Europeia, nomeadamente o representante permanente adjunto que integrava, à data, o COREPER I, onde são discutidos os temas ligados à energia. Tentámos contacto por e-mail e telefone e nunca obtivemos resposta por nenhuma das vias. Também recentemente, enviámos uma carta relativa ao TCE e às negociações do processo de modernização para o Ministério do Ambiente e Acção Climática e para a Secretaria dos Assuntos Europeus, depois de isso ter sido recomendado pelo Gabinete do Primeiro-Ministro e re-encaminhado pelo mesmo para o Ministério e Secretaria referidos. Até agora, cerca de um mês e meio depois deste contacto ter sido feito, ainda não recebemos respostas para as mesmas.
– Falta de prestação de informação mesmo à Assembleia de República – no caso do TCE e das negociações para a sua modernização, a falta de comunicação acerca dos posicionamentos de Portugal, tem sido notória. Isto reforça a opacidade que se faz sentir, de forma geral, em redor do processo de negociação, mas que não ocorre de forma pontual, fazendo-se também notar noutros âmbitos ligados aos assuntos europeus.
– Descaso em relação às recomendações da Assembleia da República – Apesar de não serem vinculativas, as resoluções aprovadas pela Assembleia da República são um importante mecanismo de escrutínio da actividade governativa, sendo por isso uma componente importante do sistema democrático. Tornam-se ainda mais cruciais neste aspecto quando, como no caso do projecto de resolução aprovada em Fevereiro de 2021, implicam a recomendação ao governo da “promoção de um amplo debate” (neste caso sobre o Tratado da Carta da Energia), cuja realização seria fundamental em termos de transparência e informação da sociedade civil, permitindo, como a recomendação refere ainda, “a avaliação dos riscos reais do TCE para o ambiente e para os interesses nacionais”. Contudo, até hoje, não foi dado qualquer seguimento a esta recomendação. De acordo com o que já foi noticiado, este não é um caso isolado, mas sim, em larga medida, uma prática instalada.


Media:
– Pouco interesse e disponibilização da informação – De uma forma geral, os media têm mostrado pouco interesse em explorar este tipo de temas e, especificamente, as iniciativas cidadãs que são desenvolvidas acerca deles. No caso da TROCA, mesmo quando abordados directamente e sendo providenciado material informativo relevante, os meios de comunicação convencionais/populares tendem a não dar atenção e espaço a estes assuntos – neste caso particular, ao TCE. Ainda assim, é importante fazer a ressalva de que há excepções: o jornal Público já publicou vários artigos de opinião sobre o TCE, bem como sobre outros temas ligados aos acordos de comércio livre e investimento, autorados por activistas da TROCA, dando assim voz e espaço a estes temas e às iniciativas cidadãs dedicadas a eles. O jornal Público destaca-se pois positivamente como caso único, contrário aos outros órgão de comunicação social.
– Mesmo quando há repórteres presentes em acções, depois não são transmitidas as informações colhidas Este caso pode ser ilustrado com um exemplo recente bastante concreto: Na última (grande) acção de rua que a TROCA e a ZERO organizaram – Stop Tratado da Carta da Energia, Stop TCE-Rex (realizada no contexto da digressão europeia Dino Tour), vários repórteres/jornalistas, de diferentes meios de comunicação, estiveram presentes e recolheram, inclusivamente, informação e testemunhos juntos dos activistas. Porém, não foram posteriormente transmitidas ou publicadas quaisquer artigos/peças jornalísticas sobre o assunto. Porquê? Não será relevante que seja dado a conhecer aos cidadãos um tratado que ataca o clima e o bolso dos contribuintes, sendo uma enorme ameaça para a soberania e os interesses nacionais de um país?
– Certos temas são tratados como nicho, embora tenham enorme impacto – Alguns temas continuam a ser considerados desinteressantes para a sociedade e por isso são tratados como “nota de rodapé”, conseguindo por isso pouco espaço nos meios de comunicação principais e nos horários/programas de maior audiência.
Por fim, considerando a natureza do evento e a oportunidade para discussão colectiva e debate, a TROCA colocou a questão de como pode a academia contribuir para a participação cidadã, especificamente no que concerne a fazer frente e ultrapassar as barreiras mencionadas.








