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Bloco de Esquerda apresenta Projeto de resolução pela rejeição do CETA

Bloco de Esquerda  apresenta Projeto de resolução pela rejeição do CETA

Bloco de Esquerda apresenta Projeto de resolução pela rejeição do CETA

PROJETO DE RESOLUÇÃO Nº …./XIII/2ª
PELA REJEIÇÃO DO ACORDO ECONÓMICO E COMERCIAL GLOBAL – CETA (UNIÃO EUROPEIA-CANADÁ)

O CETA é um acordo de livre comércio entre a União Europeia e o Canadá, também designado como “Acordo Global de Economia e Comércio” negociado entre 2009 e 2014 num ambiente de secretismo e reserva de documentos. Está dividido em 13 capítulos e terá implicações nos cerca de 508 milhões de cidadãos e cidadãs europeias e nos cerca de 35 milhões de cidadãos e cidadãs do Canadá.

Esta convenção internacional abrange um vasto conjunto de matérias que influenciarão decisivamente uma série de aspetos da vida quotidiana da União Europeia, dos seus Estados Membros e dos seus cidadãos e cidadãs.

Exatamente por isso, é grave a extensão e complexidade técnica do tratado, que dificulta a sua compreensão pelos cidadãos, que se vêm privados não apenas do conhecimento dos seus traços essenciais como também da ponderação das suas putativas consequências e efeitos.

Como consequência da falta de informação e debate no quadro da atividade dos diversos parlamentos, únicos dotados de legitimidade democrática resultante de sufrágio universal, foi também esta convenção internacional arredada do debate nas diversas opiniões públicas que escrutinam a atividade dos parlamentos.

O processo de negociação está, assim, ferido de falta de um processo democrático que permitisse a afirmação da dimensão deliberativa da democracia. De igual modo, a dimensão representativa sai deste processo desprestigiada e ferida, agudizando a crise de confiança dos cidadãos nas instituições europeias.

Ficou a nu, com este processo, o défice democrático que impera nos processos de decisão da União Europeia e a ausência de um verdadeiro controlo democrático da atuação das suas instituições. Conclui-se que o centro de decisão se deslocou da legitimidade democrática para a legitimidade tecnocrática, sendo que neste caso o processo foi levado a cabo num quadro de atipicidade da natureza jurídica da União Europeia.

A aprovação do CETA abala fortemente a estrutura da União Europeia, diluindo o seu papel numa governança autómata ditada pelos mecanismos do CETA.

Exemplo disso é o recurso à arbitragem para dirimir questões entre Estados Membros e investidores, pondo mesmo em causa as suas normas constitucionais e soberania, tendo sido diminuído o papel da União Europeia em benefício de fontes de direito ainda menos democráticas e alteráveis.

O CETA cria um tribunal privado para resolver disputas Investidor-Estado (ICS). É um dos pontos mais contestado e, por isso, teve mais alterações até hoje. Apesar destas alterações, ainda não estão garantidas condições de transparência e independência na escolha dos juízes, bem como continuam a ser dadas garantias e proteção a investidores mas não aos Estados, o que prefigura uma situação de injustiça entre as partes do acordo.

Os direitos dos investidores no CETA entram em conflito com o direito do Estado de regular em matéria de investimento e serviço público porque qualquer alteração que um Estado queira implementar tem que estar de acordo com as obrigações feitas aquando a assinatura do CETA. Isto significa uma limitação do direito de regulação dos Estados sobre matérias de interesse público, já que é recorrente encontrarmos, nos vários capítulos, a remissão para o Capítulo 28, correspondente às exceções gerais, que deixa claro o objetivo de apenas “garantir a observância das disposições legislativas e regulamentares que não sejam incompatíveis com o disposto no presente Acordo”.

Lembramos que em 2011 o Tribunal de Justiça Europeu redigiu um acórdão que rejeitou a criação de um tribunal arbitral sobre patentes. No ponto 80 desse Parecer, de 8 de março de 2011, pode ler-se: “Embora seja verdade que o Tribunal de Justiça não tem competência para se pronunciar sobre as ações diretas entre particulares em matérias de patentes, cabendo essa competência aos órgãos jurisdicionais dos Estados-Membros, estes últimos não podem, todavia, atribuir a competência para decidir tais litígios a um órgão jurisdicional criado por um acordo internacional, que privaria os referidos órgãos jurisdicionais da sua missão de aplicação do direito da União”. Ora, o princípio da constituição arbitral para gestão de conflitos no âmbito de um acordo internacional é o  mesmo que se coloca com o CETA.

Por outro lado, a ausência de qualquer norma de livre denúncia do tratado que institui o CETA limita gravemente o livre exercício de competências quer pelos órgãos da União Europeia, quer pelos órgãos dos Estados-Membros, condenados à eternidade do CETA. Acresce que o papel dos parlamentos europeu e nacionais é posto em causa pelas reservas de iniciativa quanto à aprovação e denúncia de convenções internacionais, reservadas a outros órgãos, assim se comprometendo a sua liberdade de iniciativa.

Em todo este tétrico jogo formal, é mais uma vez a legitimidade democrática, que deveria resultar do exercício da soberania popular por via de eleições, que fica em causa, acrescendo ainda uma diminuição das jurisdições nacionais e europeias a par da diminuição relativa dos respetivos poderes ordinários.

Se, como já se demonstrou, o CETA leva à erosão da democracia, da soberania, do aparelho jurisdicional e dos ordenamentos jurídicos da União Europeia e dos Estados-Membros, as suas consequências práticas em domínios concretos é ainda maior.

O estabelecimento de escalões mínimos de proteção do direito dos trabalhadores ou dos princípios de proteção ambiental, num quadro jurídico de auto-suficiência do CETA, levará necessariamente à deterioração das normas de proteção desses interesses nos diversos ordenamentos jurídicos, levando a um progressivo nivelamento por baixo em nome da competitividade das economias afetadas.

O CETA não protege os direitos dos trabalhadores na medida em que abre a possibilidade de alterações laborais para corresponder às necessidades das empresas[1]. Há que salientar que o Canadá não ratificou grande parte das 190 Convenções da Organização Internacional do Trabalho, nomeadamente no que concerne à contratação coletiva ou idade mínima para entrada no mercado de trabalho.

O CETA não é um bom acordo para o ambiente porque deixa em aberto a possibilidade de as empresas contornarem legislação e acordos internacionais, como o Acordo de Paris, pondo em risco quaisquer esforços que sirvam para combater as alterações climáticas.

O mesmo se diga em matérias como a segurança alimentar ou comercialização de produtos com OGM’s.

O Bloco de Esquerda tem, desde o início do processo, manifestado a sua oposição ao CETA, assim como a outros acordos da mesma natureza. O comércio livre não pode ser feito à custa de princípios de segurança para cidadãos, nem de regras ambientais, normas de segurança alimentar ou de reformas laborais. Deve, antes, ter em conta princípios para um comércio justo e sustentável.

Consideramos que a falta de debate e transparência associado a estes acordos internacionais são contrários a uma lógica democrática e, além disso, não beneficia uma análise técnica aprofundada de todas as consequências que advém dos acordos.

Tudo indica que o CETA entrará em vigor provisoriamente nos capítulos que foram considerados de competência exclusiva da União. O Bloco de Esquerda tem dúvidas sobre este preceito. Estamos perante uma entrada pela janela do que não entrou pela porta: foi o mecanismo encontrado pela Comissão Europeia de fugir, uma vez mais, ao escrutínio da sua ação. Não por acaso, o que foi considerado competência exclusiva foram, precisamente, os capítulos do acordo que terão consequências mais graves para os países, nomeadamente relativamente o capítulo de investimento e resolução de litígios.

O Bloco de Esquerda rejeita a retirada de democracia nos processos europeus que colocam cada vez mais em causa os direitos dos cidadãos e cidadãs, sem que estes tenham uma palavra a dizer. Desde os tratados de funcionamento da União até aos tratados de comércio, a democracia vai desaparecendo em todos os processos.

Não podemos assinar cheques em branco, nos quais não conhecemos a totalidade do valor que nos será debitado no futuro nem tampouco podemos permitir que sejam tomadas decisões que possam hipotecar o futuro de todo o país.

 

Ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, o Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda propõe que a Assembleia da República recomende ao Governo que:

  1. Rejeite a entrada em vigor de qualquer parte do CETA;
  2. Que seja disponibilizada toda a documentação e informação relativa às partes do Acordo, incluindo as partes de competência mista e de competência exclusiva, antes da sua votação no parlamento nacional e dos debates já programados pelo Governo, para que existam as condições e o tempo necessário para um conhecimento aprofundado e consciente das matérias presentes no Acordo e da sua implicação no âmbito nacional.

 

Assembleia da República, 16 de março de 2017.

As Deputadas e os Deputados do Bloco de Esquerda,

[1] Alguns estudos projetam uma perda real de empregos na Europa de cerca de 230 mil empregos (segundo a Universidade de Tufts).