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Bloco de Esquerda apela à rejeição do Acordo Económico e Comercial Global – CETA (União Europeia-Canadá) e à criação de garantias de transparência e participação democrática

Bloco de Esquerda apela à rejeição do Acordo Económico e Comercial Global – CETA (União Europeia-Canadá) e à criação de garantias de transparência e participação democrática

Bloco de Esquerda apela à rejeição do Acordo Económico e Comercial Global – CETA (União Europeia-Canadá) e à criação de garantias de transparência e participação democrática

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Grupo Parlamentar BE

PROJETO DE RESOLUÇÃO 608/XIII/2.ª

PELA REJEIÇÃO DO ACORDO ECONÓMICO E COMERCIAL GLOBAL CETA (UNIÃO EUROPEIA-CANADÁ) E A CRIAÇÃO DE GARANTIAS DE TRANSPARÊNCIA E PARTICIPAÇÃO DEMOCRÁTICA

A União Europeia e o Canadá iniciaram negociações, em 2009, com vista a um acordo de comércio livre entre os dois países, designado por Acordo Global de Economia e Comércio (CETA). Este acordo assemelha-se a outros acordos de comércio livre com a União Europeia, também em fase de negociação, e que têm por base os mesmos mecanismos e pressupostos, caso do TTIP (Acordo de Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento), acordo entre a EU e os Estados Unidos da América, ou o TISA (Acordo de Comércio e Serviços), entre 23 membros da Organização Mundial de Comércio (OMC).

O CETA, o TTIP e o TISA são tratados de comércio que partilham dos mesmos objetivos: liberalização do comércio internacional, eliminação de pautas aduaneiras, desregulação de áreas como a alimentação, agricultura e ambiente, desregulação das relações laborais, desproteção dos cidadãos e consumidores europeus, criação de um mecanismo legal que permite a empresas processar Estados, o ISDS, entretanto designado por ICS.

O Bloco de Esquerda tem, em várias ocasiões, chamado à atenção para os perigos que a negociação e ratificação destes acordos representam para o país e para a Europa: desproteção dos cidadãos, nomeadamente dos trabalhadores e consumidores; entrada de produtos cujo controlo é menos rigoroso, nomeadamente na área da agricultura, com a utilização de OGM’s que em solo europeu não são permitidos mas em solo americano são; retirada de poder político ao Estado e do seu livre arbítrio para optar por políticas públicas em benefício dos seus cidadãos, em detrimento dos interesses económico-financeiros privados das grandes corporações. Isto acontece porque, com estes acordos, as empresas passam a ter o poder de processar o Estado sempre que considerem que alguma decisão ou medida por ela aprovada tem interferência nos seus lucros.

Analisando o texto final do CETA é importante desmascarar seis fraudes que têm sido propagandeadas relativamente ao acordo:

1. Que o CETA protege os direitos dos trabalhadores: nada mais errado, na medida em que o acordo não é claro sobre a matéria, deixando em aberto a possibilidade de alterações laborais para corresponder às necessidades das empresas. Alguns estudos efetuados até agora projetam perda real de empregos na Europa (cerca de 230 mil empregos, segundo a Universidade de Tufts), perda de direitos laborais e o aumento das desigualdades, nomeadamente através da perda salarial para quem trabalha.

2. Que o CETA é um bom acordo para o ambiente: à semelhança do capítulo do trabalho, o acordo não é claro e deixa em aberto a possibilidade de as empresas contornarem legislação e acordos internacionais de âmbito ambiental. Isto porque os interesses dos investidores e empresas estão por demais protegidos, quando os governos legislem sobre matérias ambientais e sejam contrárias à previsão de lucros.

3. Que os direitos dos investidores no CETA salvaguardam o direito de regular para proteger o ambiente, a saúde e outros investimentos públicos: não é factual porque qualquer alteração ou regulação que um Estado queira implementar tem que estar de acordo com as obrigações feitas aquando a assinatura do CETA. Ora, isto significa uma efetiva limitação do direito de regulação dos Estados sobre matérias de interesse público.

4. Que o CETA protege os serviços públicos como a saúde e a água: há um perigo real no acordo de, através do mecanismo de resolução de litígios ICS, as empresas processarem Estados por opções políticas na área dos serviços públicos. Tomando como exemplo o caso da Estónia, que se recusou a aumentar a tarifa da água e que, por isso, tem um processo em curso para pagar uma indemnização à empresa que presta serviço de água no valor de 90 milhões de euros.

5. Que o CETA cria um tribunal independente para resolver disputas Investidor-Estado: é, provavelmente, o capítulo do acordo mais contestado até agora e que, por isso, tem motivado mais alterações. Na verdade, apesar das alterações que daí têm decorrido ainda não estão garantidas condições de transparência e de independência na escolha dos juízes, bem como continuam a ser dadas garantias e proteção a investidores, mas não aos Estados, o que prefigura uma clara situação de injustiça entre as partes do acordo.

6. Que o CETA irá aumentar os padrões de proteção das pessoas e do ambiente: também não corresponde à verdade. Por um lado, o capítulo 12 indica que os Estados em causa, assim como os seus governos locais e regionais, têm que simplificar tanto quanto possível a sua regulamentação doméstica para as empresas. Por outro lado, o capítulo 21 reforça a pretensão de que se reduzam as diferenças de regulamentação sobre mesmas matérias em países diferentes. Isto levanta muitas preocupações porque revela, de forma evidente, que o caminho escolhido é o de minimizar os obstáculos legais à prática das empresas, podendo estar em causa o interesse público e o bem-estar dos cidadãos.

Ora, numa altura em que os Estados Membros se pronunciaram, em Conselho da Europa, favoravelmente ao acordo, importa não abandonar a necessidade de um debate mais alargado sobre a questão, tanto a nível europeu como nacional. No Parlamento Europeu, ainda estão a ser emitidos pareceres sobre o acordo, sendo de salientar o relatório de opinião desfavorável da Comissão de Emprego e Assuntos Sociais do Parlamento Europeu.

As vozes contrárias a este acordo são, hoje, muitas: a Associação Europeia de Juízes, 89 eurodeputados que levantaram reservas sobre o mecanismo ICS, 100 professores universitários da Europa e do Canadá, a DECO, a Comissão Nacional de Proteção de Dados, os municípios portugueses que se manifestaram contra zonas de comércio livre e que se integraram na rede de “Zonas livres do TTIP e do CETA”, sindicatos, associações de consumidores, organizações não-governamentais e organizações da sociedade civil. Os estudos e análises ao acordo também têm vindo a aumentar, providenciando informação relevante e fontes de análise para os parlamentos nacionais que não podem ser descuradas.

Em Portugal, o Bloco de Esquerda tem, desde o início do processo, manifestado preocupações e a sua oposição ao CETA, assim como a outros acordos da mesma natureza. Isto porque o comércio livre não pode nunca ser feito à custa de abdicar de princípios de segurança para cidadãos, nem de regras ambientais, normas de segurança alimentar ou de reformas laborais.

Também consideramos que a falta de debate e transparência associadas a estes acordos internacionais são contrárias a uma lógica democrática e, além disso, não permite uma análise técnica aprofundada de todas as consequências que advém dos acordos.

Por último, o mecanismo ICS de resolução de disputas entre investidores e Estados é um dos pontos fulcrais deste debate e, não por acaso, o mais criticado. Implica a generalização do recurso a um modelo de mecanismo que noutras alturas e em outros acordos foi utilizado com consequências desastrosas.

O que hoje está em causa com o ICS é tornar letra de lei uma situação de desigualdade, em que os investidores passam a estar mais protegidos do que os Estados; além disso, é relegada para segundo plano a importância de políticas públicas e a necessidade dos Estados terem condições democráticas e sem restrições de as decidirem e aplicarem. É, portanto, fundamental que o debate seja claro, aberto aos cidadãos e democrático, para que não sejam tomadas decisões que hipotecam o futuro de todo o país.

Ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, o Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda propõe que a Assembleia da República recomende ao Governo que:

Rejeite a entrada em vigor do CETA;

Seja publicamente disponibilizada toda a documentação e informação relativas às partes do Acordo, incluindo as partes que a Comissão Europeia considera serem da sua competência exclusiva;

Que a publicitação da documentação e informação relativa às partes do Acordo seja acompanhada de um debate público, amplo, alargado, transparente e democrático.

Assembleia da República, 6 de janeiro de 2017.

As Deputadas e os Deputados do Bloco de Esquerda,