Carta aberta de cientistas, grupos anti-OGM e industriais da alimentação americanos contra os OGM
“Ecologist”, 12/Nov/2014 (Resurgenc & Ecologist)
Organizações ONG, cientistas, grupos anti-OGM, celebridades, industriais da alimentação e outros representando 57 milhões de americanos decidiram enviar uma carta aberta ao Reino Unido e a todos os países da UE alertando sobre os sérios e variados perigos das sementes OGM e prometendo o seu apoio na luta contra elas.
Escrevemos enquanto cidadãos americanos preocupados em partilhar convosco a nossa experiência sobre sementes geneticamente modificadas e sobre os danos para o sistema agrícola com reflexos na adulteração dos nossos recursos alimentares. No nosso país, as colheitas OGM ascendem a cerca de metade do total. 94% da soja, 93% do milho e 96% do algodão são OGM. O Reino Unido e a UE ainda não aderiram às sementes OGM da maneira que nós já fizemos, mas vocês estão a sofrer enormes pressões dos governos, dos lobbies, da biotécnica e das corporações para adoptar aquilo que consideramos uma tecnologia agrícola falhada.
As sondagens mostram que 72% dos americanos não querem comer alimentos OGM e que mais de 90% exigem que tais alimentos tenham rotulagem esclarecedora. Apesar deste massivo mandato público, os esforços para obrigar o governo federal e os estaduais a regular melhor ou simplesmente a rotular os alimentos OGM, estão a ser esmagados pelas grandes corporações de biotecnologia que dispõem de verbas ilimitadas e de imensa influência. Na altura em que vocês avaliam as vossas opções, gostaríamos de partilhar convosco o conhecimento que nos trouxe a convivência com cerca de duas décadas d colheitas OGM. Acreditamos que a nossa experiência sirva de aviso para o que acontecerá nos vossos países se seguirem a mesma senda.
Promessas não cumpridas: as sementes OGM foram lançadas no mercado com a promessa de que iriam aumentar os lucros e diminuir o uso de pesticidas. Não fizeram nenhuma das duas coisas. De facto, de acordo com um estudo recente do governo, os lucros das colheitas devem ser inferiores aos de colheitas equivalentes não-OGM. Foi dito aos agricultores que as sementes OGM trariam lucros maiores. Contudo, a realidade é bem diferente. De acordo com o Departamento de Agricultura dos EUA, os lucros são muito variáveis, mas os custos por cultivar este tipo de sementes tem disparado. As sementes OGM não podem ser legalmente guardadas para posterior replantação. Isso significa que os agricultores têm de comprar novas sementes todos os anos. As companhias da biotécnica controlam os preços, obrigando os agricultores a pagar 3 a 6 vezes mais do que as sementes convencionais. Isto combinado com os gigantescos investimentos que as companhias requerem, significa que as sementeiras OGM provaram ser bem mais caras que as convencionais. Devido ao ênfase desproporcionado nas sementes OGM, as variedades convencionais deixaram de estar amplamente disponíveis, deixando aos agricultores poucas escolhas sobre o que plantar. Os que decidiram não escolher OGM podem ver os seus campos contaminados como resultado da polinização cruzada entre espécies afins, bem como do armazenamento conjunto.
Assim, os nossos agricultores têm vindo a perder mercados de exportação. Muitos países têm restrições ou proibições sobre produtos OGM e, por esta via, essas colheitas têm sido responsáveis por disputas crescentes, sobretudo quando os carregamentos se encontram contaminados com sementes OGM. O mercado dos produtos orgânicos nos EUA também tem sido afectado, pois muitos agricultores bio perdem contratos devido ao alto grau de contaminação com OGM. Este problema tem vindo a aumentar e espera-se que se torne ainda mais grave nos próximos anos.
Pesticidas e super-ervas: Os tipos mais espalhados de sementes OGM são conhecidos por Roundup Ready Crops (RRC). Estas plantas, sobretudo cereais e soja têm sido geneticamente modificadas para que, ao receberem o herbicida Roundup – que contém o ingrediente activo glyphosato – as plantas continuem a crescer, mas as ervas daninhas morram. Isto criou um ciclo vicioso. As ervas têm-se tornado resistentes ao herbicida, obrigando os agricultores a lançar mais herbicida. Um uso mais intenso dos pesticidas cria ainda mais super-ervas que por sua vez exigem mais herbicida.
Um estudo recente provou que entre 1996 e 2011, os agricultores que plantaram essas Roundup Ready Crops, usaram 24% mais herbicida que aqueles que usaram sementes convencionais. Se a trajectória continuar, podemos antecipar um aumento de 25% ao ano no uso do herbicida. Esta intensificação no uso do pesticida significa que na última década os EUA assistiram ao aparecimento de 14 novas espécies de ervas resistentes ao glyphosato e que metade das explorações sofrem a praga das ervas resistentes ao herbicida.
As companhias biotecnológicas que vendem tanto as sementes como os herbicidas propuseram solucionar o problema criando novas variedades de sementes que conseguem suportar herbicidas ainda mais tóxicos e mais potentes tais como o 2,4-D dicamba. Contudo, estima-se que se estas variedades forem aprovadas, vão exigir o aumento do uso dos herbicidas em cerca de 50%.
Perigos ambientais: Os estudos demostram que o incremento do uso das sementes RRC é altamente destrutivo do ambiente. Por exemplo, o Roundup mata as ervas que são o principal alimento das icónicas borboletas Monarca e representa uma séria ameaça para outros insectos importantes como as abelhas. Também é prejudicial ao solo, matando organismos benéficos que o mantém limpo, saudável e produtivo, impedindo as plantas de absorver micronutrientes essenciais. Outros tipos de plantas OGM têm sido produzidas para gerar o seu próprio insecticida (ex. plantas do algodão BT), mas isso também se tornou mortal para insectos benéficos como libelinhas, moscas aquáticas Daphna Magna, outros insectos aquáticos e certos escaravelhos. Também cresce a resistência destas plantas aos insecticidas bem como as novas variedades de super-insectos que requerem ainda mais aplicação de insecticida em diferentes fases do ciclo de crescimento (…). Apesar de tudo isto, serão aprovadas em breve novas variedades de soja e de cereal que passarão a ser plantadas.
Ameaças à saúde humana: Os ingredientes OGM estão por todo o lado na alimentação humana. Estima-se que 70% da comida processada que se consome nos EUA seja produzida com ingredientes OGM. Mas se incluirmos a alimentação animal, a percentagem é bastante mais alta. As pesquisas mostram que as RRC contêm muitas vezes mais glyphosato e o seu subproduto tóxico, o AMPA do que as sementes normais. Foram encontrados traços de glyphosato no leite materno e na urina das mães americanas, tal como na água potável. Os níveis existentes no leite materno são incrivelmente altos – cerca de 1600 vezes mais do que o permitido na água potável na Europa (…). Do mesmo modo foram encontrados traços da toxina BT no sangue das mães e bebés. Trata-se de um risco inaceitável para a saúde infantil pois o glyphosato actua como disruptor das hormonas. Estudos recentes sugerem que este herbicida também é tóxico para os espermatozoides.
Os alimentos OGM não foram nunca foram testados antes de serem lançados na cadeia alimentar e o impacto na saúde devido à circulação dessas substâncias e sua acumulação no nosso corpo não está a ser estudada por nenhum governo, agência ou sequer pelas companhias que as produzem.
Estudos de animais alimentados com OGM e ou glyphosato evidenciam consequências terríveis como danos em órgãos vitais como fígado e rins, danos nos tecidos e flora, no sistema imunitário, anormalidades nos fetos e até tumores. Estes estudos apontam para problemas de saúde potencialmente graves que não poderiam ser antecipados quando o nosso país começou a usar OGM. E contudo, continuam a ser ignorados por aqueles que nos deviam proteger. Em vez disso, os reguladores continuam a confiar em estudos ultrapassados e outras informações fornecidas pelas companhias da biotecnologia que, sem surpresa, ignoram as queixas sobre a saúde.
Negação da ciência: As declarações de cientistas corporativos entram em nítido contaste com as descobertas de cientistas independentes. Em 2013, cerca de 300 cientistas independentes de todo o mundo emitiram um aviso público sobre o facto de não haver qualquer consenso científico quanto à segurança de ingerirmos alimentos OGM, e que os riscos eram uma razão séria de preocupação, como mostram as pesquisas independentes. Não é nada fácil a cientistas como estes emitir declarações públicas. Os que o fazem têm encontrado obstáculos em publicar os seus estudos, têm sido descredibilizados pelos seus colegas pro-OGM, têm visto fundos serem-lhes negados e, em alguns casos, têm visto ameaçada a sua carreira e o seu emprego.
Controlar o fornecimento de alimentos: Através da nossa experiência, viemos a compreender que a manipulação genética dos alimentos nada tem a ver com o bem público ou com dar de comer aos esfomeados nem com o apoio aos nossos agricultores. Nem sequer tem a ver com as escolhas dos consumidores. Em vez disso, tem tudo a ver com o controle por parte das corporações privadas sobre o sistema alimentar. Esse controle é extensivo a áreas que afectam directamente o nosso bem-estar diário, incluindo segurança alimentar, ciência e democracia. Ameaça o desenvolvimento de uma agricultura genuinamente sustentável e amiga do ambiente e impede a criação de um fornecimento alimentar transparente e saudável. Hoje, nos EUA, da semente ao prato, a produção, distribuição, venda, avaliação da segurança e consumo alimentar, tudo é controlado por um punhado de companhias, muitas com interesses comerciais na engenharia genética. Eles criam os problemas e depois vendem-nos as chamadas soluções num ciclo vicioso de geração de lucros sem igual em qualquer outro tipo de comércio. Todos precisamos de comer e, por isso, os cidadãos devem esforçar-se por entender o problema. Os americanos estão a sofrer o impacto destrutivo desta tecnologia arriscada. Que os países da EU tomem nota. Não há benefícios dos OGM que compensem estes impactos. Os funcionários que ignoram isto são culpados de incumprimento do dever. Nós, os signatários partilhamos a nossa experiência convosco para que não caiam nos mesmos erros. Apelamos a que resistam em aprovar as sementes OGM, recusem plantá-las, importá-las ou vendê-las quer para uso animal ou humano e que se pronunciem contra a influência corporativa sobre os políticos, reguladores e cientistas. Se o Reino Unido e a UE se tornarem um novo mercado para os produtos OGM, os nossos esforços para os rotular e controlar serão dificultados, senão impedidos. Se falharmos, os vossos esforços para se livrarem dos OGM falharão também. Se trabalharmos juntos, poderemos revitalizar o sistema alimentar global, assegurar a saúde dos solos, dos campos, dos alimentos e das pessoas.
(Segue lista dos assinantes)
Traduzido por José Oliveira