No dia 5 de Junho, teve lugar o lançamento do número 6 da revista online, do CIDAC “Outras Economias”, dedicado ao Comércio Internacional. A partir de hoje, a TROCA irá publicar semanalmente cada um dos artigos cuja autoria envolveu activistas da TROCA ou feitos em colaboração com uma artista.
O primeiro que publicamos diz respeito ao entendimento do que está em jogo no Comércio Internacional.
Comércio internacional: o que está em jogo
Autoria: João Vasco Gama, activista da TROCA – Plataforma por um Comércio Internacional Justo
Tempo aproximado de leitura: 8 minutos
Com a política aduaneira irreflectida, impulsiva e errática de Donald Trump, no início de 2025, a espalhar o caos no comércio internacional, é um bom momento para dar um passo atrás e olhar para os aspectos positivos e negativos da interdependência económica e do comércio internacional.
Os tratados de comércio são um dos mecanismos que procura estimular as trocas comerciais internacionais (o que aumentaria a interdependência económica entre países ou blocos de países), por duas vias: redução das taxas aduaneiras e harmonização das regulações. Isto poderia conduzir a um aumento da produção e da prosperidade por três razões: vantagem comparativa (todos os países podem beneficiar com o comércio internacional, especializando a sua produção naquilo em que tenham maior vantagem absoluta ou relativa1); economias de escala (ou seja, os custos médios de produção de uma determinada empresa ou instalação industrial poderem diminuir com a quantidade produzida) e menor probabilidade de conflitos militares devido à interdependência económica (uma vez que um conjunto de interesses económicos que enfrentariam custos adicionais com um eventual conflito tenderiam a criar pressão política acrescida em favor da paz).
No entanto, a interdependência económica criada pelas trocas comerciais também traz problemas. Imaginemos dois países vizinhos com a mesma população e estrutura económica, inicialmente isolados um do outro. Podemos supor que cada país escolheu o imposto sobre as empresas de forma adequada a melhor satisfazer o interesse público. Consoante a opinião do leitor, pode acreditar que esta taxa devia ser 5%, ou devia ser 70%, ou qualquer número intermédio, não importa. O que importa é imaginar um valor tal que, tanto uma subida como uma diminuição seria prejudicial para a sociedade. Chamemos a essa taxa hipotética, a taxa “adequada”. Mas se os mercados desses países se juntarem enquanto a política fiscal se mantiver separada, o caso pode mudar de figura. O acesso ao outro mercado cria em ambos uma dinâmica de corrida para o fundo: aquele país que descer ligeiramente os impostos vai encorajar deslocalizações (empresas que mudam as suas operações, ou apenas a sua sede fiscal, do país de origem para outro) e aumentar a receita fiscal. O outro país perderá receita fiscal ou copiará o exemplo. No global, teremos um processo economicamente ineficiente do tipo jogo do prisioneiro2 em que quase todos ficam a perder. Os impostos, neste caso, ficam necessariamente abaixo do tal valor adequado à defesa do interesse público.



No caso do estado A, não importa o que o estado B faça, é sempre melhor para si escolher um imposto “competitivo”; no caso do estado B, não importa o que o estado A faça, é sempre melhor para si escolher um imposto “competitivo”. Isto conduz a que seja de esperar que ambos os estados façam esta escolha. No entanto, o desfecho é inequivocamente ineficiente, pois se ambos os estados escolhessem um imposto “adequado”, ambos ficariam melhor.
Este tipo de dinâmica, em que a maior interdependência económica estimula – de forma ineficiente e socialmente prejudicial – uma taxação inferior sobre as empresas, explica porque é que nas últimas décadas o capital detido em paraísos fiscais aumentou de forma explosiva e perniciosa. Recorrendo a estas formas de evitar a tributação, as empresas multinacionais aumentaram o seu poder e dimensão e hoje, dos 100 Estados e empresas mais ricas do mundo, 69 são empresas multinacionais e apenas 31 são governos.
O mesmo processo pode ocorrer no que concerne a políticas laborais, legislação de defesa do consumidor, políticas ambientais, etc. Também aqui, qualquer que seja a política adequada (por exemplo, na esfera ambiental), este processo conduzirá a uma política (ambiental) mais laxista que essa.
Em todos estes casos, a maior interdependência económica que advém do comércio internacional pode causar ineficiência económica, aumento das desigualdades, e… impacto ambiental insustentável, com toda a devastação e destruição económica que dele resultará.
E é precisamente isso que tem acontecido. Entre 1990 e 2015, o número de tratados comerciais aumentou de 50 para 279, muitos dos quais plurilaterais e, portanto, envolvendo um número maior de países, aumentando a interdependência económica dos envolvidos, com as suas consequências positivas e negativas. Estas últimas incluem um agravar dos impactos ambientais globais muito para lá do limiar da sustentabilidade, um aumento avassalador das desigualdades de rendimento e património, que por sua vez conduziram a um consumo guiado pelo aumento do endividamento, aumentando por essa via a instabilidade do sistema financeiro. As crises financeiras de maior severidade, que se tornam assim mais frequentes, tendem, por seu lado, a reforçar a extrema-direita (como investigação recente tem demonstrado empiricamente).


Como evitar este problema? Não é com políticas aduaneiras caóticas e disparatadas como as do início do segundo mandato de Donald Trump, mas também não é com o sistema de comércio internacional anterior que nos levou até ele, pela forma como instigou a ascensão da extrema-direita.
Os tratados de comércio podem ter prejudicado grandes fatias da população por via dos mecanismos acima descritos, mas têm beneficiado quem os tem escrito: os lobistas das empresas multinacionais. Por exemplo, no caso do JEFTA, o acordo entre a UE e o Japão, 89% das reuniões da Comissão Europeia sobre o assunto foram realizadas com lobistas de empresas, enquanto apenas 4% decorreram com grupos de interesse público, como ONGs, associações de agricultores ou de consumidores. Nenhuma reunião foi realizada com representantes de sindicatos ou com federações de pequenas e médias empresas.
Urge escrever tratados diferentes, nos quais a população e a sociedade civil sejam envolvidas no processo negocial de forma consequente e decisiva. Só assim será possível beneficiar das vantagens do comércio internacional, sem garantir a insustentabilidade económica, social, ambiental e política da atual globalização.
Notas de rodapé:
1 Vantagem absoluta refere-se aos casos em que um país ou empresa consegue produzir algo de forma mais eficiente do que outro país ou empresa.
2 Ver ilustração.






