A União Europeia e o Canadá iniciaram negociações em 2009 com vista a um acordo de comércio entre a UE e o Canadá, designado por Acordo Económico e Comercial Global (AECG), também conhecido na sua denominação em inglês como Comprehensive Trade and Economic Agreement (CETA). No início de julho de 2016, a Comissão Europeia propôs ao Conselho da UE a assinatura e celebração do acordo. A sua entrada em vigor em pleno estará subordinada à decisão do Conselho da UE, com respetiva aprovação do Parlamento Europeu, e por todos os Estados-Membros, conforme os procedimentos nacionais aplicáveis.
Recentemente, o parlamento regional da Valónia, na Bélgica, onde o tratado tem sido objeto de análise detalhada desde o início do ano, não o aprovou. Esta decisão suscitou várias reações, incluindo de eurodeputados e eurodeputadas que subscreveram uma carta publicada num diário belga de grande distribuição, onde declaram que o CETA não é mais do que “uma porta de entrada na União Europeia para o conjunto dos actores económicos dos Estados Unidos, constituindo assim um verdadeiro cavalo de Tróia do TTIP”, uma vez que todas as multinacionais norte-americanas detêm filiais no Canadá e vigoram acordos comerciais entre aqueles dois países. Com a aprovação do CETA, “as normas sociais e ambientais que protegem trabalhadores, cidadãos e empresas na Europa serão diretamente atacadas ao serem postas em concorrência com as economias norte-americanas”.
Em Portugal, as preocupações de inúmeros cidadãos parecem não ter sido acolhidas pelo Governo. Segundo declarações da Subdiretora-Geral da Direção-Geral de Assuntos Europeus do Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE), num seminário dedicado ao CETA e seus efeitos, no passado dia 26 de setembro, em Lisboa,“O Governo português está muito satisfeito com os resultados obtidos até ao momento”. A Subdiretora-geral afirmou também que é objetivo do Governo implementar o acordo rapidamente. Na sua opinião “há consenso europeu inequívoco de que o acordo é muito bom e que deve entrar em vigor”. Já em relação ao TTIP, foi dito que as negociações estão paradas e que “a discussão está a ser muito difícil e ainda não se chegou a um texto comum”. Há divergências em muitas áreas e “devemos ser duros e firmes a defender os nossos interesses, mas não desistir do processo negocial”.
No mesmo seminário, o Secretário de Estado da Agricultura e Alimentação considerou que os interesses da agricultura portuguesa estão acautelados, sendo que, no CETA, a questão essencial é atender às barreiras técnicas de natureza sanitária e fitossanitária e que neste campo é preciso encontrar as melhores soluções. Por outro lado. Quanto ao TTIP, reconheceu que a situação é mais complicada e que a Europa deve continuar a bater-se por altos padrões de qualidade e segurança alimentar.
Ora, estas opiniões, que cremos veicularem a do Governo português, parecem não estar exatamente em linha com as preocupações de um enormíssimo número de cidadãos europeus, onde se incluem naturalmente as dos portugueses e portuguesas. Existe uma forte contestação manifestada por diversos setores agrícolas com críticas aos dois acordos em debate (CETA e TTIP). Estes setores referem insistentemente a opacidade dos processos de negociação e a injustiça de se colocarem em concorrência sistemas de produção completamente desiguais, sem que as instituições europeias pareçam dar-lhes ouvidos. Outras objeções são colocadas: por exemplo, o facto de a Europa ter critérios mais exigentes e rigorosos do que os canadianos e norte-americanos no uso de hormonas, promotores de crescimento, controlo sanitário e fitossanitário, e na observação de boas práticas de bem-estar animal e ambientais. Os cidadãos temem que o controlo e qualidade sejam nivelados por baixo, pelos padrões mais convenientes para as grandes multinacionais, mas com maior perigo para os consumidores e produtores europeus. São também apontadas as enormes diferenças de custos de contexto, particularmente no que concerne às exigências de cumprimento de regras ambientais e às diferenças na dimensão e possibilidades produtivas das parcelas agrícolas, que não são semelhantes dos dois lados do Atlântico e que terão um impacto negativo na produção, no emprego e na economia. Além destes problemas, o não reconhecimento que os EUA fazem do sistema de proteção de produtos DOP e IGP existentes na Europa é também motivo de grande preocupação entre os nossos produtores.
Traduzindo estes receios, absolutamente legítimos, milhões de cidadãos europeus, entre os quais, milhares de portugueses, assinaram já a Iniciativa Europeiacontra a ratificação do CETA e do TTIP.
Atendendo ao exposto, e ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, o Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda vem por este meio dirigir ao Governo, através do Ministério da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural, as seguintes perguntas:
1. O Governo conhece os impactos que este acordo vai ter nas diferentes fileiras agrícolas em Portugal? Nomeadamente na produção e escoamento de carne de suíno e bovino, mas também nos produtos hortícolas, em particular no tomate?
2. Sabe o Governo se outros setores serão afetados da mesma maneira? Quais os impactos concretos em cada um?
3. O Governo já estudou o impacto do CETA nos produtos que beneficiam de denominações protegidas?
4. O Governo já estudou o impacto comercial e social do CETA na agricultura familiar e nos pequenos e médios agricultores?
5. Que conclusões é que foram retiradas desses eventuais estudos?
6. O Governo pode garantir aos portugueses e portuguesas a manutenção dos altos padrões de qualidade e segurança alimentar, proteção e segurança do consumidor a que o país até agora se obrigou, em virtude de regras internas e comunitárias?
7. Caso entre em vigor, que medidas pretende o Governo adotar para mitigar os impactos negativos deste acordo? Essas medidas serão pagas por quem? Por dinheiros nacionais?
| Por Carlos Matias, Domicilia Costa, Isabel Pires, Pedro Soares
http://www.beparlamento.net/consequ%C3%AAncias-do-tratado-aecg-ceta-em-portugal






