Documentos e mails obtidos pelo Guardian revelam conluio entre Bruxelas e a indústria dos combustíveis fósseis nas negociações do TTIP.
Alegadamente, a UE proporcionou acesso à ExxonMobile sobre estratégias negociais classificadas, consideradas demasiado sensíveis para serem do domínio público, segundo revelam os documentos agora publicados.
Os burocratas de Bruxelas até pediram a uma associação de refinarias a sua opinião sobre o texto incluso na Carta da Energia, como parte da proposta europeia para admitir importações irrestritas de crude e gás americano a estabelecer no TTIP.
À confederação de empresários “Business Europe” foram oferecidos “contact points” com os negociadores americanos do Departamento de Estado e do Departamento de Energia, segundo revelam os documentos publicados no âmbito do acesso a normas legais….
Os EUA proibiram a exportação de combustíveis fósseis por 40 anos, mas essa lei foi atenuada relativamente ao México em Agosto.
(Medida muito estranha, já que o México é um grande produtor de petróleo)
Anteriores fugas de informação revelaram que os EUA estão a pressionar a EU para obter garantias de que o TTIP vai permitir a livre exportação de combustíveis americanos para os mercados europeus. Este facto tem alarmado os ambientalistas por temerem que essas importações tenham impacto negativo nos planos europeus para atenuar as alterações climáticas.
Ainda segundo os documentos publicados, o custo da construção de infraestruturas necessárias, levaria a indústria a desembolsar cerca de $100 biliões.
Os activistas declararam também que os documentos e mails publicados pelo Guardian revelam uma chocante relação de proximidade entre a UE e as indústrias dos combustíveis.
John Hilary, director da War on Want declarou que isto proporciona “uma extraordinária compreensão do grau de conluio entre a CE e as corporações multinacionais que querem usar o TTIP para lucrar com as exportações de combustíveis fósseis. A CE concede às grandes petrolíferas o direito de escreverem elas próprias o capítulo da energia no TTIP”.
A deputada de Os Verdes, Ska Keller que concorreu contra Juncker… afirmou-se espantada com o grau de cumplicidade entre Bruxelas e as companhias petrolíferas. Afirmou que os documentos revelam uma proximidade chocante entre os grupos de lobbies e a CE: “Interrogo-me sobre quem é que escreveu realmente o texto. Parece-me que são as corporações que só procuram o lucro. A CE tem de deixar de ser o braço executivo destes lobbies…”
Numa reunião em Setembro de 2013, os funcionários da UE fizeram um briefing sobre o estado das negociações do TTIP relativamente à posição de 11 companhias, incluindo a Shell, a BP e a ExxonMobile: “ Pedimos à Europia (Associação das refinarias europeias) apoio adicional sobre o capítulo da energia, no sentido de fazerem propostas concretas e fizemos mesmo referência ao texto do UA (tratado de livre-comércio UE-Ucrânia)….”
A Europia respondeu que ia fazer sugestões. Esta organização, posteriormente designada por “Fuels Europe” foi incapaz de esclarecer (??) quais os funcionários seus que estiveram presentes à reunião ou quais foram os documentos daí resultantes, aquando do contacto com o Guardian.
Mas John Cooper, director do grupo, explicou que os seus dois mais importantes desejos eram de que houvesse um total acesso ao crude e ao gás de modo a equalizar os preços entre os dois lados do Atlântico: “ Para gerir esta questão difícil, a UE tem de estar bem informada e este conhecimento pertence substancialmente à indústria. Há uma compreensão e um alinhamento face aos objectivos, portanto faz todo o sentido apoiar as instituições europeias”.
Os burocratas de Bruxelas negam que tenham pedido à Europia para escrever o texto do TTIP e alegam que pediram apoio também a grupos da sociedade civil.
Segundo o discutido com a CEFIC, associação dos industriais químicos que inclui a BP, Chevron e ExxonMobile, verificou-se que os custos envolvidos no aumento das exportações americanas de gás e crude de xisto, seriam proibitivos (cerca de $100 biliões)…”Tais investimentos exigem certezas legais de outro lado”.
De acordo com estimativas da European Renewable Energy Foundation, esse dinheiro seria suficiente para contruir 12,5 milhões de modernas turbinas eólicas.
A aproximação entre a UE e o sector dos combustíveis fósseis intensificou-se em 2014, à medida que prosseguiam as negociações. No entanto, o Business Europe opõe—se à formulação de objectivos claros sobre energias limpas e às reformas sobre emissões de CO2, acumulando hostilidade contra as empresas +verdes, grupos ambientalistas e outros.
Uma carta dos burocratas europeus afirma que o relatório dos encontros entre os gigantes americanos da indústria e os comissários, revela estratégias possíveis que a CE venha a adoptar nas negociações e acrescenta que, se tal fosse do domínio público, as opções táticas da CE ficariam expostas.
A CE nega ter partilhado informações confidenciais coma ExxonMobile….
(Num cartaz de manifestantes holandeses em Amsterdam, 2015, pode ler-se “ TTIP play is the MAFIA Way”).
Outras páginas censuradas incluem comentários sobre economia e política nos EUA e outros países que, a serem publicadas, iriam expor a UE e outros intervenientes relevantes ao risco de retaliação.
Um passo legível do relatório afirma: “A ExxonMobile aprecia muito o trabalho no TTIP que pode ter grande sucesso, já que Obama precisa de apresentar resultados tangíveis…”. Em resposta, o comissário afirma esperar que o TTIP proporcione acesso ao gás….
O acesso a outros documentos que incluíam relatórios de reuniões com a ExxonMobile e a General Electric, foi inteiramente negado.
Um novo relatório emitido pela Transports & Environment (T&E) afirma que a liberalização comercial proposta pela UE e pelas companhias petrolíferas irá fazer disparar dramaticamente as emissões, sobretudo se tal não for contrabalançado com medidas sobre emissões de CO2 e reformas na aviação.
Segundo Cecile Toubeau da T&E, “Uma liberalização dos mercados do crude e do gás tem de ser acompanhada de medidas destinadas a reduzir os subsídios às petrolíferas: “Os subsídios globais aos combustíveis fósseis somavam 4,7 triliões de Euros em 2015. O TTIP deverá estabelecer uma infraestrutura temporal para a sua extinção”.
Comentário
A UE (e cada um dos seus países) está confrontada com um conjunto de opções absolutamente decisivas de que depende o futuro comum.
1 – Opção dos lobbies petrolíferos: liberalizar inteiramente os movimentos export-import dos combustíveis fósseis. Resultado: disparo alarmante da destruição das reservas de água potável, agravamento drástico das alterações climáticas (secas mais extremas e tempestades mais violentas e frequentes). Custos: o preço da construção de novas infraestruturas será brutal e conduzirá ao aumento em flecha dos preços dos combustíveis, tornando mais aliciantes as alternativas. Os novos postos de trabalho daí decorrentes serão muito limitados e efémeros.
2 – Opção oriental: a Rússia possui enormes reservas de gás que poderiam abastecer toda a Europa a baixo preço. Bastaria que fossem prolongados os pipe-lines já em construção e que os americanos se esforçam por obstaculizar a todo o transe. Custos: o preço dessas infraestruturas seria uma pequena fracção do anterior e não exigiria qualquer mudança de paradigma energético. Mantém-se a problemática das alterações do clima.
3 – Opção ambientalista: usar as astronómicas verbas necessárias àquelas infraestruturas, bem como os elevados subsídios à indústria para desenvolver emergias renováveis em larga escala. Custos: todos os custos seriam largamente compensados pela não poluição e pela grande quantidade de postos de trabalho permanentes. O ambiente, o clima e a vida seriam os grandes beneficiários, sobretudo se se generalizasse o princípio do poluidor pagador.
Os estudos demonstram que se queremos salvar o clima e o planeta, cerca de 80% dos combustíveis fósseis deverão permanecer no subsolo.
Arthur Neslen, Bruxelas, 26/11/2015, The Guardian
Tradução e adaptação de José Oliveira