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Enviada ao governo Declaração de Alternativas ao UE-Mercosul subscrita por mais de 170 OSC

Enviada ao governo Declaração de Alternativas ao UE-Mercosul subscrita por mais de 170 OSC

Enviada ao governo Declaração de Alternativas ao UE-Mercosul subscrita por mais de 170 OSC

No dia 11 de Maio, a TROCA enviou um email com a Declaração de Alternativas ao UE-Mercosul, subscrita por mais de 170 OSC, aos Ministros de Negócios Estrangeiros, João Gomes Cravinho e da Economia e do Mar, António Costa Silva, à Ministra da Agricultura e da Alimentação, Maria do Céu Antunes, ao Secretário de Estado dos Assuntos Europeus, Tiago Antunes e Secretária de Estado da Promoção da Saúde, Margarida Tavares.

A Declaração foi também subscrita por 12 organizações portuguesas, nomeadamente: 

  • Climate Save
  • TROCA – Plataforma por um Comércio Internacional Justo
  • GAIA – Grupo de Acção e Intervenção Ambiental
  • Academia Cidadã
  • Climáximo
  • Palombar – Associação de Conservação da Natureza e do Património Rural
  • Ecomood
  • CIDAC – Centro de Intervenção para o Desenvolvimento Amílcar Cabral
  • Campo Aberto – associação de defesa do ambiente
  • ATBG
  • Opus Diversidades
  • ZERO – Associação Sistema Terrestre Sustentável

 

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Reproduzimos aqui na íntegra a carta enviada, à qual aguardamos resposta:

Exmo. Sr. Ministro do Negócios Estrangeiros, João Gomes Cravinho,

Exmo. Sr. Ministro da Economia e do Mar, António Costa Silva,

Exma. Srª. Ministra da Agricultura e da Alimentação, Maria do Céu Antunes,

Exmo. Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus, Tiago Antunes,

Exma. Srª. Secretária de Estado da Promoção da Saúde, Margarida Tavares,

Nós, mais de 170 Organizações da Sociedade Civil da UE e da América Latina, registamos com grande preocupação as actuais discussões sobre a assinatura de vários novos acordos comerciais altamente controversos entre a UE e os quatro países do Mercosul, bem como com o México e o Chile.

Estes acordos, mesmo que lhes seja adicionado um protocolo sobre desenvolvimento sustentável e mecanismos de aplicação, são prejudiciais para as pessoas e para o planeta. Eles contrariam os objectivos de sustentabilidade da UE, entre os quais o último pacote de políticas “Fit for 55”, que visa reduzir as emissões de CO2 em 55% até 2030, entre outros. 

Os acordos comerciais supramencionados, especialmente o acordo com o Mercosul, conduzirão a uma maior pressão sobre ecossistemas sensíveis, como a floresta amazónica, a um aumento das monoculturas orientadas para a exportação e à alteração da utilização dos solos para a criação de gado, a uma maior utilização de pesticidas – agravando assim os problemas de saúde existentes nas comunidades locais e devastando ainda mais a fauna e a flora circundantes.

Além disso, estes acordos comerciais estão em contradição com os esforços da UE no sentido de promover  em todo o mundo um desenvolvimento sustentável e justo. Também aumentarão o fosso entre as economias altamente competitivas e pós-industrializadas da UE e os países do Sul Global, aprofundarão as dependências e fomentarão as desigualdades, mesmo no interior dos países. Entre os grupos mais afectados por estes acordos estão as mulheres e as raparigas, especialmente as que já vivem em condições precárias, os camponeses e as comunidades indígenas.

Assim, se a UE quer, de facto, enfrentar os desafios do século XXI de forma adequada e proactiva, não pode continuar com o “business as usual”. Precisamos de uma forma completamente nova de fazer comércio. Nesse sentido, anexamos uma declaração sobre os princípios em que deverá basear-se o novo modelo comercial, nomeadamente, na solidariedade, igualdade, cooperação, sustentabilidade e democracia.

No sentido de podermos aprofundar estas questões, solicitamos uma reunião, assim que possível.

Aguardando resposta,

com os melhores cumprimentos,

TROCA – Plataforma por um Comércio Internacional Justo

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Declaração: Solidariedade, igualdade, cooperação e comércio sustentável: uma alternativa ao acordo comercial UE-Mercosul

Acreditamos firmemente que os países do MERCOSUL e da UE precisam de melhorar e transformar o seu relacionamento. Nos últimos três anos, movimentos sociais, organizações da sociedade civil, sindicatos e associações de agricultores de ambos os lados do Atlântico lutaram juntos com sucesso para impedir que o acordo comercial UE-Mercosul fosse ratificado. O acordo proposto serviria principalmente os interesses das multinacionais em detrimento dos limites planetários, dos povos indígenas, dos pequenos agricultores, dos trabalhadores e do bem-estar animal, e levaria à desindustrialização e desigualdades sociais insustentáveis. Isso não é algo que alguns instrumentos adicionais ao acordo possam mudar. Ao mesmo tempo, a nossa actual relação económica já se baseia numa relação de poder assimétrica e em termos de comércio desiguais, moldados por uma história de colonialismo com efeitos devastadores sobre as pessoas, os animais e o planeta.

Por isso, as organizações signatárias acreditam que o acordo UE-Mercosul deve ser encerrado e que é hora de basear o nosso futuro comum nos princípios de solidariedade, igualdade, cooperação, sustentabilidade e democracia. O nosso objectivo não é mais comércio e lucro desenfreado e descontrolado para alguns, mas uma vida boa para todos. O comércio pode ajudar-nos na transição para sociedades e métodos de produção sustentáveis, mas só se for baseado em novos princípios. As negociações sobre as relações políticas, económicas e comerciais entre as nossas duas regiões devem basear-se nestes princípios.

Solidariedade

A nossa futura relação não deve basear-se na exploração, mas sim na solidariedade. Portanto, devemos colocar em primeiro plano os direitos humanos e dos trabalhadores; os povos indígenas; os pequenos agricultores e famílias de agricultores; e o bem-estar dos animais, sempre protegendo a biodiversidade e o clima. Esses direitos devem ser universalmente garantidos, a sua proteção deve ter precedência sobre qualquer negócio ou interesse comercial, e devem ser vinculativos ​​de acordo com a lei internacional de direitos humanos, não com a legislação sobre comércio e investimento. Não podemos permitir que empresas multinacionais continuem a beneficiar das assimetrias económicas e da desigualdade de direitos.

Moldar o nosso futuro em solidariedade também significa reconhecer e corrigir a relação tremendamente injusta e a história de colonialismo e exploração que dela decorre. Portanto, devemos visar activamente a descolonização das nossas relações. Isto começa por reconhecer e assumir a responsabilidade pela dívida histórica social, ecológica, financeira e climática que a Europa tem para com os povos dos países do Mercosul, pagando essas dívidas, inclusive através do financiamento público pela UE de projectos de desenvolvimento dos povos do Mercosul para sociedades justas e sustentáveis, e em termos comerciais, concedendo um amplo tratamento horizontal especial e diferenciado aos países, indústrias e produtores do Mercosul.

Igualdade

As políticas comerciais e de investimento contribuíram até agora para aumentar as desigualdades, entre regiões e entre pessoas, e para reforçar relações de poder como o patriarcado, o racismo e o neocolonialismo que beneficiam as empresas multinacionais e os grandes latifundiários. Um futuro acordo deve mudar de rumo e contribuir para aumentar a igualdade. Isso começa pelo reconhecimento dos direitos indígenas e pelo apoio às comunidades indígenas e rurais, incluindo quilombolas afrodescendentes, pequenos agricultores e famílias agricultoras, tanto na Europa como no Mercosul, comunidades ribeirinhas (Ribeirinhos) e pescadores artesanais, para que mantenham as suas terras e a sua cultura e evitar o comércio de qualquer produto que possa ameaçá-la.

Significa também superar modelos econômicos baseados na apropriação do trabalho reprodutivo não remunerado e mal remunerado em ambos os lados do Atlântico, bem como a discriminação das mulheres no mercado de trabalho por empresas multinacionais, reforçando assim as estruturas patriarcais. Em vez disso, um acordo futuro deve encorajar abordagens públicas e de bem-estar. Os serviços públicos e de bem-estar fornecidos pelo Estado sem fins lucrativos são um direito humano e devem ser enraizados localmente e ser respeitados em qualquer acordo internacional.

Cooperação

A cooperação, e não a competição, deve ser o princípio no qual baseamos as nossas relações. Só as grandes empresas vencem quando os trabalhadores e os agricultores se enfrentam.

A UE e o Mercosul devem ser capazes de proteger as famílias de agricultores e os pequenos agricultores contra a concorrência desleal, e o Mercosul deve ser capaz de proteger as indústrias nacionais que fornecem empregos de alta qualidade.

Cooperação significa que não devemos tentar aumentar o comércio entre nossas sociedades como um objectivo em si mesmo, mas devemos principalmente melhorar as transacções comerciais de produtos que são produzidos de forma sustentável e que não são fáceis de conseguir de um ou outro lado do Atlântico.

Qualquer acordo futuro deve incluir a transferência de tecnologia e de conhecimento, portanto livres de direitos de propriedade intelectual controlados por empresas, para apoiar a necessária transformação social e tecnológica das nossas economias aprendendo uns com os outros.

Sustentabilidade

Um futuro acordo deve contribuir para a transição para sociedades e modos de produção sustentáveis, basear-se nos princípios da soberania alimentar, agroecologia, cuidado e garantir a reciprocidade em altos padrões de qualidade em todas as áreas, uma vez que a UE tenha tomado medidas de descolonização e medidas especiais e tenha sido promulgado o Tratamento Especial e Diferenciado.

A sustentabilidade não é algo que se coloque no final de um acordo num capítulo à parte, sem força executória. A sustentabilidade deve ser um eixo transversal fundamental. Portanto, devemos aspirar a comercializar apenas produtos que não sejam prejudiciais ao planeta, aos animais e às pessoas. Isso significa acabar com o comércio de produtos agrícolas provenientes de monoculturas como soja e cana-de-açúcar, bem como com a pecuária intensiva que contribui para o desmatamento, a perda de biodiversidade e a propagação de zoonoses. Devemos comercializar produtos sustentáveis, privilegiando os produtos locais sempre que possível. Significa também acabar com a exportação para o Mercosul de produtos nocivos e perigosos, como agrotóxicos proibidos na Europa. O comércio sustentável também significa reduzir as emissões dos transportes. A nossa relação não pode basear-se na extracção de recursos que se encontram na parte mais baixa da cadeia de valor em benefício das economias europeias. Os povos do Mercosul precisam de ter o direito de dizer não às práticas extractivistas nocivas e exigir um preço justo pelos seus recursos. O nosso relacionamento comercial deve concentrar-se em métodos de produção sustentáveis ​​e em produtos que não estão disponíveis na UE ou no Mercosul.

Democracia

Finalmente, a relação entre os povos do Mercosul e a UE não pode ser decidida à porta fechada. Qualquer acordo futuro deve ser negociado com base nos princípios acima mencionados de forma democrática, participativa e transparente. Este processo deve colocar as pessoas mais afectadas em primeiro lugar. Os povos indígenas, os pequenos agricultores e as famílias de agricultores, mulheres e homens, trabalhadores e sociedade civil devem liderar este processo, para garantir que seus interesses e os limites do planeta sejam respeitados. Os direitos dos povos indígenas ao consentimento livre, prévio e informado devem ser respeitados, e os povos de ambas as regiões devem ter o direito de dizer NÃO a qualquer acordo que não atenda aos seus legítimos interesses e aspirações por sociedades democráticas, sustentáveis ​​e justas.

Além disso, qualquer acordo futuro deve salvaguardar o espaço político mais amplo possível para que os governos possam cumprir o seu mandato no interesse público como pré-condição para a democracia, e não devem promulgar-se em acordos cláusulas de comércio e investimento que possam ameaçar esse espaço político. O nosso futuro comum depende de democracias mais robustas e do poder dos povos, e não de interesses instalados e um poder empresarial mais forte e enraizado.