Aquilo que a TROCA e a rede europeia pelo abandono do Tratado da Carta da Energia (TCE) vêm repetindo há mais de um ano, volta a confirmar-se: a “modernização” do TCE é uma missão impossível e entrava a transição energética!
Informações “vazadas” sobre a ronda de negociações realizada nos dias 1 a 4 de Junho passado, mostram que não há avanços palpáveis e que países cuja economia depende em grande medida dos combustíveis fósseis, como o Cazaquistão, rejeitam liminarmente passos para a eliminação da protecção especial (ISDS) destes combustíveis, largamente responsáveis por emissões com efeito de estufa.
Por isso, mais de 400 organizações da sociedade civil e mais de um milhão de cidadãos europeus apelaram ao abandono do TCE e vários políticos e países como a França, a Espanha e a Polónia já se pronunciaram em favor de uma saída coordenada da EU.
Face à crise climática em que nos encontramos, é de uma enorme inconsciência continuar a perder tempo precioso com umas supostas negociações que não levam a lado nenhum e apenas prolongam a vida dos combustíveis fósseis.
Segue o comunicado de imprensa divulgado por Friends of the Earth e CAN Europe:
Bruxelas, 6 de Julho de 2020 12:00 CET – Com o início das novas negociações (6-9 de Julho) para a reforma do controverso Tratado da Carta da Energia (TCE), canais diplomáticos vazados revelam que as conversações estão a falhar e as tentativas da UE para reduzir gradualmente a protecção dos investimentos em combustíveis fósseis foram rejeitadas. [1]
Mais de 400 organizações da sociedade civil mundial, incluindo a Friends of the Earth, CAN Europe, Greenpeace, WWF, Avaaz estão hoje (6 de Julho) a declarar que o TCE é um obstáculo à transição de energia limpa e a apelar para que a UE e os governos saiam do tratado, até à Cimeira das Nações Unidas sobre o Clima, em Novembro de 2021, em Glasgow. [2] E em Bruxelas, activistas vestidos de políticos, paralisados por uma gigantesca espada de Dâmocles, representam a ameaça do tratado que está a dificultar seriamente a acção climática. [3]
Relatos oficiais internos da quinta ronda de negociações ocorrida no início de Junho descrevem a posição negocial da Comissão Europeia como “bastante fraca”, depois de nenhum dos outros membros do tratado a ter subscrito – com um deles, o Cazaquistão, rejeitando-a liminarmente. Como resultado, os canais vazados sugerem que a Comissão poderia a seguir procurar ter mais “flexibilidade”. Tais concessões irão inflamar ainda mais os defensores do ambiente, que têm colocado em cima da mesa as propostas da UE como demasiado fracas para cumprir os objectivos do Acordo Verde Europeu e do Acordo de Paris – uma vez que iriam proteger os investimentos fósseis existentes e as novas instalações de gás por mais 10-20 anos. Quaisquer alterações requerem o acordo unânime dos países membros do tratado.
Em recente declaração à Assembleia Nacional, a ministra francesa da ecologia Barbara Pompili corrobora o quadro confuso do impulso “fraco” e das conversações que “não estão no bom caminho”. Ela confirmou a ambição da França de reunir aliados, como a Espanha e a Polónia, para operar uma saída coordenada do tratado. [4]
Paul de Clerck, coordenador do Dep. de Justiça Económica na Friends of the Earth Europe, afirmou:
“Tem ficado claro desde o primeiro dia que este tratado de protecção do poluidor é incapaz de mudar. Vários países recusam-se a tornar o tratado adequado a um sistema energético livre de fósseis – e rejeitam até as propostas fracas da UE. Estamos numa crise climática que não dá tempo para esperar por negociações que não levam a lado nenhum – por isso a UE e os governos europeus não têm outra opção senão fazer as malas e sair deste tratado prejudicial até à cimeira climática da ONU em Novembro”.
Cornelia Maarfield, do Dep. de Comércio e Projectos Climáticos da Climate Action Network (CAN) Europe, afirmou:
“Este tratado tóxico é uma espada de Dâmocles que ameaça descer com pedidos de indemnização multimilionários quando os países aprovarem políticas climáticas. O poder e a influência das empresas de combustíveis fósseis devem ser drasticamente reduzidos para que a transição energética seja um sucesso, e abandonar o Tratado da Carta da Energia é um passo vital”.
O Tratado da Carta da Energia bloqueia acções para transformar o sistema energético alimentado por combustíveis fósseis, permitindo que empresas estrangeiras de carvão, petróleo e gás processem os governos por acções que possam prejudicar os seus lucros – incluindo acções climáticas. [5] No início deste ano, as empresas de energia RWE e Uniper reclamaram milhares de milhões de euros ao governo holandês pela sua decisão de eliminar progressivamente a energia do carvão. [6]
Activistas acusam o Tratado de agir como uma espada de Dâmocles pendurada sobre as cabeças dos decisores, com um mecanismo de arbitragem investidor-estado que dissuade a acção climática sob a ameaça de processos de compensação multimilionários, criando um efeito de “congelamento regulamentar”. Uma declaração das ONGs está também a avisar que a reforma poderá tornar um acordo perigoso ainda pior para o clima, se acrescentar a bioenergia ao abrigo do regime de protecção do investimento da ECT. [7]
NOTAS:
[1] Duas informações vazadas por canais diplomáticos sobre o que foi relatado sobre no Grupo de Trabalho sobre Energia do Conselho da UE – no qual a Comissão Europeia apresentou um resumo da quinta ronda de negociações da modernização do Tratado da Carta da Energia https://cloud.foeeurope.org/index.php/s/NrKAAm6a3nHQqxR
[2] Carta aberta de 402 organizações da sociedade civil internacional pedindo aos membros do TCE que o abandonem até à COP26 https://cloud.foeeurope.org/index.php/s/NrKAAm6a3nHQqxR
[3]. Fotos serão disponibilizadas aqui: https://www.flickr.com/photos/foeeurope/
[4] Barbara Pompili, Ministra francesa para a Transição Ecológica, afirmou na Assembleia Nacional em 22 de Junho de 2021: “Le traité sur la charte de l’énergie est vraiment obsolète, il protège, entre autres, les investissements dans les énergies fossiles”, affirme @barbarapompili, qui envisage de “proposer un retrait coordonné [du traité par] l’Union européenne et ses Etats membres”. #DirectAN – https://twitter.com/LCP/status/1407348664037789696
[5] Ver mais informação https://cloud.foeeurope.org/index.php/s/NrKAAm6a3nHQqxR
[6] https://friendsoftheearth.eu/press-release/coal-company-sues-netherlands-for-1-4-billion/
[7] https://www.biofuelwatch.org.uk/2021/ect-biomass-letter/