No Brasil, quem apresenta informação que ajude a compreender as consequências devastadoras do Acordo UE-Mercosul tem sido perseguido.
Recentemente, Larissa Bombardi teve de pedir exílio procurando abandonar o Brasil em resposta às ameaças que tem sofrido desde que publicou o seu trabalho de pós-doutoramento: “Atlas Geográfico do Uso de Agrotóxicos no Brasil e Conexões com a União Europeia” lançado em finais de 2017. O estudo demonstra em 200 páginas a extensão da utilização de agrotóxicos no Brasil e a conexão destes com as exportações feitas para a União Europeia. Demonstra também que 30% dos agrotóxicos permitidos no Brasil são proibidos na União Europeia, incluindo dois dos dez mais vendidos. Além disso, a sua pesquisa mostrou as diferenças entre os limites de resíduos de agrotóxicos permitidos em alimentos e na água tanto no Brasil como na União Europeia, demonstrando uma diferença significativa.
Torna-se portanto claro que o acordo comercial UE-Mercosul será uma porta de entrada de agrotóxicos perigosos para a saúde humana no espaço da União Europeia. Larissa Bombardi denuncia que “Existe um ciclo do envenenamento. A maior parte dos pesticidas vem dos Estados Unidos e União Europeia. Conglomerados químicos como a Monsanto, Bayer ou Syngenta também exportam para países terceiros os pesticidas proibidos na Europa. A maior parte desses produtos químicos e dos danos fica naturalmente no Brasil, mas uma parte volta para Europa, na forma de alimentos exportados”. Foi em resposta a estas denúncias que as ameaças tiveram início.
Sonia Guajajara, coordenadora da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), também tem feito denúncias importantes: “Estamos a tentar mostrar que os produtos [brasileiros] que a população está a consumir vêm regados de sangue indígena, seja a carne, o couro, o chocolate ou a soja”, disse Sonia Guajajara, lembrando que “tudo vem das áreas de conflito” com as comunidades indígenas, que “estão a ser desmatadas, onde há exploração ilegal de minério e trabalho escravo”.
“O apelo geral é para que o acordo do Mercosul não seja ratificado nos termos atuais. É preciso que haja garantia de respeito e cumprimento dos direitos humanos e ambientais, bem como sanções para empresas e governos” que não cumpram, disse.
Recentemente a Polícia Federal (PF) intimou Sónia Guajajara devido a um documentário onde critica a acção do governo durante a pandemia. A coordenadora foi intimada no último dia 27 pela PF a prestar depoimento no inquérito aberto em Março para investigar as críticas ao governo federal no documentário “Maracá”, da APIB.
Em causa está uma queixa que alega que as críticas ao governo correspondem a uma “campanha de calúnia e difamação“, enquadrada no crime de estelionato. As organizações de defesa dos povos indígenas envolvidas no documentário são caracterizadas como “organizações comunistas” que “prejudicam o Brasil, ao articular informações para denegrir a imagem para o exterior”.
Sonia Guajajara não se deixou intimidar com esta tentativa anti-democrática de silenciar suas críticas. E bem. Na passada Quarta-feira, a Justiça Federal do Distrito Federal determinou à Polícia Federal o arquivamento deste inquérito:
O juiz federal afirmou que as denúncias “não trazem quaisquer indícios, mínimos que fossem, de existência de abuso de exercício de direito ou de cometimento de qualquer espécie de crime, seja contra terceiros, seja contra a União“. O juiz tornou nulo o acto da Polícia Federal que intimou Sonia Guajajara, dando à Polícia Federal cinco dias para prestar informações sobre o inquérito. Para o juiz, este processo revelou uma tentativa velada de usar a Lei de Segurança Nacional contra a líder indígena. Segundo ele, a lei “corporifica vil instrumento de perseguição penal contra aqueles que eventualmente façam oposição contra a estrutura política e governamental dominante, qualquer que seja“.