Resumo e adaptação de José Oliveira
Estado das negociações
Bruno Maçães, secretário de estado dos assuntos europeus:As coisas estão muito bem encaminhadas, há muita transparência e um grande interesse em fechar as negociações ainda este ano ou no próximo. Ambos os lados têm um sentido de urgência, porque o TTIP é um contributo fundamental para uma nova geopolítica. A UE não pode ficar de fora, pois se isso acontecer haverá custos significativos. Portugal será um dos países que mais beneficiará. É absolutamente claro como se comprova pelo estudo encomendado pelo governo e que é corroborado por um novo estudo mais recente.
A nossa crise está directamente relacionada com a entrada da China na OMC. Devemos aproveitar os benefícios potenciais ao máximo, mobilizando o país para esta oportunidade.
João Vale de Almeida, ex-embaixador nos EUA e também ex-relator do TTIP:
O assunto é dificil de discutir, pois este é o lugar onde a economia encontra a política e economia é poder. Há muitas campanhas bem organizadas e bem pagas contra o TTIP. É pena que o debate seja ocupado com os oponentes, uma vez que os defensores do TTIP têm de ser eles a ocupar o debate. É óbvia a necessidade de reforço das relações atlânticas, principalmente sobre os desafios que vêm a caminho. Ou somos nós que ditamos as regras ou serão outros. Temos de nos voltar para os nossos amigos e os EUA fazem parte deles. É falso dizer que o TTIP só será bom para os grandes. Com a baixa das barreiras não tarifárias, uma pequena empresa terá mais facilidade de enfrentar a concorrência. Claro que as grandes empresas também vão beneficiar. Se uma PME ganhar um nicho no mercado americano, ele será muito maior que o correspondente europeu. É falso que o resultado final seja uma quebra nos padrões, pois existe um compromisso claro para não diminuir os níveis de protecção. Temos de saber muito bem quem é o inimigo principal. Não é uma “race to bottom”, é pelo contrário uma “race to the top”. Nunca vi uma transparência tão grande como esta, pois em todo o lado encontramos o essencial sobre o TTIP.
(Nota: No Centro Europeu Jean-Monet em Lisboa, não existe qualquer documentação sobre os Tratados TTIP, CETA ou TISA nem os funcionários sequer sabem do que se trata.)
Vital Moreira, ex-relator das negociações:
Não é verdade o TTIP seja uma coisa secreta, pois os deputados têm acesso a toda a informação. Este não é um acordo como os outros, pela ambição, pelos problemas e pelo muito que está em causa, ou seja, a liderança euro-americana sobre a regulamentação e a liberalização. O último estudo de impacto fica aquém da realidade, pois utiliza dados de 2011 ou 2012 e, entretanto, a economia melhorou. Hoje Portugal é mais periférico para a UE e mais central para as relações atlânticas. O ISDS é o ponto mais controverso onde os avanços são menores. Havia 1400 tratados de investimento entre os estados membros da UE aquando do Tratado de Lisboa, mas a dimensão agora será muito maior. Trata-se de tornar o TTIP num “golden standard”. As negociações ainda estão num estado muito incipiente. O ISDS é muito importante porque a arbitragem é muito rápida. A Comissão Europeia está a estudar o caso e a decisão final será personalizada pelo comissário Timmermans. (Nota: nenhuma referência sobre os resultados da consulta pública a respeito do ISDS).
Há garantias estabelecidas de que não haverá carne com hormonas na Europa. A comissária Cecilia Malmström acaba de o garantir. Não deve haver preocupações com a cláusula provisória, pois é natural que alguns pontos do tratado entrem automáticamente em vigor.
João Vale de Almeida:
Se houvesse conspiração, nós não estariamos aqui. Não há, portanto, nenhuma conspiração. Não vamos abandonar os níveis de protecção europeu. Existe uma campanha organizada contra o TTIP, mas não se sabe quem a financia.
Vital Moreira:
É pura fantasia pensar que o TTIP é uma conspiração. Quem é contra o TTIP é contra todos os estados da UE, pois estes votaram o mandato negocial concedido. A prosperidade da UE baseia-se na liberalizção e na abertura, enquanto as campanhas contra o TTIP se baseiam na pura fantasia.
Estudos da Universidade Nova
Francisco Franco, New School of Economics:
Esta instituição está a trabalhar num estudo sobre o TTIP. O aspecto mais importante do tratado é a remoção das barreiras não tarifárias. Os estudos agrupam-se em dois conjuntos que partem de modelos diferentes. Os quatro principais centram-se no desenvolvimento das potencialidades, enquanto o estudo de J. Capaldo se concenta na redistribuiçãodo bolo existente e não no seu aumento.
A produtividade americana é de $40/ hora na agricultura e de $50/ hora na manufactura, enquanto na Europa é $30 e $40 respectivamente, portantos os EUA são mais produtivos. Teoricamente quanto maior for o mercado, maior será a eficiência e os ganhos. No sector textil, Portugal é muito competitivo e irá beneficiar. No sector da maquinaria é pouco competitivo e irá perder. No geral, Portugal é um dos países europeus que mais tem a ganhar com o TTIP. Os estudos têm dificuldade em dar conta das diferenças entre países e suas economias. Acresce que alguns países e grupos de países podem ou não ser afectados por problemas económicos, crises ou outros. Além disso, a fiabilidade na recolha de dados pode ser muito diferente de caso para caso.
Vital Moreira contesta a comparação entre as duas economias da UE e dos EUA baseada na agricultura e manufactura, visto que ambas têm um largo sector de serviços onde a UE tem muito a ganhar.
Francisco Franco: O estudo de J. Capaldo baseia-se numa lógica inválida.
Vital Moreira: Critica o trabalho de Francisco Franco por colocar ao mesmo nível o trabalho de Capaldo e os outros, visto que o primeiro não é um estudo nem é de um cientista, é um working-paper de um candidato ao mestrado, vindo de uma universidade de 2ª categoria.
ISDS
Pablo Neira, membro da equipa negociadora (MEN) do TTIP, da Comissão Europeia:
O tópico ISDS é muito complicado e até parece um campo de minas. Este tratado é muito diferente dos outros, até por causa das Comissões Regulatórias. A Comissão Europeia está a trabalhar nisto porque os estados lhe pediram. As negociações estão paradas para a CE estudar o caso, tendo sido lançada uma consulta pública cujas respostas atingiram um número record. A esmagadora maioria foi contra. (Nota: por razões que se desconhecem, Portugal não participou dessa consulta…).
As propostas da UE para melhorar o ISDS foram consideradas positivas, mas insuficientes. Para se parar com tudo isto, tal teria de ser requerido pelos Estados-Membros (EM). Ainda não há qualquer decisão sobre a inclusão ou não do ISDS no TTIP, mas se ficar terá quese conformar com certas regras e terá de haver um acordo com todos os que têm interesse no assunto.
Tiago Duarte, professor de direito e membro da Associação Portuguesa de Arbitragem:
Sobre o ISDS é muito importante fazer o pare, escute e olhe. Há cinco aspectos essênciais:
- Significado do ISDS;
- Para que serve?
- Criticar o quê?
- Reformar ou abandonar?
- O problema dos detalhes,
- As companhias podem processar os estados, recorrendo a árbitros independentes (?); que direitos garantir aos investidores? O sistema tem funcionado em termos satisfatórios (???). Se há terreno neutro é o da arbitragem (???).
- Há muitos processos, mas daí não parece que venha mal ao mundo (???).
- Não se trata de uma desconfiança das empresas face aos estados (???), mas antes de uma aspiração a mais agilidade e mais rapidez. Em geral, as críticas dirigem-se mais contra a globalização e outros aspectos. A arbitragem não pretende impedir os estados de legislar (???), embora se diga que o sistema está capturado pelas multinacionais, mas não é verdade. Em 2011, houve 356 litígios, dos quais apenas 25% foram ganhos pelas companhias e 30% foram ganhos pelos estados (Nota: ao número dos processos ganhos pelas companhias há que adicionar os casos em que se chegou a acordo. Aí os estados concordaram com a indemnização e perderam portanto. Além disso, quando os estados ganham, de facto não ganham nada, tendo até de pagar as custas judiciais).
- Desistir seria um sinal negativo, sobretudo no contexto com a China. A consulta pública foi muito importante para tirar argumentos aos criticos. O essencial é que os investidores possam demandar os estados em pé de igualdade (Nota: Este ponto é completamente falso. Não existe qualquer igualdade. As companhias podem processar os estados, mas estes não podem processar as companhias).
- Cecilia Malmstrom defende posições intermédias sobre o ISDS e, acha que se deve atender aos sentimentos das pessoas e tentar aprender com os erros.
Jam Kleinheisterkamp, professor da London School Economics:
As negociações devem conduzir a resultados bons para todos. Há alguns princípios consensuais: o da não discriminação, o da protecção da propriedade e o do tratamento justo e equitativo (????). Muitas críticas ao ISDS não são racionais, embora seja verdade que, como sucede na Alemanha, os críticos não são apenas comunistas ou pessoas anti-sistema. No caso Vattenfall, o parlamento alemão considera que não se trata de uma expropriação ilegal dos lucros, mas antes do direito de legislar no interesse público. Os tribunais normais não são competentes para julgar estes casos, mas temos de nos assegurar que o que for feito vai ser bem feito.
Segundo o Trade Act (USA), nenhum tratado pode dar ao investidor mais poder do que aquele que tem o parlamento e algo de semelhante foi votado pelo Parlmento Europeu. Hoje não é claro aquilo que as regras europeias concedem ou não aos investidores. É falso que os tratados concedam super-direitos às empresas, mas sim mais segurança nos investimentos (???).
Denominações de origem
Francesco Meggiolaro, membro da equipa negociadora (MEN) do TTIP, da Comissão Europeia:
A denominação de origem é um conceito geográfico que abrange uma zona de um país e a qualidade de um certo produto, bem como as suas características. Trata-se, portanto, de intervir sobre produtos falsificados e exigir às autoridades que os apreendam. A UE tem de proteger as suas marcas. Mas nos EUA há conflitos a este respeito, pois consideram que os nomes famosos europeus são apenas nomes comuns e, portanto, qualquer um pode fabricá-los e vendê-los. Aí tudo se resume às marcas registadas e não às denominações de origem. Nos EUA, o fabricante é que tem de policiar a sua marca e perseguir os falsificadores. Os pequenos produtores não podem fazer isso nem arcar com as custas judiciais. Por exemplo, o queijo italiano Aziago, que antes era um queijo comum, a dada altura passou a ser uma marca registada e a empresa exige que não haja cópias. Como passou a ser famoso nos EUA, as cópias multiplicaram-se e a empresa não consegue proteger-se dessas falsificações. Em acordos anteriores sobre vinhos, os nomes europeus mais famosos foram considerados semi-comuns pelos americanos e o processo sofreu medidas dilatórias. Tanto no CETA como no TTIP, a UE introduziu a política de se ater a algumas poucas designações de origem e continuou a exigir que as autoridades tenham competênciapara apreender as falsificações e os falsificadores. Nem sequer os americanos aceitam a designação da marca com a palavra estilo atrás = Portwine Style. A UE não quer proteger todas as marcas, mas apenas algumas mais importantes.
Bruno Maçães:
Existe o mito de que o TTIP vai favorecer sobretudo as grandes empresas, mas não é verdade. Há uma tendência anti-comércio livre, mas não é para ser levada a sério por ser xenófoba. A extrema-direita e a extrema-esquerda é que veículam essa ideia que acompanha uma quebra geral de confiança nas instituições. O comércio livre representa o triunfo da igualdade e da democratização (???). O free-trade é muito positivo e até favorece as PME (pequenas e médias empresas). Também não é verdade que o TTIP irá favorecer sobretudo os países mais desenvolvidos, pois há estudos que mostram que Portugal será um dos mais beneficiados, junto com a Dinamarca. Parece que os grandes defensores do TTIP são países do sul, Espanha e Itália. Considerando os índices de complementariedade (Portugal exporta coisas que os americanos importam), as nossas exportações dificilmente podem ser substituidas por produtos americanos-
Pedro Silva Pereira, eurodeputado, membro da Comissão do Comércio Internacional:
Houve importantes conquistas a respeito da transparência em resultado da enorme pressão da opinião pública. Este é o mais transparente de todos os tatados. É um acordo de enorme potencialidade, inclusive no domínio politico e geoestratégico. A economia europeia precisa muito deste pilar, sobretudo devido ao impasse das negociações da OMC. A UE precisa de ter uma resposta à altura também no estabelecimento de padrões regulatórios. Não seria desejável que fossem outros a fazê-lo. Este é o tempo da negociação e não de olhar para a lista dos perdedores ou dos vencedores. Agora trata-se de acautelar os nossos interesses e minimizar os prejuízos (tomate, laticínios dos Açores,…). O calendário das negociações é muito optimista e os trabalhos não vão terminar este ano. O capítulo da arbitragem e protecção do investimento está quase parado, pois a UE entende dever clarificar melhor o assunto. O capítulo energia e dos serviços financeiros ainda estão numa fase incipiente e o presidente Obama continua a não conseguir aprovar o fast-track. A controvérsia é muito grande, sobretudo nos países germânicos. O ISDS está a levantar muitos problmas devido a más experiências anteriores e tem consequências graves que têm de ser resolvidas. O problema tem duas dimensões: a dimensão dos direitos dos investidores e o funcionamento dos próprios processos. Temos de equacionar se precisamos da arbitragem e de que modo deve funcionar. A UE está a introduzir algumas reformas no ISDSporque deu razão aos cidadãos aquando da consulta pública. Assim, a UE reconhece que mesmo o CETA tem de ser melhorado, embora haja relutância em reabrir as negociações. Em Maio, o Parlamento Europeu vai aprovar uma resolução sobre o TTIP-
Bruno Maçães:
É importante que todos falem e não apenas os críticos, para que as negociações corram bem e para se preparar o ajustamento. A agricultura será deixada para o fim das negociações e é provável que haja um período de transição.
(O debate que deveria seguir-se foi impedido pela moderadora que, substituindo-se ao público colocou diveras questões que esgotaram todo o tempo disponivel. Os cidadãos não intervieram e protestaram a seguir.)
Indústria e Investigação
Pablo Neira:
A nova ronda de negociações ocorrerá a 9 de Abril, nos EUA. As negociações estão difíceis, o sector dos serviços é muito complicado e os americanos têm muitas protecções (buy American Act). As Comissões Regulatórias também são um problema muito complexo. Sobre a indústria, a intenção é reduzir os regulamentos e manter a qualidade, devendo permanecer a transparência.
Carlos Zorrinho, eurodeputado (PS), membro da Comissão da Indústria, Energia e Ambiente:
A UE não tem capacidade competitiva na actual globalização, portanto, precisa de se proteger. O novo quadro é a União Digital e a União da Energia. Temos de usar o TTIP como uma alavanca dinâmica para recuperar o equilibrio geoestratégico e estabelecer um novo modelo de regulação global. Portugal tem de mudar a sua economia para competir em muitas áreas, embora haja algumas linhas vermelhas. É muito importante salvaguardar as normas europeias e alinhar com os EUA no que eles têm de melhor, puxando-os para os nossos valores. O acordo parece imparavél.
João Faustino, presidente da CEFAMOL, Associação Nacional da Indústria de Moldes:
Este ramo terá muito a ganhar com o TTIP. Tem exportado muito para os EUA, mas com a deslocalização isso mudou. Hoje apenas 4 a 5% da produção é exportada para esse destino, e várias empresas tentam penetrar nesse mercado que tem pouca actividade neste sector. Assim, os EUA não poderão concorrer conosco. É uma grande oportunidade para nós.
Daniela Antão, APRITEL, Associação de Operadores de Telecomunicações:
A liberalização começou há 15 anos em Portugal e hoje há uma redução no nº de operadores. A UE quer lançar o Single Market neste sector. Uma das questões é a da igualdade no acesso ao espectro que, no caso dos EUA pode ser complicado. As redes de operadores são territoriais, mas há um crescente recurso ao uso da Internet que está livre de custos. Os grandes fornecedores deste ramo são principalmente americanos e por isso o tratado tem de salvaguardar esta situação. Eventualmente, será necessário reequacinar a própriaa politica monetária, visto não haver convergência da economia real.
Maria Carla Soares, Direcção da Volkswagen Auto-Europa – A redução das barreiras não tarifárias será uma grande vantagem, pois o principal mercado é o americano e os modelos já estão adaptados a ele. Não se sabe se a redução das barreiras americanas irá ou não avançar.
José António Barros, vice-presidente da CIP:
O tratado é da maior importância e urgência. Os sectores tradicionais serão muito beneficiados pela quebra das barreiras. Uma lata de atum sofre uma taxa de 50% e a de sardinha é 30%. Pensa-se que a redução das taxas será progressiva. Nos EUA, o preço da energia eléctica é metade e o de gás de Xisto 1/3 do da Europa. Sobre as compras de serviços por parte dos estados, os EUA têm a norma de o assunto ser resolvido a nível estadual e não federal, o que é particularmente complicado.
Miguel Seabra, presidente da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) – O TTIP será muito bom para este ramo e vai criar excelentes condições para o avanço da globalização.
João Maia, director executivo da APPICCAPS, Associação Portuguesa dos Industriais de Calçado, componentes, Artigos de Pele e seus Sucedâneos:
Este sector será dos mais beneficiados, porque os EUA são dos maiores compadores do mundo, mas não produzem. A maior parte das empresas do sector já abandonou o mercado nacional. Cerca de 85% vai para a Europa. Parece haver um enfraquecimento da força política para finalizar o acordo, enquanto os EUA parecem mais interessados em finalizar primeiro o Transpacífico.
Energia e Ambiente
Pablo Neira:
É importante reduzir os custos da harmonização e da conformidade, sobretudo nos sectores onde esse custo é mais elevado. Modificar os regulamentos é muito complicado. O sector farmacéutico está a ser negociado à parte.
Carlos Zorrinho:
Há um problema de timing político devido às eleições americanas. A janela de oportunidades é agora. Em abstrato, este acordo tem uma grande potencialidade para a Europa e para o mundo. Não é alternativa deixar tudo como está. A Europa tem oportunidade de colocar nas regras globais algumas das suas próprias. A Comissão INTA (comércio internacional) quer um capítulo sobre a energia no tratado, pois neste sector existem as maiores disparidades e a UE precisa de fortes investimentos nas renováveis para baixar o seu preço. Tudo isto tem de ser incluido no tratado. Portugal pode constituir-se num HUB (centro de investimentos) europeu de distribuição de mercadorias e energia importadas dos EUA. Na Europa ainda não há nenhum acordo sobre o gás de xisto e Portugal tem de usar os fundos europeus para melhorar os portos e as vias férreas.
Com este tratado deixa de haver tomate na Europa, por isso é preciso prever compensações. O mesmo se pode dizer do nosso leite.
Marisa Matias, eurodeputada (BE), membro da Comissão da Indústria, Energia e Ambiente:
Não há consenso entre os deputados. Há duas áreas fundamentais: segurança energética e matérias primas. A UE pensa que o sector é demasiado estratégico para que o poder decisório fique apenas para os estados. A UE tem um déficit energético e pretende criar uma zona de livre comércio, para o gás natural e petróleo. Deve-se garantir o acesso a todos os cidadãos. O gás de xisto põe em causa avanços concretos e significativos nas renováveis e na eficiência. O TTIP fará recuar a situação muitos anos. Está em causa a sustentabilidade do planeta. Os padrões ambientais vão reduzir-se. Sempre que se reduz o poder dos estados e dos cidadãos, o resultado é péssimo.
Carlos Zorrinho:
Está a acontecer uma revolução silenciosa e procura-se mudar a base económica da UE. Para competir teremos que destruir alguma coisa. A Europa tem de se liberalizar através da revolução digital e da renovação energética. Nada pode ficar como está e Portugal tem de mudar o perfil da sua economia. O que for feito na UE passará a ser o modelo da regulação global. Temos de conseguir melhorar os padrões americanos (Marisa sorriu).
João Ferreira, eurodeputado (PCP), membro da Comissão da Indústria, Energia e Ambiente:
O livre comércio significa desregulação, um dos pilares do consenso de Washington, e uma resposta à queda da taxa de lucro. Já se vêem os efeitos. Com o TTIP, o ênfase está na concorrência e não na complementaridade. Vai aumentar a distância entre os centros de produção e os do consumo para níveis cada vez maais insustentáveis. É significativo que a UE tem restrições aos OGMs, mas relegou o ponto para a decisão dos estados, enfraquecendo as normas como ante-visão do futuro próximo.
João Manso, director da EDP Renováveis:
Os EUA são o nosso maior mercado. O livre comércio do gás de xisto não vai alterar muito a situação actual porque o seu preço à chegada à Europa fará pouca diferença relativamente aos preços actuais.
Nuno Silva, presidente da ENDESA
É fundamental haver um dossier energia/ambiente no TTIP. Os EUA têm baixado o preço do carvão que fornecem à Europa e esta atenuou o consumo do gás que é um combustivel muito mais limpo. A melhor maneira de afastar o carvão da produção eléctrica é ampliar a entrada de gás americano na Europa. A melhoria dos portos e transportes portugueses reforçaria a nossa posição estratégica. Há que ter em conta as alterações climáticas e as energias mais amigas do ambiente, do mesmo modo que devemos acautelar as importações vindas de países com elevado dumping social. O gás de xisto custa nos EUA $3 por unidade, enquanto na Europa custa $12, Por outro lado os sistemas electricos e energéticos americanos têm uma fiabilidade muito inferior aos europeus. No entanto, os europeus pagam facturas muito mais altas porque uma grande parte inclui impostos e taxas.
João Joanaz de Melo, coordenador do GEOTA:
A nossa maior fonte de energia, e por uma larga margem é eficiência energética, mas não há incentivos sérios à sua melhoria. A maior fatia do preço das facturas vai para rendas fixas aos investidores. Nos EUA o panorama ainda é mais grave. O aquecimento global é apenas uma das formas extremas de poluição, mas há outras igualmente graves. A mineração do fracking terá efeitos desastrosos em Portugal, sobretudo no turismo e na qualidade de vida dos cidadãos. O programa nacional de barragens é outro desastre por ser completamente insustentável, contribuindo para duplicar a dívida tarifária e criando novos problemas ambientais graves.
Jorge Morais, da EDP:
O TTIP vai trazer o acesso a novas fontes de energia, mas o gás viaja mal e isso encarece o preço. A liquefação, transporte e armazenamento acrescenta $5 a $6 ao preço, logo pouca diferença fará relativamente à actualidade. Nos EUA diz-se que o gás barato será a maior hipotese de reindustrialização, e por isso querem preservá-lo-
Eduardo Teixeira, da ERSE:
O TTIP não vai provocar grandes alterações porque os americanos não se vão abrir muito. O abastecimento não está garantido para todos, sobretudo em situação de crise, e isso irá agravar a situação que já se verifica hoje, no espaço europeu.
Marisa Matias:
Não é aceitável que seja considerado normal que apenas um grupo de técnicos possa discutir e decidir o que afecta tantos mlhões. Quanto à transparência, mesmo alguns deputados com responsabilidade em áreas específicas não têm acesso à “sala de leitura”, e mesmo os que são autorizados, não têm acesso a todos os documentos. Em geral. Os deputados só têm acesso às ordens de trabalho e não ao conteúdo das reuniões. Se nos dizem que vão ser mantidos os padrões europeus, então como compreender o esmagamento das barreiras? O aumento da competitividade só vai fazer disparar a desigualdade. Alguns vão ganhar para muitos perderem. Os padrões de eficiência europeus têm vindo a baixar de modo constante.
Carlos Zorrinho:
Há duas atitudes fundamentais: uma é contar a história e depois tomar atitudes; outra é fazermos nós a história. Existem algumas linhas vermelhas que podem fazer um bom acordo, nomeadamente, não pode existir a canibalização das normas europeias. O padrão tem de ser harmonizar pelas normas superiores e não por baixo. Os EUA têm de alinhar pelas normas europeias, sobretudo no sector trabalho. A arbitragem é fundamental porque cria um precedente relativamente às negociações com a China e outros países. De facto a transparência ainda é muito reduzida e Portugal tem de fazer um grande esforço para aumentar a sua competitividade.
João Ferreira:
A legislação europeia sobre os OGMs já está ser afectada pela influência dos interesses das multinacionais, e a norma agora aprovada fica aquém do que já se exigia há anos. Este acordo não só fará recuar as normas, mas até impedirá outras no futuro. As ligações com os EUA em termos de investigação e desenvolvimento, têm vindo a dar os seus frutos, há muitos anos, e nunca precisaram do TTIP para isso.
Cidadão: É preocupante que os jornalistam não considerem fundamental este debate, tal como é preocupante não ser dada voz aos opositores ao tratado. É inadmissivel que a comunicação social não esteja presente.
João Joanaz de Melo:
O crescimento sustentável não existe, porque os dois termos são incompativeis. Não existe sustentabilidade com o crescimento infinito. Nos níveis de consumo actual, só para os recursos básicos, seriam precisos um planeta e meio. Se adicionarmos os outros recursos não-básicos, então precisaríamos de 4 planetas, portanto, temos de implementar políticas de sustentabilidade muito mais sérias. Não devemos priorizar o aumento da energia sem antes atacar a área da eficiência. O aumento dos poderes dados às empresas tem de ser acompanhado por um aumento de poder dado aos cidadãos.
João Ferreira:
A sociedade não está desinteressada, pois as mais de 1500.000 assinaturas comprovam-no. Mas em Portugal, os media têm-se alheado do assunto e contribuído para uma certa distanciação.
Carlos Zorrinho:
Há vários industriais entusiasmados por entenderem os impactos positivos do TTIP, enquanto os ambientalistas se têm oposto.
Céu Neves, jornalista do DN e moderadora do debate “Serviços e Protecção dos Consumidores” (resumo do respectivo debate):
Ficou em aberto quem é que terá mais poder para impôr normas ao outro lado, no âmbito do tratado. Não estão a ser tidos em conta os direitos dos trabalhadores nem dos cidadãos. A concorrência é particularmente forte entre os representantes dos interesses das duas partes. Cabe aos deputados levar algumas destas preocupações ao Parlamento Europeu.
Nota: Embora tivessem sido convidados todos os canais de TV, rádios e Jornais, nenhum dos media se fez representar oficialmente. (informação veiculada pelo staff da organização da conferência).