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Sociedade civil: suspenda-se o Acordo de Associação UE-Israel

Sociedade civil: suspenda-se o Acordo de Associação UE-Israel

Sociedade civil: suspenda-se o Acordo de Associação UE-Israel

Na sequência do genocídio em curso em Gaza, Portugal e mais oito países exigiram resposta da Comissão Europeia sobre acordos com Israel.

Em particular, o Acordo de Associação UE-Israel estabelece que o respeito pelos Direitos Humanos e princípios democráticos constituem um elemento essencial desse mesmo acordo. Nesse sentido, o incumprimento do mesmo por parte do governo israelita pode justificar a sua suspensão. Pelo menos é isso que argumentam várias associações da sociedade civil.

A Coligação Europeia para a Justiça Comercial, que engloba 54 associações da sociedade civil na Europa, incluíndo a TROCA, fez uma declaração nesse sentido, tendo enviado posteriormente uma carta-aberta com o pedido de suspensão deste acordo a vários altos-representantes da UE; enquanto 187 associações de defesa dos Direitos Humanos, organizações humanitárias e sindicatos em todo o mundo fizeram outra.

Seguem-se a tradução de cada uma dessas declarações, começando pela da Coligação Europeia para a Justiça Comercial:

Apelo à suspensão imediata do Acordo de Associação UE-Israel e à cessação do comércio com Israel

Nós, a Coligação Europeia para a Justiça Comercial, apelamos à União Europeia (o maior parceiro comercial de Israel) e aos seus Estados-Membros para que suspendam imediatamente o Acordo de Associação UE-Israel, suspendam todo o comércio de bens e serviços com Israel e imponham sanções a Israel, como parte das obrigações legais da UE de empregar todos os meios ao seu alcance para impedir o genocídio em curso em Gaza e a manutenção da ocupação ilegal da Palestina levada a cabo por Israel.

A obrigação de a UE e dos Estados-Membros de suspenderem o comércio com Israel decorre de uma série de tratados e disposições de direito consuetudinário e internacional, incluindo a decisão de julho de 2024 do Tribunal Internacional de Justiça, que determinou que os Estados e instituições terceiros são legalmente obrigados a não reconhecer, ajudar ou prestar assistência à situação criada por esta ocupação ilegal. Todos os Estados membros da UE ratificaram ou aderiram à Convenção das Nações Unidas sobre o Genocídio e são legalmente obrigados a empregar todos os meios legais à sua disposição para influenciar Israel a abster-se de atos que violem a Convenção sobre o Genocídio, inclusive por meio da retenção, redução ou suspensão de toda e qualquer forma de assistência, ou a suspensão ou revisão de negociações e acordos comerciais.

As disposições do Acordo de Associação UE-Israel, que entrou em vigor em 2000, incluem uma cláusula relativa aos direitos humanos (artigo 2.º), que estabelece o respeito pelos direitos humanos e pelos princípios democráticos como um “elemento essencial” e que o acordo está condicionado ao respeito pelos direitos humanos e pelos princípios democráticos entre as partes.

No entanto, apesar de décadas de violações sistemáticas do direito internacional – incluindo a ocupação ilegal do território palestiniano, a expansão dos colonatos, as deslocações forçadas e a negação do direito dos palestinianos à autodeterminação – e do genocídio em curso em Gaza, onde mais de 54 000 pessoas foram assassinadas, muitas mais estão desaparecidas e por contabilizar, e toda a população de Gaza enfrenta a fome generalizada, Israel continuou a beneficiar de uma relação comercial preferencial com a UE, o maior parceiro comercial de Israel.

A continuação da cooperação comercial e política da UE com Israel não só legitima graves violações do direito internacional — como arrisca tornar a União cúmplice. Em setembro de 2024, peritos da ONU afirmaram que os Estados devem “cancelar ou suspender as relações económicas, os acordos comerciais e as relações académicas com Israel que possam contribuir para a sua presença ilegal e para o regime de apartheid no território palestiniano ocupado.”

Apesar disso, a UE não só falhou em suspender o acordo, como continua a dar a Israel acesso preferencial aos mercados europeus e a programas financiados pela UE, como o Horizonte Europa. Estas formas de cooperação servem para reforçar a impunidade de Israel e permitir as violações em curso, incluindo o genocídio em Gaza. A União Europeia é o maior parceiro comercial de Israel, representando 30% do seu comércio total. A suspensão do Acordo de Associação UE-Israel teria um impacto significativo na economia israelita e, consequentemente, a UE tem uma responsabilidade acrescida de utilizar a sua posição para influenciar a conduta de Israel.

A recente iniciativa de vários Estados-Membros da UE de rever o Acordo de Associação – sem compromisso de suspensão – chega demasiado tarde. Uma revisão que não conduza a consequências tangíveis seria mais uma distração, permitindo a manutenção do status quo enquanto Israel continua a cometer crimes de guerra.

Por isso, apelamos:

  1. A suspensão imediata do Acordo de Associação UE-Israel, em conformidade com o Artigo 2.º e o Artigo 60.º da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, bem como a suspensão de todas as relações comerciais e bancárias;
  2. Um embargo a nível da UE à transferência e trânsito de armas, tecnologia militar e material de dupla utilização para Israel, em conformidade com a Posição Comum da UE sobre exportações de armamento e o Tratado sobre o Comércio de Armas;
  3. A cessação de todo o comércio e cooperação — incluindo em investigação (nomeadamente a participação no Horizonte Europa), em tecnologia e em segurança — que contribuam para a manutenção da ocupação ilegal e do regime de apartheid de Israel;
  4. Mecanismos de responsabilização dos Estados-Membros e das instituições da UE que não cumpram as suas obrigações ao abrigo do direito internacional;
  5. Suspensão e exclusão de eventos culturais, académicos e desportivos;

Falhar em agir é colocar a União Europeia no lado errado da história — como cúmplice de crimes de guerra em curso. As palavras já não chegam. É tempo de agir.

Já as 187 associações de defesa dos Direitos Humanos, organizações humanitárias e sindicatos fizeram a seguinte declaração:

187 organizações de direitos humanos, organizações humanitárias e sindicatos apelam à UE para que garanta que a revisão em curso do cumprimento, por parte de Israel, do artigo 2.º do Acordo de Associação UE-Israel seja exaustiva, abrangente e credível.

O artigo 2.º estabelece que o respeito pelos direitos humanos e pelos princípios democráticos constitui um “elemento essencial” do acordo. Perante provas esmagadoras dos crimes de atrocidade cometidos por Israel e de outras graves violações dos direitos humanos contra os palestinianos em todo o Território Palestiniano Ocupado (TPO), uma revisão credível só pode chegar a uma conclusão: que Israel está em grave incumprimento do artigo 2.º.

Perante este cenário, apelamos à Comissão Europeia e a todos os Estados-Membros da UE que apoiem medidas significativas e concretas, incluindo a suspensão, ainda que parcial, do Acordo de Associação UE-Israel.

É com consternação que verificamos que a UE demorou tanto tempo a iniciar esta revisão, apesar do pedido já apresentado pela Espanha e pela Irlanda em fevereiro de 2024, das decisões dos tribunais internacionais, dos mandados de detenção emitidos pelo Tribunal Penal Internacional e de inúmeros relatórios de órgãos das Nações Unidas, peritos independentes, ONGs de relevo e académicos que denunciam violações muito graves por parte de Israel aos direitos humanos e ao direito internacional humanitário em todo o TPO – incluindo crimes de guerra, crimes contra a humanidade (nomeadamente deslocação forçada, apartheid e extermínio) e genocídio.

Algumas destas conclusões foram apresentadas aos ministros dos Negócios Estrangeiros da UE em novembro de 2024. Porém, em vez de avançarem para a suspensão do acordo e para a adoção de outras medidas apropriadas, os ministros limitaram-se a convocar uma reunião do Conselho de Associação UE-Israel, na qual apelaram a um cessar-fogo, à ajuda humanitária em larga escala, ao pleno respeito pelo DIH (direito internacional humanitário) e à interrupção da política de colonatos ilegais por parte de Israel. As autoridades israelitas fizeram exatamente o oposto, mais uma vez sem quaisquer consequências para as relações bilaterais UE-Israel – até agora.

O contexto em que esta revisão está a decorrer é dramático e exige uma ação urgente e eficaz. Há meses que Israel impede por completo a entrada de ajuda na Faixa de Gaza ocupada e tentou depois substituir o sistema humanitário liderado pela ONU por centros de distribuição controlados pelo exército, onde têm sido registadas mortes em massa de civis que procuravam ajuda. Esta conduta viola as obrigações de Israel, enquanto potência ocupante, ao abrigo do direito internacional humanitário, bem como três decisões vinculativas do Tribunal Internacional de Justiça (TIJ), emitidas em janeiro, março e maio de 2024, que ordenaram às autoridades israelitas que permitissem, sem entraves, a prestação de ajuda humanitária urgente e em larga escala em toda a Faixa de Gaza, para prevenir um genocídio.

Isto, a par da intensificação das operações militares de Israel em Gaza – dirigidas contra infraestruturas vitais à sobrevivência, unidades de saúde, abrigos e resultando na morte e mutilação de milhares de civis desde a quebra de um cessar-fogo frágil – tem provocado um sofrimento indescritível aos palestinianos ilegalmente cercados em Gaza.

Enquanto partes da Convenção sobre o Genocídio, todos os Estados-Membros da UE têm a obrigação de “empregar todos os meios razoavelmente disponíveis” para prevenir um genocídio. Essa obrigação surge não apenas após uma determinação judicial definitiva, mas assim que um Estado tiver conhecimento, ou devesse normalmente ter tido conhecimento, de um risco sério de que um genocídio possa vir a ser cometido. O Tribunal Internacional de Justiça forneceu orientações claras a esse respeito. A ação da UE já está há muito em atraso.

Contudo, embora Gaza possa ter sido o fator desencadeador da revisão do artigo 2.º do Acordo de Associação, o âmbito da revisão é mais vasto, abrangendo o respeito, por parte de Israel, pelos “direitos humanos e princípios democráticos”. A este respeito, destacamos o parecer consultivo histórico do TIJ, emitido em julho de 2024, que concluiu que a ocupação do TPO por parte de Israel é ilegal, por violar o direito do povo palestiniano à autodeterminação, e que está marcada por outras graves violações, como a discriminação sistemática e a segregação racial, a violência e deslocação forçadas, demolições, expansão de colonatos ilegais e confisco de terras. Em setembro, a Assembleia Geral da ONU adotou uma resolução que endossa amplamente essa decisão e formula uma série de recomendações que têm sido ignoradas pelas autoridades israelitas. Além disso, relatórios de organizações de direitos humanos e investigações das Nações Unidas também denunciam práticas de tortura contra palestinianos detidos em prisões israelitas, que resultaram em várias mortes.

Neste contexto, uma revisão fraca ou inconclusiva do cumprimento, por parte de Israel, do artigo 2.º, e/ou a inação da Comissão e do Conselho relativamente à suspensão, ainda que parcial, do Acordo de Associação, destruiria, em última instância, o que resta da credibilidade da UE – e, mais importante ainda, encorajaria ainda mais as autoridades israelitas a prosseguirem com os seus crimes de atrocidade e outras violações graves contra os palestinianos, com total impunidade.

A UE tem de agir agora – como já o deveria ter feito há muito tempo.