Até mesmo os seus defensores consideram obsoleto o Tratado da Carta da Energia (TCE) que, datando de 1994, está hoje em gritante contradição com a crise climática que enfrentamos. Surgido após a queda do muro de Berlim, visava impulsionar o comércio transfronteiriço de energia e, para isso, proteger os investimentos da Europa Ocidental nos países ex-comunistas.
O TCE inclui uma disposição legal de protecção do investimento (ISDS) que permite às empresas estrangeiras processar estados quando estes tomam decisões políticas que possam afectar os seus lucros presentes ou futuros em tribunais arbitrais privados.
É esse o caso dos dois processos que estão a decorrer contra os Países Baixos pela decisão de eliminar progressivamente as centrais alimentadas a carvão para a produção de energia eléctrica até 2030, num valor total de 2,4 mil milhões de euros. Dinheiro este que deveria estar a ser investido na transição energética e que são os cidadãos a desembolsar para a indústria fóssil.
Perante esta evidente contradição com as políticas de protecção do clima preconizadas pelo Acordo de Paris e pela União Europeia, o secretariado do TCE vem desenvolvendo desde 2019 esforços desesperados para “modernizar” o TCE, adequando-o à necessidade de eliminar o uso dos combustíveis fósseis – uma missão impossível já que as alterações requerem unanimidade dos mais de 50 países envolvidos, muitos dos quais têm economias dependentes dos combustíveis fósseis.
A sociedade civil europeia e portuguesa tem divulgado este tratado e as suas ameaças, apelando ao seu término e ao bloqueio da sua expansão.
A pressão vem aumentando também por parte de alguns países como a França, a Espanha e a Polónia, que instaram a Comissão Europeia a preparar a saída da UE do TCE. A Itália abandonou o tratado em 2015.
Com o novo secretário-geral Guy Lentz, uma nova dinâmica está a ser imprimida às negociações. Lentz declarou que as negociações para “tornar verde” o tratado de protecção do investimento energético devem ser concluídas nas próximas três rondas até ao Verão.
Segundo Elio Di Rupo, presidente da região belga da Valónia, “o prazo para finalizar a modernização é este Verão, uma vez que está agendada para Junho uma grande conferência. Esta conferência deverá, se necessário, assumir a forma de anúncio da conclusão dos trabalhos ou transformar-se numa 4ª e última ronda“, escreveu Di Rupo, acrescentando que “esta não é uma decisão interna da União Europeia, mas um desejo do secretariado-geral do tratado, ao qual a Comissão Europeia aderiu“.
Com base num estudo secreto da Comissão sobre quais seriam as implicações legais da saída do TCE, Di Rupo afirmou ainda que “Na sequência desta análise, a Comissão considera que, de qualquer modo, é mais vantajoso nesta fase continuar a negociar do que deixar o tratado, sendo que a negociação ainda parece ser a melhor opção disponível“. Isto deve-se, entre outras razões, à cláusula de caducidade, que submete os países aos processos ISDS durante mais 20 anos após a sua retirada do tratado.
Embora no âmbito das morosas e difíceis negociações tenha havido alguns progressos em determinados assuntos, não há verdadeiros avanços. Entre outros tópicos, foram focados os espinhosos temas de como definir um “investimento” e o “direito dos estados a regular”.
As negociações são feitas à porta fechada, sendo apenas divulgados publicamente aspectos gerais, sem concretizar os resultados. Paul de Clerck do grupo ambientalista Friends of the Earth Europe considera que “A completa falta de transparência nestas negociações é completamente inaceitável“, e que “um texto de compromisso deve ser tornado público antes de ser tomada qualquer decisão“.
A próxima ronda de negociações terá lugar entre 1 e 4 de Março.






