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Governos desrespeitam os direitos fundamentais e liberdades

Governos desrespeitam os direitos fundamentais e liberdades

Governos desrespeitam os direitos fundamentais e liberdades

Porque os governos não se dispõem a actuar com a determinação necessária em resposta à urgência da crise climática, várias iniciativas em sede de processo judicial foram já intentadas com sucesso.

Foi o caso da decisão do Tribunal Constitucional Federal (TCF) alemão, que em Abril de 2021 deu razão aos nove jovens que apresentaram uma queixa contra a Lei de Protecção do Clima, por ser demasiado fraca para conter eficazmente as consequências da crise climática, hoje e no futuro.

No seu veredicto, o TCF afirmou serem inadequadas as políticas de protecção do clima e prejudicarem as liberdades e os direitos fundamentais no futuro. E acrescenta que a redução constitucionalmente necessária dos gases com efeito de estufa não deve continuar a ser adiada para mais tarde e, portanto, unilateralmente, à custa das gerações mais jovens, pondo em causa os seus direitos fundamentais.

Esta histórica decisão, que obrigou o governo alemão a reformular a dita lei, tem implicações inovadoras: os objectivos de temperatura do Acordo de Paris e o alcance da neutralidade climática são elevados à lei constitucional: o Artigo 20a da Constituição, que protege “em responsabilidade pelas gerações futuras, os fundamentos naturais da vida e dos animais”, torna-se justiciável como padrão de revisão para a acção estatal. Com a sua decisão, o Tribunal Constitucional Federal redefiniu o conceito de liberdade na crise climática. A obrigação do Estado de proteger as oportunidades de liberdade da geração jovem no futuro resulta numa obrigação de fazer mais pela protecção climática no presente.

Significa isto que é absolutamente leviana e irresponsável a narrativa neoliberal que ignora esses direitos das gerações futuras. Porém, como a contenção e o respeito pelo planeta não servem os grandes interesses, a ideologia da “liberdade” entendida como o direito de fazer o que se entende e bem apetece, sem considerar o efeito que pode ter para outros no presente e no futuro, tem sido promovida e adoptada em grande escala.

Uma via que resta aos jovens que se empenham pela preservação do planeta é a da apelação em tribunal. Recentemente, cinco jovens que representam países atingidos por recentes desastres relacionados com as alterações climáticas interpuseram, junto do Tribunal Europeu de Direitos Humanos, uma acção judicial em defesa da acção climática e dos direitos das novas gerações. Os signatários requerem que os seus direitos sejam protegidos, desta feita pedindo ao Tribunal que ordene aos governos de 12 países (entre os quais a Áustria, Bélgica, Chipre, Dinamarca, França, Alemanha, Grécia, Luxemburgo, Holanda, Suécia, Suíça e Grã-Bretanha) a retirada dos obstáculos criados pelo Tratado da Carta da Energia (TCE) no combate às alterações climáticas.

Este Tratado da década de noventa, totalmente obsoleto e praticamente desconhecido, permite aos investidores estrangeiros processarem estados por quaisquer políticas que prejudiquem os seus investimentos energéticos – incluindo em combustíveis fósseis -, perante tribunais exclusivos compostos por 3 árbitros privados. Trata-se de uma  justiça paralela VIP para investidores estrangeiros, consubstanciada no questionável mecanismo de resolução de litígios (ISDS).

O TCE sobrepõe a proteção do investimento estrangeiro ao direito dos estados a regular e à protecção ambiental. Através da cláusula de caducidade, garante durante 20 anos a protecção dos investimentos, mesmo após a retirada de um país do TCE. É assim que a Itália, que corajosamente abandonou o TCE já em 2016, está a braços com um processo ISDS por ter proibido a exploração de petróleo ao longo da costa.

Um relatório do IPCC refere expressamente que o TCE pode ser utilizado por empresas de combustíveis fósseis estrangeiras para bloquear políticas públicas e legislações nacionais destinadas a eliminar gradualmente a utilização, prospecção ou exploração dos combustíveis fósseis. Ele pode ser usado pelas empresas para processar os estados num valor estimado de 1,3 biliões de euros até 2050, em indemnizações pelo encerramento antecipado de centrais de carvão, petróleo e gás.

O TCE é um perigoso entrave à acção climática, incompatível com o Acordo de Paris e o Pacto Ecológico Europeu.  A saída conjunta dos países-membros da UE do TCE é a única opção coerente e responsável.

A “modernização” deste tratado – o mais agressivo do mundo, tendo já despoletado 150 casos ISDS -, está a decorrer há mais de dois anos em negociações sigilosas entre as 53 partes que o integram. A Comissão Europeia considera que o “acordo de princípio” alcançado em Junho como resultado das negociações, é satisfatório. Não é. O TCE modernizado continua inaceitável.

Estamos perante mais um exemplo da hipócrita priorização dos negócios face à preservação do planeta – tal como aconteceu no caso da Taxonomia “Verde”, que acabou por incluir o gás e o nuclear.

Na nova acção judicial junto do Tribunal Europeu de Direitos Humanos, os queixosos argumentam que a adesão ao TCE viola o direito à vida (artigo dois) e o direito ao respeito pela vida privada e familiar (artigo oito) da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

Veremos se esta acção judicial será aceite pelo Tribunal Europeu de DH, e, a ser, se isso irá ter algum efeito sobre a aprovação, em Novembro, da lavagem verde que é a versão “modernizada” do TCE.
A Taxonomia “Verde” abriu generosamente as portas aos montantes mirabolantes para investimentos no gás. O TCE vai garantir que esses negócios vão cumprir as “legítimas expectativas de lucro” das gigantes multinacionais, nem que seja através de indemnizações. Os governos adoram a ideia de nos usarem para assegurar lucros multimilionários, promovendo mais ainda a concentração da riqueza.

Esta é a era dos egoístas declarados, do espezinhamento do interesse público, dos governos vendidos e irresponsáveis e da falta de ética generalizada.