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O ISDS vai a votos no Equador

O ISDS vai a votos no Equador

O ISDS vai a votos no Equador

No próximo dia 21 de Abril terá lugar um referendo no Equador, no qual serão votadas várias propostas de emenda à actual constituição deste país. Uma destas propostas visa o regresso ao Equador de sistemas de arbitragem internacional, como o ISDS, que funcionam como tribunais privados, sem transparência e à margem das leis nacionais. A ser aprovada, esta emenda representará uma grande derrota para o movimento por um comércio internacional justo.

Desde 2008, quando o Equador aprovou por referendo popular a sua actual constituição, que o ISDS e outros sistemas de arbitragem semelhantes estão proibidos, com o objectivo de proteger a soberania do país e a primazia das instituições democráticas. Esta proibição está inscrita no artigo 422º do texto constitucional, onde se decreta que:

«Não poderão ser celebrados tratados ou instrumentos internacionais pelos quais o Estado equatoriano ceda jurisdição soberana a processos de arbitragem internacional, em disputas contratuais ou comerciais, entre o Estado e pessoas físicas ou jurídicas privadas.»

Apesar deste artigo ter sido um passo importante no sentido de proteger os equatorianos de potenciais abusos às mãos de empresas multinacionais, ele tem algumas limitações, nomeadamente por incluir uma excepção para sistemas de arbitragem a nível regional «na América Latina», e por ser omisso quanto a efeitos retroactivos, ou seja, quanto aos tratados assinados anteriormente e portanto já em vigor.

Não obstante, os resultados práticos do artigo 422º fizeram-se sentir nos anos que se seguiram. Em 2008, o Equador desvinculou-se de nove tratados de investimento bilaterais; no ano seguinte, o presidente Rafael Correa decretou a saída do Equador do tribunal arbitral do Banco Mundial (ICSID); e a partir de 2010, o Tribunal Constitucional do Equador emitiu uma série de acórdãos pelos quais foram considerados inconstitucionais todos os artigos de ISDS que constavam dos seus tratados de investimento ainda em vigor. Na prática, porém, vários destes tratados continuaram a ser aplicados, quer porque incluíam «cláusulas de caducidade» que prolongavam a sua validade por dez a quinze anos depois da data de denúncia, quer porque as decisões do tribunal constitucional foram tacitamente ignoradas.

Esta situação começou a ser colmatada em 2013, quando o governo decretou uma auditoria a todos os tratados de investimento que não tinham sido oficialmente denunciados. A comissão responsável pela auditoria (CAITISA) incluiu advogados, académicos, representantes da sociedade civil e do governo, e produziu um relatório no qual se conclui que os acordos celebrados, para além de não terem atraído investimento, teriam custado milhões de dólares americanos em despesas de arbitragem. Em 2017, depois de apresentado este relatório, o Equador denunciou todos os seus tratados de investimento restantes, defendendo-se assim da ameaça do ISDS.

No entanto, têm havido desde então tentativas no sentido de reverter estas decisões, e de contornar ou revogar o artigo 422º da constituição. Em 2021, o recém-eleito presidente Guillermo Lasso decretou a reintegração do Equador no ICSID, à margem da Assembleia Nacional, que considerava a decisão inconstitucional. E agora, três anos depois, é o presidente Daniel Noboa que, a pretexto de uma escalada de criminalidade, e no contexto de um conflito armado entre o governo e cartéis de droga, lança um referendo constitucional no qual, entre outras emendas, se propõe revogar a proibição de acordos com ISDS.

A victória desta emenda seria um presente para as grandes empresas e um enorme passo atrás no combate pela transparência, pela democracia, pelos direitos das pessoas e pela protecção do meio ambiente. Como demonstra um relatório recente do Instituto Transnacional, publicado em parceria com várias organizações da sociedade civil equatoriana, os casos de ISDS representaram até hoje enormes custos financeiros, sociais e ambientais para os equatorianos:

Ao longo dos anos, o Equador foi já alvo de um total de 29 processos ISDS, a maior parte dos quais por empresas sediadas nos Estados Unidos. Dos casos já adjudicados (21), as empresas ganharam dois terços (14), tendo sido o estado obrigado a pagar quase 3.000 milhões de dólares americanos em indemnizações, a que acrescem elevadas despesas de arbitragem que, até 2017, se aproximavam dos 1.500 milhões de dólares. Recorde-se que, ao abrigo destes sistemas de arbitragem, as empresas podem processar os estados, mas os estados não podem processar as empresas.

Apesar da protecção constitucional, e da revogação, entre 2008 e 2017, de todos os tratados com ISDS, há ainda oito casos pendentes contra o estado equatoriano, em virtude das cláusulas de caducidade (também conhecidas como «cláusulas zombie») acima referidas, que prolongam a validade dos acordos, por pelo menos uma década, após a sua denúncia. Devido à falta de transparência do ISDS, só há informação pública sobre o montante exigido em três destes oito casos: no total, são quase 10.000 milhões de dólares em indemnizações exigidas por empresas multinacionais, por supostos danos às suas expectativas de lucro. Como aponta o relatório do Instituto Transnacional, este valor corresponderia à soma dos orçamentos da saúde e da educação do Equador para o ano de 2024. Os montantes exigidos nos cinco restantes casos pendentes são ainda desconhecidos.

 

De entre o total de 29, os seguintes casos de ISDS contra o Equador foram anteriormente documentados pela TROCA:

  • Occidental Petroleum vs Equador (2007) – a empresa Occidental Petroleum, sediada nos Estados Unidos da América, violou a lei do Equador e um contrato de concessão, ao ceder a terceiros direitos de exploração de hidrocarbonetos numa região da Amazónia, sem aprovação do governo. Quando os seus direitos de concessão foram cancelados pelo Ministério da Energia e Minas, a Occidental Petroleum processou o estado equatoriano através do ISDS, ao abrigo do tratado de investimento bilateral EUA-Equador, obtendo uma indemnização de 2.300 milhões de dólares, mais tarde reduzida para 1.400 milhões.
  • Chevron vs Equador (2009) – a Chevron, uma das maiores empresas petrolíferas americanas, operou explorações petrolíferas no Equador durante 26 anos, durante os quais despejou água tóxica e lama petrolífera na Amazónia, envenenando as comunidades indígenas. A justiça equatoriana condenou a Chevron ao pagamento de 9.500 milhões de dólares em indemnizações às populações. Ao abrigo do tratado de investimento bilateral EUA-Equador, a Chevron processou o estado equatoriano, exigindo a anulação da sentença;
  • Copper Mesa vs Equador (2011) – a empresa canadiana Copper Mesa não cumpriu o requisito legal de auscultação das populações locais para um projecto de mineração na região do Intag, nem obteve aprovação do seu estudo de impacto ambiental. A comunidade local opôs-se ao projecto e foi alvo de intimidação e violência. Quando o estado equatoriano revogou a concessão, foi processado através do sistema ISDS ao abrigo do tratado de investimento bilateral Canadá-Equador, e condenado a pagar 24 milhões de dólares.

Estes casos referentes ao Equador, bem como outros por todo o mundo, são exemplo e demonstração da importância de rejeitar o ISDS e outros sistemas de arbitragem semelhantes (como o MIC e o ICS), para proteger a democracia, os direitos humanos e o planeta.

 

Nota: A TROCA subscreveu, assim como muitas outras organizações da sociedade civil latino-americana e internacional, a Declaração “O Equador deve defender seu direito de dizer NÃO aos tribunais internacionais de investimento e aos privilégios concedidos aos investidores estrangeiros”.

 

Equador - Impactos da arbitragem internacional