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Desmascarando os mitos do Tratado da Carta da Energia – PARTE 2

Desmascarando os mitos do Tratado da Carta da Energia – PARTE 2

Desmascarando os mitos do Tratado da Carta da Energia – PARTE 2

A primeira parte desta publicação pode ser encontrada aqui

 


MITO 5

Desmascarando os mitos do Tratado da Carta da EnergiaCom a crescente oposição ao TCE, iniciou-se, em 2018, um processo para a sua “modernização”. Os defensores do tratado afirmam que esta reforma permitirá tornar os litígios ao abrigo do TCE “muito mais complicados”, “dará o espaço necessário aos estados para adoptarem medidas que facilitem a implementação da transição energética” e que vai transformar o TCE no “Tratado de investimento mais ecológico que existe“.

No entanto, há fortes indícios de que a modernização não vai reduzir o efeito destruidor do TCE sobre o clima, já que:

  1. Não foi feita nenhuma proposta para eliminar o perigoso mecanismo ISDS nem foi introduzida uma excepção clara para medidas tomadas contra as alterações climáticas.
  2. A linguagem floreada sobre o “direito a regular” dos estados não irá impedir a interposição de acções judiciais ao abrigo do TCE. Mas a questão não é se os estados têm direito a regular – eles têm-no e os tribunais do TCE já o confirmaram. A questão fundamental é se, ao regular, os estados afectam os privilégios dos investidores e por esse motivo podem, a qualquer momento, ser condenados a pagar indemnizações exorbitantes, quando for decidido judicialmente que uma regulação foi “injusta” para um investidor. O “direito a regular” não protege as políticas públicas de processos judiciais e não elimina o efeito dissuasor do tratado, que leva ao adiamento e mesmo à não implementação das regulações necessárias apenas para evitar processos judiciais.

 

Além disto, é possível que uma versão revista do TCE nunca se chegue a concretizar porque qualquer alteração ao tratado requer unanimidade e vários países signatários, como o Japão, já declararam que não querem alterações em nenhum dos temas que estão em negociação.

 


MITO 6

Desmascarando os mitos do Tratado da Carta da Energia - Mito-6Desde 2012, o Secretariado do TCE tem feito grandes esforços para alargar o alcance geográfico do tratado, nomeadamente para países da África, Ásia e América Latina. Muitos destes países esperam que o facto de aderirem ao TCE vá atrair investimentos que permitam, por exemplo, acabar com a pobreza energética da sua população – uma ideia que o Secretariado do TCE tem alimentado e realçado. Contudo, a adesão ao TCE não irá provavelmente aumentar os investimentos em energia e não há provas de que a adesão reduza a pobreza energética.

Além disto, os riscos para países de médio ou baixo rendimento são múltiplos:

  1. Vagas de processos judiciais de elevados custos: A nível mundial, o TCE é o tratado mais usado para arbitragens em matéria de investimentos. Até Dezembro de 2020, havia 1.061 casos conhecidos de processos ISDS em todo o mundo, tendo 60% deles sido accionados por empresas cujo país de origem é um membro do TCE e, na maioria dos casos, Estado-Membro da UE.
  2. As quantias envolvidas nas eventuais indemnizações a pagar em processos ISDS,, vão provavelmente ultrapassar o investimento anual necessário para proporcionar acesso à energia às pessoas necessitadas.
  3. As iniciativas de combate à pobreza energética e de regulação dos investimentos em prol do desenvolvimento nacional podem ser restringidas uma vez que, no âmbito do TCE, os Estados podem ser processados por motivos como: tributação de lucros extraordinários, contratação obrigatória de pessoal local, transferência tecnológica, processamento de matérias-primas antes da sua exportação ou protecção de recursos naturais. Vários países do Leste da Europa foram já processados ao abrigo do TCE porque tentaram limitar os lucros das empresas de energia e baixar os preços da electricidade para os consumidores.

 


MITO 7

Desmascarando os mitos do Tratado da Carta da EnergiaOs defensores do TCE afirmam que “não faz sentido os Estados signatários saírem do tratado para evitar o pagamento de indemnizações” pois, devido à cláusula de caducidade do TCE, os investidores podem instaurar processos jurídicos a um país até 20 anos após a sua saída do tratado.

Ainda assim, a saída do TCE tem diversos benefícios:

  1. Diminui significativamente o risco de um país ser processado já que a cláusula de caducidade apenas se aplica aos investimentos realizados antes da saída do tratado. Este ponto é especialmente relevante porque a maioria dos novos investimentos energéticos ainda recai sobre combustíveis fósseis pelo que quanto mais cedo os países se retirarem do tratado, menos novos investimentos em energia fóssil serão protegidos pelo TCE. A Itália já deu este passo em 2016.
  2. Abandonar este tipo de tratados é uma tendência global porque, segundo dados da UNCTAD (United Nations Conference on Trade and Development), 2019 foi o segundo ano em que mais tratados de investimento prejudiciais e obsoletos foram cancelados relativamente àqueles que foram celebrados. No caso do TCE,  é possível sair dele cinco anos após a adesão, estando actualmente quase todos os países signatários nesta situação, incluindo a UE e os seus Estados-Membros.
  3. Permite enfraquecer a cláusula de caducidade no caso de haver uma saída conjunta. Os países signatários podem adoptar, entre si, um acordo que exclua as queixas de investidores cujas empresas estejam sediadas nos países que façam parte deste acordo. Isto já permitiria reduzir consideravelmente o número de processos ISDS levantados ao abrigo deste tratado uma vez que, até Outubro de 2020, 66% dos casos ao abrigo do TCE envolviam investidores e Estados-Membros da UE. É também de relembrar que, de acordo com a decisão do Tribunal de Justiça Europeu no processo República da Moldávia vs. Komstroy, a cláusula ISDS do TCE não é aplicável a litígios intra-UE por ser incompatível com a legislação europeia.

 


CONCLUSÃO

Conclusão - Desmascarando os mitos do Tratado da Carta da EnergiaEm Novembro de 2020, mais de 250 deputados e eurodeputados da UE apelaram aos Estados-Membros para que estes começassem a “explorar vias para se retirarem conjuntamente do TCE”, para o caso de as disposições que protegem os combustíveis fósseis e o mecanismo ISDS não serem devidamente reformados ou eliminados da versão modernizada do tratado. É importante relembrar também que, além destas disposições, o TCE inclui uma cláusula de caducidade que permite às empresas processar os Estados por um período de 20 anos após a saída do tratado, garantindo assim às empresas poluidoras a possibilidade de bloquearem a transição energética e a acção climática durante pelos menos duas décadas.

Até agora, as negociações têm sido um fracasso e não resolveram nenhum dos problemas de fundo do TCE. A conclusão que se pode retirar é que os países da UE devem preparar a saída conjunta e imediata do tratado.

Esta foi também a avaliação feita pela maioria dos eurodeputados no debate sobre o TCE que teve lugar no dia 24 de Março deste ano, durante o plenário do Parlamento Europeu. Neste debate ficou evidente que a maioria do espectro político do Parlamento Europeu tem fortes dúvidas em relação ao sucesso do processo de modernização. Por este motivo, todos os grupos políticos apoiaram a saída da UE e dos seus Estados-Membros do TCE, incluindo os grupos políticos que tradicionalmente estão a favor deste tipo de tratados de investimento, como o Partido Popular Europeu.

Está assim mais claro do que nunca que a preparação da saída conjunta deve arrancar o quanto antes.

Também não há provas sólidas de que exista parcialidade sistemática contra investidores estrangeiros. Pelo contrário, um estudo de 2016 sobre o tratamento de investidores estrangeiros em países em desenvolvimento concluiu que as experiências das empresas estrangeiras nestes casos tendem a ser tão boas ou melhores do que as relatadas pelas suas homólogas nacionais.

O continuado recurso a tribunais privados revela pois ser uma via mais vantajosa. Estas arbitragens privadas são mais lucrativas para os investidores do que as feitas perante tribunais nacionais, por permitirem a atribuição de indemnizações por futuros lucros perdidos (algo que não acontece nos tribunais nacionais) e utilizarem um método fraudulento para calcular o valor das indemnizações, que são “extremamente exageradas” nas arbitragens de investimento.