Há uns dias, em conversa com um amigo alemão já velhote, desde sempre activo na política e na cidadania e membro de uma série de conselhos de direcção de entidades sem fins lucrativos, dizia ele que a justiça na Alemanha se vinha cada vez mais afastando do que era o sentido de justiça do cidadão comum – à custa de questões processuais como a legitimidade do acesso a provas ou as prescrições – e que essa era uma das razões que atirava as pessoas para os braços da extrema-direita (AfD).
Faz-me sentido. Claro que me ocorreu logo Rui Pinto e o modo absurdo como “em Portugal a Justiça preocupou-se com a invasão dos computadores, mas não com a evasão fiscal e com a desonestidade desportiva (o caso e-toupeira só convence ingénuos).”
Ocorreu-me também a mais recente sessão de trabalho do Grupo de Trabalho III da Comissão das Nações Unidas para o Direito Comercial Internacional (UNCITRAL, na sigla em inglês), realizada de 20 a 24 de Janeiro passado em Viena. Lá estiveram os estados, em muitos casos representados por especialistas em matéria de investimento, a discutir para trás e para diante como tornar menos intragável e injusto o sistema ISDS (Resolução de Litígios Investidor-Estado), os tais tribunais ad hoc exclusivos para os investidores processarem os estados quando os seus lucros, actuais ou futuros, possam ser afectados por medidas governamentais em favor do ambiente ou do bem comum.
É sabido que a Comissão Europeia, mandatada pelos estados-membros, é a campeã do Tribunal Multilateral de Investimento (MIC, na sigla em inglês) e considera-se muito magnânima por tentar institucionalizar e legitimar este sistema ao serviço da multinacionais, ajeitando-o com vestes menos escandalosas.
Ora, também aqui, o truque de fazer parecer menos injusta uma justiça paralela e exclusiva para os mais ricos, não a torna menos injusta nem convence ninguém. Embate basilarmente contra o sentido de justiça. Nunca, mas nunca, pode um cidadão (informado) perceber porque é que os estados se prestam a este vergonhoso vergamento subserviente perante os poderosos deste mundo, lixando-nos a nós, os cidadãos que pagamos as indemnizações que são oferecidas nesses tribunais VIP.
Num dos últimos casos conhecidos (sim, porque muitos não são sequer do conhecimento público), a Uber está a ameaçar a Colômbia com um processo ISDS pela proibição do uso do seu aplicativo pelo país. Que tal?
Em Portugal, não tenhamos dúvidas de que o ISDS é um papão oculto que manieta o governo em relação à EDP.