logo Troca linha TROCA - Plataforma por um Comércio Internacional Justo

Carvão na Polónia

Carvão na Polónia

Carvão na Polónia

A empresa Prairie Mining decidiu utilizar o Tratado da Carta da Energia e o tratado bilateral entre a Polónia e a Austrália para usufruir do sistema de justiça privada ISDS e exigir uma indemnização correspondente a 935 milhões de euros.

A empresa alega ter investido nas minas de Jan Karski e Debiensko, investimento esse que ficaria invalidado pela recusa do governo em garantir as licenças de extracção mineral. Por essa razão, a empresa exige ser compensada não apenas pelo valor gasto no investimento até então, pelos custos do processo de arbitragem e juros correspondentes, mas também pela sua expectativa de lucros futuros.

Quão importante é essa expectativa de lucros futuros no montante global que a empresa está a pedir? Parece ser muito significativo, já que a empresa nem sequer dispunha dos 12 milhões de euros necessários para avançar com este processo de arbitragem. A empresa teve acesso a este montante por via da empresa Litigation Capital Management, que tem o propósito de financiar este tipo de litigância, ficando depois com parte da indemnização atribuída. No dia em que a Litigation Capital Management acedeu avançar com o dinheiro, as acções da Prairie Mining aumentaram 62%. De facto, se a empresa ganhar o caso e receber o valor que pede, o valor de mercado da empresa deverá aumentar trinta vezes!

A situação torna-se mais curiosa ainda quando temos em conta que o valor de mercado da empresa entre 2015 e 2018, quando alegadamente se pressupunha que iria obter a licença, era inferior ao actual. O mercado parece dar mais valor à possibilidade do tribunal privado decidir que  a empresa deve ser  indemnizada pela perda de alegados lucros futuros, do que aos próprios alegados lucros futuros.

A TROCA não se pronuncia sobre se a recusa do governo polaco se justifica, ou se a empresa Prairie Mining efectivamente merece alguma indemnização. Não faltarão razões para criticar o governo polaco em geral, mas esta matéria deveria caber aos tribunais. Mas aos tribunais polacos e não a tribunais privados: os investidores devem conhecer a lei de cada país e decidir arriscar ou não arriscar investir nesse país, e os tribunais devem aplicar a lei de forma isenta e independente. Aquilo que dificilmente os tribunais polacos fariam seria calcular a indemnização adequada baseando-se em cálculos absurdos e irrealistas sobre expectativas especulativas de lucros futuros, e sob o pressuposto de que qualquer alteração nos mesmos é considerada pelo tribunal uma forma de expropriação ilegítima (levado ao limite, este pressuposto tornaria ilegal qualquer alteração fiscal). E como uma das minas de carvão está associada a carvão utilizado para a produção de energia eléctrica, um tribunal polaco também poderia ter em conta a necessidade de diminuir consideravelmente o volume de emissões, algo que o Tratado da Carta da Energia não tem, bem pelo contrário. Ou seja, o respeito pelo TCE garante o incumprimento do Acordo de Paris.

Só quando as decisões cabem aos tribunais nacionais, que julgam tendo em conta a lei nacional, é que podemos falar num sistema efectivamente democrático. O estabelecimento de sistemas de justiça privados que funcionam ao serviço das empresas multinacionais é uma forma de contornar e esvaziar a democracia.