Diz-se que por vezes “é preciso que algo mude para que tudo fique na mesma”. A Comissão Europeia parece encontrar-se nessa situação no contexto do processo de modernização do Tratado Carta de Energia (TCE) – o maior obstáculo à luta contra as alterações climáticas na Europa. Em resposta à força dos movimentos que lutam contra as alterações climáticas e à maior consciência das populações europeias face às injustiças de sistemas de justiça privados, a Comissão Europeia compreendeu que o TCE não podia ficar na mesma, e tem-se batido por um processo de modernização que, embora torne o TCE menos pernicioso, o mantém claramente insuficiente e incompatível com o Acordo de Paris.
Além das propostas da Comissão para a modernização do acordo serem, já por si, grosseiramente insuficientes, seria expectável que o processo de negociação do acordo viesse a resultar em alterações ainda mais modestas. Não só as mudanças mais substanciais ao acordo têm de ser aceites por unanimidade pelos mais de 50 membros do acordo, como alguns destes membros têm uma economia extremamente dependente da exportação de combustíveis fósseis, como é o caso do Azerbaijão, onde mais de 20% do PIB advém da venda de petróleo, gás natural e carvão.
No entanto, ninguém esperava que o Japão fosse tão intransigente na sua escolha de impedir qualquer alteração minimamente consequente. Por essa razão, a mais recente ronda de negociações (de 3 a 6 de Novembro) foi, de novo, completamente infrutífera.
Mas, se “é preciso que algo mude para que tudo fique na mesma” e o Japão não deixa que algo mude, será que isso quer dizer que nem tudo vai ficar na mesma? A Comissão Europeia já declarou publicamente que considera a possibilidade de abandono do TCE se o processo de negociação não produzir frutos num espaço de tempo “razoável”. O governo francês também já reforçou a mesma ideia no contexto da Revisão da Política Comercial: se a modernização do TCE não corresponder às expectativas da União Europeia e dos Estados-Membros, o abandono europeu deve ser equacionado.
Apesar deste posicionamento ser um desenvolvimento positivo, alguma prudência é aconselhável. Pode não se tratar de uma declaração genuína mas sim de um “bluff”, uma táctica negocial para fazer o Japão ceder em algum detalhe sem importância, proporcionando a “folha de videira” para que os perigos do TCE não fiquem tão a nu.
A 18 de Dezembro, na sequência da Conferência da Carta de Energia nos dois dias anteriores, o grupo responsável pela modernização do TCE vai reunir-se e estabelecer o plano de negociações para o ano seguinte. Se o processo não estiver concluído antes da discussão da Lei de Bases do Clima, deixa de ser viável “esperar para ver”: a Lei de Bases do Clima terá de exigir o abandono imediato do TCE.