Lucros do ouro lesam o direito das pessoas a água potável
Lucros do ouro lesam o direito das pessoas a água potável
Em Fevereiro de 2016, após fortes protestos locais, o Tribunal Constitucional da Colômbia deu a machadada final a um mega-projecto de extracção de ouro da empresa canadiana Eco Oro: o tribunal decidiu que não poderia ser realizada nenhuma actividade de mineração nos ecossistemas de alta montanha conhecidos como páramos, incluindo o páramo de Santurbán, onde a Eco Oro tinha o seu projecto. Menos de um mês depois, a empresa informou o Governo de que iria dar entrada a um processo de arbitragem de investimento. Para agravar a situação, a reivindicação pela Eco Oro de uma indemnização no valor de 764 milhões de USD parece ter desencadeado toda uma série de ataques por parte de investidores.
“O nosso ouro é a nossa água” e “a água antes do ouro” foram os lemas-chave da manifestação de 40.000 pessoas, contra o projecto de mineração no páramo de Santurbán, que teve lugar em Fevereiro de 2011, em Bucaramanga, na região de Santander. Essa manifestação fez parte de uma longa luta dos colombianos contra a extracção de ouro em larga escala e pela defesa do seu direito a água potável.
“[A extracção de ouro nos páramos] constitui um abuso grave dos recursos naturais e uma negação do direito fundamental à água.” – Iván Cepeda, senador colombiano2
Os páramos são raros ecossistemas de zonas húmidas de grande altitude, que servem como fontes vitais de água doce. Os páramos colombianos abastecem de água potável 70% do país3. O páramo de Santurbán, por si só, é a fonte de água potável para dois milhões de colombianos. Mas, ocultas sob estes frágeis ecossistemas, jazem enormes reservas de ouro, carvão e outros minerais, cuja extracção é amplamente reconhecida como “uma das principais causas da contaminação do solo e da água” no país4.
As empresas mineiras resistem à regulação governamental, mas o poder popular impõe-se
A empresa mineira canadiana Greystar (que mais tarde passou a chamar-se Eco Oro) foi uma das primeiras multinacionais a adquirir direitos de exploração de ouro na Colômbia, em meados da década de 1990. O seu projecto de extracção Angostura situava-se perto do páramo de Santurbán, onde se desenrolaram durante vários anos operações de exploração e viabilidade5. Naquela altura, fragilidade e a importância ecológica dos páramos ainda não tinha sido reconhecida oficialmente pelo Governo colombiano.
Isso mudou em 2010, quando foram promulgadas as primeiras leis para restringir a mineração nos páramos. Inicialmente, a Eco Oro e outras empresas encontraram formas de conseguir isenção das leis e avançaram com as minas em locais que entretanto tinham sido convertidos em zonas de protecção ambiental6. Porém, em 2016, o Tribunal Constitucional anulou todas as excepções à proibição de extracção nas zonas protegidas7. Na altura, a Eco Oro não tinha ainda obtido todas as autorizações necessárias para as suas operações e, muito menos, tinha começado a explorar o ouro. Além disso, em 2011 o Ministério do Ambiente da Colômbia tinha inclusive rejeitado a avaliação de impacto ambiental apresentada pela empresa8.
“A protecção do ambiente prevalece sobre os direitos económicos adquiridos por particulares (…) se for provado que a actividade produz um dano, ou quando existam razões para aplicar o princípio de precaução a fim de evitar danos aos recursos naturais não renováveis ou à saúde humana.”- Tribunal constitucional da Colômbia9
A resolução do caso perante o Tribunal Constitucional representou uma vitória importante após um longo período de resistência por parte dos cidadãos, de ONGs e de académicos, liderados pela Comissão para a Defesa da Água e do Páramo de Santurbán, uma plataforma de 40 organizações, que representa 75.000 pessoas10. Para a indústria mineira, foi uma derrota marcante, até porque o Tribunal tinha declarado categoricamente que “o interesse privado deverá ceder perante o interesse público ou social”, como mais tarde viria a lamentar uma empresa de mineração de ouro11.
“A água acima do lucro” determina o Tribunal Constitucional da Colômbia, mas a Eco Oro solicita uma segunda opinião a advogados especializados em matéria de investimento.
A indústria contra-atacou imediatamente. A Eco Oro processou a Colômbia através do mecanismo de resolução de litígio investidor-estado (ISDS) previsto no acordo comercial entre o Canadá e a Colômbia, contornando assim os tribunais colombianos. O processo foi apresentado em 2016 perante o CIADI (Centro Internacional para a Arbitragem de Disputas sobre Investimentos), o centro de arbitragem do Banco Mundial12. Segundo dados da ONU, a empresa exige uma indemnização de 764 milhões de USD13 – uma quantia três vezes superior aos 250 milhões de USD que, alegadamente, terá investido na execução do projecto14.
A empresa argumenta que as medidas adoptadas pelo Governo “destruíram o valor dos seus investimentos” e frustraram as suas “expectativas legítimas”15. A verdade, contudo, é que o projecto Greystar/Eco Oro teve problemas desde o início. A fase de exploração só ficou concluída em 2004, uma vez que as operações estiveram paralisadas entre 1999 e 2003. A construção da mina e a sua exploração estavam previstas para 2008, mas o prazo não foi cumprido16. A localização da mina foi sempre controversa, e enfrentou, com o passar dos anos, uma resistência cada vez maior. Na verdade, já em 2010, parecia claro que o Governo não iria atribuir a licença ambiental necessária para avançar com a exploração da mina. A Procuradoria Geral da Colômbia considerou que “à luz da legislação ambiental e mineira vigente, este projecto é inviável”17.
“Os estados não deveriam ser sancionados por protegerem as suas fontes de água, visto que o fazem em conformidade com as suas obrigações nacionais e internacionais.” – Carlos Lozano Acosta, associação interamericana para a defesa do ambiente (AIDA)18
Os árbitros que vão decidir o caso, à semelhança de muitos outros, não estão interessados em escutar as pessoas que são afectadas pelo projecto de extracção. Em 2019, rejeitaram uma solicitação da Comissão para a Defesa da Água e do Páramo de Santurbán e de outras organizações para apresentarem provas de como o caso poderia afectar os direitos humanos19.
Resultado do caso
O caso encontra-se em avaliação dos juízes, a Eco Oro exige uma indemnização de 764 milhões de USD - uma quantia três vezes superior aos 250 milhões de USD que, alegadamente, terá investido na execução do projecto. Acusa a Colômbia de expropriação indirecta e de não tratamento com os requisitos justos e mínimos.
Os Conflitos de Interesse do Banco Mundial
Um tribunal do Banco Mundial vai decidir se os direitos da Eco Oro foram violados. Porém, a divisão de investimento privado do Banco Mundial, a Corporação Financeira Internacional (IFC), era uma das principais accionistas da mina da Eco Oro entre 2009 e 2015, antes de ter retirado o seu investimento do projecto20, depois de investigações da sociedade civil terem demonstrado que não tinha tido em consideração os impactos sociais e ambientais da mina, conforme exigido a todos os investimentos da IFC21. Enquanto apoiava financeiramente o projecto, o Banco tinha afirmado que extrair minérios nos páramos podia “gerar benefícios substanciais e promover o desenvolvimento sustentável” na região22.
“De uma perspectiva judicial, existe um evidente conflito de interesses, já que parece difícil que, nesta situação, um tribunal de arbitragem de investimento possa realizar uma avaliação objectiva e independente das medidas que o país tomou para proteger os seus interesses públicos.” – Marco Velásquez-Ruiz, advogado colombiano, referindo-se ao apoio financeiro do banco mundial à eco oro23.
Como se isso fosse pouco, o processo da Eco Oro recebeu uma injecção de capital da Tenor Capital, um fundo de investimento privado de Wall Street, no valor de 14 milhões de USD. Em troca de uma parte da compensação final, a Tenor vai cobrir os custos judiciais da Eco Oro. Isto não só permitiu à empresa apresentar a queixa, como vai também proporcionar os meios financeiros para exercer ainda mais pressão litigiosa sobre a Colômbia24.
Uma onda de casos contra a Colômbia
Em 2018, duas outras empresas mineiras canadianas, a Red Eagle Exploration25 e a Galway Gold26, apresentaram casos de arbitragem por motivos semelhantes aos da Eco Oro. Os casos são parte de uma onda recente de 11 processos investidor-estado conhecidos que atingiu a Colômbia entre 2016 e 2018, a maior parte dos quais desencadeados por tratados de comércio e investimento assinados recentemente com o Canadá e os Estados Unidos. Até então, a Colômbia não tinha sido objecto de ataques de arbitragem de investimento, mas, como já constatámos, um processo parece incentivar outros, à medida que circula a palavra, entre empresas e advogados de investimento altamente remunerados, sobre os potenciais benefícios que podem arrecadar em países empobrecidos que carecem dos recursos necessários para resistir aos ataques de várias empresas com enormes recursos.
Como financiadores terceiros embolsam lucros de milhões apostando em litígios de investimento
O financiamento por terceiros (FPT) dos processos de investimento é uma área de negócio em crescimento, embora altamente controverso.
No FPT, um financiador – geralmente uma empresa de seguros, um banco de investimento ou um fundo especulativo – cobre os custos do investidor em advogados e procedimentos legais, em troca de uma fatia considerável dos lucros, no caso de ganharem o processo. Normalmente, o financiador recebe entre 30% e 50% da compensação final, ou três a quatro vezes o valor que investiu27. Estes financiadores investem sobretudo em casos nos quais se espera um resultado final de, pelo menos, 14 milhões de USD28.
Este sistema de apostas em casos tem-se revelado altamente lucrativo. Tomemos, como exemplo, o caso da Tenor Capital, a financiadora do processo da Eco Oro e da Gabriel Resources contra a Roménia (ver Cap. 3.1). Este fundo especulativo de Wall Street investiu 62,5 milhões de USD num processo de investimento contra a Venezuela “em troca de 70,5% do valor ‘líquido’ (…) da indemnização após pagamento a credores e às autoridades fiscais”29. A Tenor ganhou a lotaria quando a Venezuela foi condenada a pagar 1,4 mil milhões de USD.
Do mesmo modo, em 2017, a empresa financiadora de litígios Burford Capital arrecadou mais de 100 milhões de USD quando a Argentina foi condenada a pagar 320 milhões de USD num caso interposto por uma companhia aérea. A empresa tinha gasto 12,8 milhões de USD para pagar parte das custas processuais dos investidores; isso significa que os lucros da Burford representam um retorno sobre o investimento de 736%30.
É provável que este tipo de financiamento especulativo inflaccione o número de processos judiciais de arbitragem de investimento que são apresentados, na medida em que acaba com o risco financeiro que as empresas correm ao iniciarem um processo dispendioso, tornando assim mais atractivo e viável para as empresas processarem os estados.
“O financiamento por terceiros confere a uma classe restrita de investidores ainda mais recursos para avançar com queixas desproporcionadas contra estados com recursos muito limitados.” – Frank J. Garcia, professor e membro do fundo global do Decanato na faculdade de direito da Boston college31