O estado Romeno ajustou a sua legislação e políticas à legislação da EU em 2005 e foi por sua vez processado por 2 empresários que perderam incentivos fiscais devido a estes ajustamentos. Quando o ISDS colide com a legislação europeia: a absurda saga legal dos irmãos Micula contra a Roménia
O caso Micula é outro inconcebível processo Investidor-Estado apresentado contra a Roménia. Ele demonstra como os acordos de investimento e as arbitragens podem entrar em choque com a legislação nacional e europeia.
No final da década de 1990, foram concedidos a Ioan e Viorel Micula (dois irmãos romenos muito ricos que também têm a nacionalidade sueca) incentivos fiscais, e outros benefícios, para as empresas de comes e bebes que eles exploravam na Roménia. Em 2005, estes incentivos foram abolidos, no quadro das reformas exigidas para a entrada da Roménia na UE. Os Micula contestaram a decisão e, em 2006, processaram a Roménia com base no acordo bilateral de investimento com a Suécia. (1)
Embora a Comissão Europeia tenha intervindo no caso, confirmando que tinha exigido à Roménia a suspensão dos incentivos para cumprir as normas da UE em matéria de apoio estatal, em 2013, um tribunal de investimento decidiu que um estado não podia fugir à sua responsabilidade perante os investidores alegando a legislação da UE. Os árbitros condenaram a Roménia a pagar aos irmãos Micula uma indemnização no valor de 178 milhões de euros. (2)
Desde então, os Micula têm vindo a tentar em vários países que a sentença seja executada, deixando a Roménia dividida entre as instruções e as leis das instituições europeias e uns investidores ricos, determinados e litigiosos.
Desconhece-se a quantia total que a Roménia pagou nesta saga legal. Só a defesa da arbitragem de investimento já custou aos contribuintes romenos 16,7 milhões de euros. (3)
“Este caso ilustra o risco de um estado-membro ser processado com sucesso por uma empresa através do ISDS, pelo mero facto de ajustar a sua legislação e políticas à legislação da UE.” – MONIQUE GOYENS/ DA ORGANIZAÇÃO EUROPEIA DE DEFESA DOS CONSUMIDORES BEUC (4)
1. Ioan Micula, Viorel Micula and others v. Romania (Caso CIADI No. ARB/05/20). 2. Este valor inclui os juros anteriores à decisão arbitral. Ioan Micula, Viorel Micula and others v. Romania, Award, 11 de Dezembro de 2013, par. 1329. 3. Monique Goyens: The Micula case: When ISDS messes with EU law, 27 de Outubro de 2014. 4. Na primeira sentença, a Roménia foi condenada a pagar os seus custos judiciais (11 499 347,97 euros) e tinha adiantado 1.485 000 dólares (1.077 179,78 euros a 11 de Dezembro de 2013, data da sentença) para cobrir os custos do tribunal. No procedimento de anulação, a Roménia foi condenada a pagar os seus custos judiciais, 2.041 034,19 euros, e demais gastos, 600 000 dólares (548 847,44 euros a 26 de Fevereiro de 2016, data da sentença), assim como a pagar a totalidade dos custos de procedimento (547 845,09 dólares ou 501 138,96 euros). Isto representa 15 668 448,34 milhões de euros em custos judiciais.
Resultado do caso
Pendente, empresa exige indemnização de 178 milhões de euros.
Em um novo e impressionante episódio da saga Micula, o Tribunal de Justiça da União Europeia anulou a decisão da Comissão Europeia de 2015 de que o pagamento pela Roménia da compensação de 178 milhões de euros aos irmãos Micula, concedido por um tribunal do ICSID em 2013 constituiria um auxílio estatal ilegal no país, acepção do artigo 107 do TFUE (Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia). No seu acórdão proferido ontem, o Tribunal Geral considerou que a sentença reconheceu o direito à indemnização dos investidores existentes antes da adesão da Roménia à UE. Consequentemente, a Comissão foi impedida de aplicar as regras da UE em matéria de auxílios estatais a esta situação, pelo menos no que diz respeito ao período de pré-adesão. A decisão do Tribunal Geral pode ser objecto de recurso no Tribunal de Justiça. (5)