Mineração destruidora triunfa sobre a sáude e o ambiente local
Nos campos de arroz da Tailândia, a população local acusou uma mina de ouro de derramar resíduos tóxicos, causando graves problemas de saúde e destruindo as colheitas. O Governo reagiu suspendendo a mina, e mais tarde fazendo cessar toda extracção de ouro no país enquanto preparava uma nova lei da mineração. Porém, em vez de as comunidades afectadas receberem indemnizações pelos prejuízos causados, o que está a acontecer é o contrário. Desde 2017, o proprietário australiano da mina, Kingsgate, está a processar a Tailândia, exigindo milhões de USD de indemnizações, ao abrigo de um acordo de livre comércio entre os dois países.
Chatree foi a primeira e a maior mina de ouro da Tailândia e o primeiro grande empreendimento da empresa mineira australiana Kingsgate. A mina, que entrou em actividade em 2001, situa-se a cerca de 280 km a norte de Bangkok, em Phichit, um distrito predominantemente agrícola.
A empresa tem estado em conflito permanente com os ambientalistas e a população local, afirmando esta ter sido negativamente afectada pela mina. Em 2010, os aldeãos levaram a empresa a tribunal por não ter mitigado os danos causados e por ter obtido ilegalmente as autorizações para a actividade mineira. O tribunal decidiu que, efectivamente, a mina tinha infringido as leis de protecção ambiental e exigiu à empresa que apresentasse um estudo de impacto ambiental e na saúde pública.1
Mais tarde, em 2015, as actividades da mina Kingsgate foram suspensas por vários meses, no contexto de contínuos protestos ambientalistas e de exames médicos que mostraram que centenas de pessoas que viviam perto da mina tinham níveis elevados de substâncias tóxicas no sangue. A própria empresa reconheceu nos seus relatórios problemas com o pó, águas contaminadas, ruído e uso de cianeto e os investigadores criticaram a “ausência de uma verdadeira consulta à comunidade local.”2
“A população está extremamente preocupada, e, em certos casos, temerosa do impacto da mina no ambiente e na saúde,seja por causa das águas contaminadas, do pó na atmosfera ou do ruído”. – NATTAVUD PIMPA E TIMOTHY MOORE, INVESTIGADORES DA MINA DE CHATREE3
Os acontecimentos na mina de Kingsgate, em Phichit, ocorreram também depois de uma erupção de violência noutra mina controversa do país, a Loei Gold Mine, onde mais de 300 indivíduos mascarados e armados atacaram e agrediram os aldeãos que bloqueavam o acesso à mina.4 Estes problemas no sector do ouro levaram a junta militar que governava o país a suspender todas as minas de ouro do país em 2017, “devido ao seu impacto nas populações locais e no ambiente”. Embora os grupos defensores dos direitos humanos tenham aprovado este encerramento,5 a lei utilizada neste processo também foi criticada, por dar poderes ao primeiro ministro para emitir ordens arbitrariamente, sem respeitar os procedimentos legais e democráticos.6
A empresa mineira australiana ripostou com ameaças de um processo de arbitragem internacional de vários milhões de USD. Esta ameaça pareceu dar frutos: em 2017, o Governo tailandês aceitou levantar a suspensão da actividade mineira, o que provocou um súbito aumento do preço das acções da empresa.7 Contudo, a Kingsgate não reabriu a mina. Em vez disso, exigiu uma indemnização ao Governo, apresentando um caso de Resolução de Litígio Investidor-Estado (ISDS) ao abrigo do acordo de livre comércio entre a Tailândia e a Austrália, por alegada expropriação, e reclamando prejuízos de montante não revelado.8 Segundo rumores nos meios de comunicação tailandeses, a indemnização através do ISDS ascenderia a 900 milhões de USD, o que foi negado pelo Governo.9
Quem decide sobre o impacto da mineração para o ambiente e as pessoas?
O ouro está actualmente cotado acima dos 1.000 USD a onça10 mas, apesar dos lucros que esta indústria pode gerar, o sector da extracção aurífera não tem uma história brilhante no que respeita aos direitos humanos e à protecção do meio ambiente. O processo utilizado para extrair este caro metal baseia-se no cianeto, um produto químico altamente tóxico, e gera subprodutos de metais pesados. Com o aumento da produção e da procura, o ouro de fácil acesso tornou-se cada vez mais escasso e os resíduos produzidos pela extracção aumentam cada vez mais.
O impacto da mina Chatree na saúde pública e no ambiente está no centro do litígio entre a empresa, o Governo e a população local. Em 2015, o Instituto Central de Medicina Forense da Tailândia apurou que 282 pessoas que viviam perto da mina tinham níveis excessivos de metais pesados no sangue, o que aumentava os riscos de cancro, anomalias do ADN e deficiências congénitas.11 Um estudo independente conduzido posteriormente, realizado em 2018 por académicos, constatou a existência de derramamentos tóxicos a partir do tanque de detritos da mina. Detectou ainda uma resistência eléctrica anormal, anomalias geoquímicas e níveis de contaminação por metais pesados nas águas de superfície, confirmando portanto as queixas dos habitantes locais de que os seus campos de arroz tinham sido contaminados.12
“Os impactos da mina de ouro são reais. Muitas pessoas já sentiram os possíveis efeitos da contaminação da mina de ouro na saúde … Além disso, muitas pessoas também já intentaram acções judiciais contra a mina”. – CHAINARONG SRETTHACHAU, DOCENTE DA UNIVERSIDADE DE MAHA SARAKHAM13
Mas a empresa negou sempre qualquer constatação de danos ambientais. A Kingsgate produziu vários relatórios elogiosos sobre a responsabilidade social da empresa sobre a mina de Chatree 14 e usou diferentes tácticas para contestar a validade das avaliações ambientais; primeiro contestou os cientistas, depois a metodologia, e por fim o nexo de causalidade entre a poluição e a mina.15
Embora diferentes versões da verdade não sejam nada de novo, a questão crucial é a de quem decide qual é o nível nocivo de exposição a certos químicos. Neste caso, em vez de se confiar nos institutos de investigação nacionais, no princípio da precaução ou no conhecimento da comunidade local, a decisão será tomada por três árbitros especializados em investimento, com base numa lei do investimento estrita, num processo sigiloso à porta fechada. Nem os detalhes da queixa, nem o montante ou o tipo de indemnização que está a ser exigido pela empresa, são públicos até este momento, apesar de a decisão dos árbitros poder ter impacto em todo o país, devido ao precedente que cria para a regulamentação na Tailândia. Existe um sério risco de que todas as preocupações com o ambiente e os direitos humanos sejam ignoradas na decisão do júri, como já aconteceu em muitos outros casos.
Um seguro contra riscos políticos financia um caso de ISDS
A empresa mineira Kingsgate e os seus accionistas, tal como a maioria das empresas multinacionais, tinha um “seguro contra riscos políticos” para as suas operações, que cobria perdas financeiras relacionadas com guerra, expropriação e terrorismo. De facto, a Zurich Insurance e outras companhias pagaram 58,5 milhões de USD à Kingsgate como prémio de seguro. Parte deste dinheiro será utilizado para financiar o caso de arbitragem ISDS contra a Tailândia.16 (ver a Caixa 12 na pág. XXXX para mais informação sobre estes acordos de financiamento por terceiros).
Este caso de ISDS pode tornar-se a verdadeira mina de ouro para a empresa em dificuldades, já que, em 2018 a Kingsgate enfrentou uma tentativa de aquisição hostil por parte da Metal Tiger Investors, devido a má gestão17 e à dívida crescente.18 Enquanto o caso ISDS decorre, a empresa recusa-se a pagar a reabilitação da mina, que continua a derramar resíduos tóxicos nas nascentes de água de Phichit.19
“Duas grandes questões que continuam por responder são: quem irá despoluir o ambiente e como é que a população afectada será ajudada?” – THANYARAT SINDHORNTHAMMTHAT, MORADOR DE UMA ALDEIA DO DISTRITO DE THAP KHLO, EM PHICHIT20
A população local não tem acesso a seguros, nem à justiça nos tribunais australianos ou internacionais. Mas ainda assim tenta obter alguma justiça através dos tribunais nacionais: em 2018, os tribunais tailandeses aceitaram uma audição de uma iniciativa popular de 6.000 pessoas afectadas pela mina, que reclamam cerca de 15,9 milhões de USD de indemnização.21
Extracção de lucros: como as empresas petrolíferas, de gás e de mineração utilizam o ISDS
As empresas do sector de mineração, petróleo e gás são as principais utilizadoras da arbitragem Investidor-Estado. Até ao final de 2018, elas tinham accionado 24% de todos os litígios Investidor-Estado conhecidos (169 casos no total). Nos últimos anos, o número de casos no sector das indústrias extractivas está também em expansão, com 96 novos casos lançados desde 2010.22
Muitos destes casos Investidor-Estado dirigem-se contra tentativas dos governos de adoptarem medidas de protecção do ambiente e da saúde pública. É notório que estes casos frequentemente revertem as conquistas resultantes da resistência, por parte das comunidades afectadas, a projectos de extracção de recursos. Um estudo recente sobre queixas ISDS relacionadas com a exploração mineira contra estados da América Latina revelou que mais de dois terços das mesmas contestaram “medidas duramente conquistadas pelas quais os povos indígenas e outras comunidades afectadas pela exploração mineira lutaram para proteger as suas terras, água, ecossistemas frágeis e lugares sagrados contra a exploração mineira e os seus impactos negativos “.23 O ISDS é mais um ataque à já débil protecção legal dos direitos dessas comunidades.
“Os cidadãos e as comunidades não têm um contrapeso legal comparável a nível internacional para iniciar procedimentos quando as actividades das empresas mineiras violam os direitos humanos e ambientais.” – MANUEL PEREZ-ROCHA E JEN MOORE, INSTITUTO DE ESTUDOS POLÍTICOS24
Pendente, empresa exige indemnização de 900 milhões de dólares.
Caso encontra-se em análise por parte dos árbitros, segundo rumores nos meios de comunicação tailandeses, a indemnização através do ISDS ascenderia a 900 milhões de USD, o que foi negado pelo Governo.9